Chega a quase 50 milhões o número de alunos matriculados na educação básica – do ensino infantil ao médio -, nas redes pública e particular, segundo dados do Censo Escolar de 2019. Com a suspensão das aulas presenciais devido ao isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, todo o sistema educacional do país foi empurrado para uma nova realidade ainda mais desafiadora.

A digitalização foi a saída inevitável para minimizar o choque no ano letivo, mas já se sabe dos enormes problemas de acesso à estrutura e de preparo – tanto de alunos quanto de professores – para lidar com o ensino a distância. Alunos que enfrentam uma dura realidade com as escolas fechadas e acesso limitado à educação foram obrigados a procurar outros modelos de ensino. O lado positivo desse momento foi o cultivo de um novo jeito de aprender, muito além das salas de aula. Assim, ficou demonstrado que o ensino pode ser e é aplicado em diversos formatos no dia a dia, seja por meio de jogos ou brincadeiras educativas. Mas há um outro fator neste contexto que acende um sinal e pode nos fazer pensar em caminhos para o futuro da educação e do conhecimento: a dificuldade de pais e mães de acompanhar e fomentar o aprendizado dos filhos

Relatos colhidos pela Beta Redação retratam essa realidade, como o depoimento da Elisângela Azeredo, mãe de um menino de 6 anos, que está no 1º ano do ensino fundamental: “Nós sentimos uma dificuldade na questão do ensino porque não temos a desenvoltura que um professor possui. Nós tentamos ajudar de uma maneira e eles (professores) nos orientam a ter mais calma”. Segundo pesquisa do Grupo Consumoteca que quantificou esses desafios do EAD, temos mais adversidades além do acesso à internet: 26% dos entrevistados declaram ter problemas para conciliar a rotina de trabalho, serviços domésticos e agenda escolar dos filhos; 17% também sofre com a falta de tempo para ajudar os filhos; 23% dos pais encontram dificuldade de estabelecer um cronograma, horários determinados de estudos para as crianças. E 10% não tem conhecimento da matéria para auxiliar nas matérias em casa.

Além, é claro, da divisão do tempo entre o próprio trabalho, tarefas domésticas e a atenção aos filhos, como exigir deles que esses pais desempenhem uma função para a qual não foram preparados? Não se trata de torná-los professores, mas, sim, ocupar um lugar que se aproxima do papel dos facilitadores do processo de aprendizagem – que criam condições para o aprendizado acontecer. Seria essa a faísca para nos levar a questionar como essa “desenvoltura” poderia ser parte do processo de formação e (trans)formação para fortalecer redes de conhecimento, em que todos somos participantes ativos do ensinar e aprender?

Não são todas as pessoas que têm condições e estrutura para aplicar uma educação contínua, que amplia o aprendizado dentro de sua rotina. Como possível solução para esse desafio temos, por exemplo a educação artísticas, que ONGs de música, dança e literatura oferecem para estudantes de escolas públicas. Alguns museus, como o Museu da Imagem e do Som de Mato Grosso do Sul – realizam atividades com os alunos, como brincadeiras com utensílios ópticos usados na produção de filmes para instigar a criatividade.

Neste momento em que a educação está sendo chacoalhada por novas tecnologias, novas demandas de habilidades e evidentes falhas no sistema, o rearranjo de papéis também passa por uma revisão e atualização, considerando um presente e futuro cada vez mais pautados no Lifelong Learning.

É claro que, de um lado, há estudantes qualificados que podem permanentemente melhorar seu desempenho. Porém, do outro, há o abismo para quem não tem condições e, muitas vezes, não consegue ao menos completar o Ensino Médio. Para esses, infelizmente, não há uma solução pronta, mas ao entender que o aprender não está relacionado apenas a uma sala de aula, isso pode mudar muitas realidades e ser um incentivo para uma possível melhoria de vida. O primeiro passo é entender que a jornada de aprendizado é importante e que está disponível para todos, ainda que de formas diferentes.

O aprendizado ao longo da vida, que propõe um aprender plural – seja no método formal, não-formal e informal -, nos permite também compreender os processos educativos permeando nossos dias, em todas as oportunidades de exercitar o olhar de aprendiz, inclusive nas relações e nas experiências cotidianas. E se isso também é aprender, o quanto podemos nos qualificar para exercermos essa contribuição intencional de troca de conhecimento com mais fluidez e efetividade?

Ainda que tecnologias venham para somar – e não para substituir -, o contato humano é fundamental para aprimorar a empatia, a sociabilidade e a alteridade. Afinal, aprender é uma experiência social. Neste sentido, a própria relação entre aluno-professor está se reformulando: educadores redefinem sua atuação no palco da educação, passando de detentores de conhecimento para mediadores da construção de conhecimento, curadores de conteúdo, assumindo atitudes que reverberam para tutorar, inspirar, engajar e dividir responsabilidades no processo de formação. Além disso, com a vivência lifelong learner, se forma uma via de mão dupla, uma vez que professores também serão impactados com conhecimentos que o aluno busca por si, em outras fontes, e que poderá também ser compartilhado para agregar o repertório de aprendizados do próprio educador. Um grande ciclo flexível e múltiplo. 

Yaacov Hecht, educador israelense, fundador Instituto para a Educação Democrática, traz da sua experiência e vivência de uma nova lógica de aprendizagem alguns ensinamentos neste sentido. Ele conta: “os professores não olhavam para meus pontos fortes, e eu era ótimo em artes e esportes. Mas isso não importava. O foco era sempre em aprender a ler e escrever. Era como se todos os dias eles reforçassem que eu era incapaz.” O oposto deste formato verticalizado e determinista dos sistemas educacionais é realidade na escola Hadera, em Israel, em que Yaacov prova que é possível despertar, desde cedo, essa habilidade do compartilhamento, de um ensinar circular: além do currículo básico, professores e alunos trazem ideias do que e como deve ser o aprendizado. Um exemplo simples, mas significativo: um grupo de alunos que gosta de escalada pode construir uma parede na escola e, no processo, ensