Quando você está numa fila de espera, como costuma passar esse tempo ocioso? Lê notícias? Envia mensagens pelo whatsapp? Olha as redes sociais? Ou se abstrai daquele momento para pensar em outras coisas?

Como seres pensantes, podemos refletir sobre o passado, processar o momento presente e imaginar o futuro. Podemos direcionar nossos pensamentos para cenários e situações reais ou imaginários, sejam eles agradáveis ​​ou desagradáveis, desejados ou não.

O problema é que estamos viciados em smartphones, um vício em ascensão do mundo moderno, independente da idade. Há um medo patológico de ficar sem o celular, chamado Nomofobia (NO + mobile + Phone + Phobia). Aliás, o Brasil é, atualmente, o país onde as pessoas mais gastam tempo em aplicativos de celular em todo o mundo: os brasileiros passam em média 5,4 horas por dia, de acordo com estudo feito pela agência focada em análise do mercado mobile, a App Annie e divulgado com exclusividade pela revista Forbes esse ano.

Mas, se nós podemos mergulhar em uma infinidade de lugares que nossa mente pode nos levar, por que nós – quando temos oportunidade de dar uma escapada do mundo exterior – simplesmente não nos entretemos com nossos pensamentos em nosso mundo interior?

Afinal, se nossos pensamentos moldam a vida que vivemos, pode ser válido (e benéfico) ocasionalmente ficarmos a sós com eles, mesmo que por alguns instantes. Esse prazer no pensar é uma capacidade de acolhimento a nós mesmos, possibilitando saídas criativas para lidar com a realidade e onde transformações no mundo real podem acontecer.

Mas não é bem isso que nós humanos estamos dispostos a fazer (ou pensar).

Há uns 10 anos, psicólogos da Universidade da Virgínia e de Harvard convidaram voluntários para que ficassem em uma sala vazia e se ocupassem exclusivamente com seus pensamentos, caso contrário, levariam um choque elétrico. As descobertas, publicadas em 2014, foram interessantes: 67% dos homens e 25% das mulheres preferiram levar um choque a ter que ficar sozinhos com seus pensamentos (mesmo que por pouco tempo).

Essas descobertas parecem conflitantes para nossa espécie – Homo sapiens – definida por sua habilidade de pensar.

Estudos posteriores (veja a seguir) confirmaram que, embora tenhamos capacidade de imaginar e simular diversos mundos dentro de nossa cabeça, fazer isso é uma tarefa que exige esforço cognitivo e isso pode não ser tão prazeroso. O exercício de pensar coisas agradáveis ​​também não é intuitivo, assim como é, por exemplo, pensar formas de resolver um problema. Ter pensamentos agradáveis ou divertidos pode, portanto, exigir prática e motivação – e um pequeno empurrão.

Uma equipe de psicólogos sociais liderada por Nicholas Buttrick e Timothy Wilson da Universidade da Virgínia conduziu recentemente uma série de estudos com voluntários de 11 países, os quais foram instruídos a se concentrar especificamente em pensamentos que lhes dessem prazer com o único propósito de aproveitarem essa experiência. Aqueles que foram designados a pensar coisas prazerosas classificaram a experiência como significativamente menos agradável do que aqueles que fizeram atividades como ler ou assistir a um vídeo. Os resultados foram similares em todas as culturas, o que demonstra a preferência universal das pessoas por atividades que tenham fonte externa de entretenimento, em vez de “perder tempo” pensando em coisas que deem prazer.

Intenção, concentração e conteúdos

Para entender melhor por que pensar coisas prazerosas e extrair prazer nisso é algo desafiador, Remy Furrer, psicólogo da Universidade da Virgínia, propõe dividir essa atividade em duas partes: processos de pensamento e conteúdos do pensamento:

Processos de pensamento se referem à intenção (ou seja, ter motivação) e capacidade (ou seja, ter concentração) para pensar, enquanto conteúdos do pensamento se referem aos assuntos, e se eles são suficientemente significativos e/ou agradáveis.

Embora em geral as pessoas possam preferir estímulos externos em vez de se esforçar para pensar (e ter prazer nisso), outra série recente de estudos mostrou que o ato de pensar pode se tornar mais agradável simplesmente motivando as pessoas a intencionalmente canalizar seus pensamentos dessa forma. Quando os pesquisadores instruíram os participantes a pensar coisas especificamente para lhes dar prazer, em vez de dar-lhes liberdade para pensar o que quisessem, estes participantes relataram que a experiência foi significativamente mais agradável. Isso sugere que receber motivação e pensar de forma intencional, aumenta o prazer.

Em relação ao segundo componente do processo – ter capacidade de concentração para gerar pensamentos e manter a atenção neles por um período de tempo – outra série de estudos confirmou como essa capacidade é relevante: após um tempo tentando pensar coisas prazerosas, os participantes relataram dificuldade para se concentrar, o que diminuiu significativamente o prazer desse ato. Quando os pesquisadores pediram para que alguns escrevessem uma lista de assuntos agradáveis, podendo olhar para sua lista durante a pausa para pensar, eles relataram menor dificuldade de concentração, o que levou a um maior aproveitamento do momento. Em comparação, aqueles que não foram instruídos a criar sua lista, tiveram mais dificuldade para se concentrar e pensar em coisas agradáveis.

Remy Furrer diz que isso nos leva à outra parte fundamental de pensar por prazer – o conteúdo dos pensamentos. Que pensamentos induzem maior prazer? Intuitivamente, sabemos quais são eles?

Uma recente pesquisa, liderada pela Dra Erin Westgate, sugere que a maioria de nós simplesmente não sabe no que se concentrar para pensar intencionalmente em coisas prazerosas. Os pesquisadores descobriram que dar exemplos de situações agradáveis ​​(férias, realizações, festas etc) aumentava o prazer dos participantes, em comparação com aqueles que pensavam por si próprios (sem receber exemplos), sugerindo que eles tiveram dificuldade em imaginar por si só.

Os pesquisadores também identificaram um padrão intrigante – quanto maior o prazer ao pensar, mais os participantes consideravam significativos os pensamentos que tiveram. Isso os levou a questionar se direcionar as pessoas a se concentrar em pensamentos significativos lhes proporcionaria maior prazer, em vez de focar nos pensamentos agradáveis. Eles testaram isso em um segundo estudo, dando exemplos de assuntos prazerosos para dois grupos de participantes, pedindo a um grupo que pensasse coisas significativas, enquanto o outro grupo pensaria assuntos para ter prazer.

Para surpresa, descobriram que as pessoas instruídas a ter pensamentos significativos relataram que acharam a experiência menos agradável e menos significativa do que aquelas instruídas a pensar para ter prazer. Para entender isso mais a fundo, pediram a todos os participantes que escrevessem os assuntos que pensaram. Usando análise linguística, descobriram que aqueles instruídos a ter pensamentos significativos usaram bem menos palavras emocionais e palavras positivas do que aqueles que pensaram apenas coisas prazerosas.

No geral, os resultados demonstram que:

– Quando as pessoas são instruídas a ter pensamentos agradáveis, elas não necessariamente pensam se são significativos ou não, o que poderia diminuir o prazer do ato de pensar.

– Quando as pessoas são instruídas a ter pensamentos significativos, elas não necessariamente pensam se são agradáveis ou não, o que também poderia diminuir o prazer do ato de pensar.

Tudo isso sugere que a maioria de nós não tem um senso intuitivo de como e no que se concentrar para extrair o máximo prazer da experiência de pensar.

Aumentando o prazer

“Felizmente, esses resultados apontam para maneiras cientificamente comprovadas de tornar o ato de pensar pelo prazer, em algo realmente agradável”, diz Remy. Como podemos então reservar um tempo a sós com nossos pensamentos? Ele recomenda o seguinte para aumentar o prazer da experiência:

– Seu objetivo deve ser ter um momento que lhe faça bem; então reserve esse momento para pensar coisas que lhe tragam prazer ou diversão.

– Escolha assuntos que sejam, ao mesmo tempo, significativos e agradáveis ​​(por exemplo, eventos sociais e realizações).

– Antes de pausar para pensar, escreva alguns assuntos/situações, Caso sinta que está tendo dificuldade em se concentrar, pode dar uma olhada nessa lista.

– Interessante estabelecer um momento específico do dia para essas pausas, ou seja, aqueles momentos que você sente que tem mais motivação para pensar, mas pare se e quando sentir que está tendo muito esforço cognitivo.

– Como todas as outras habilidades, pratique – quanto mais você praticar, mais encontrará prazer em ficar a sós com seus pensamentos.

Em um mundo repleto de estímulos, situações e problemas que exigem tanta nossa atenção, não custa nada, de vez em quando, nos voltarmos para dentro e extrair significado e prazer disso, não é mesmo?

Ilustração da capa: Liza Rusalskaya

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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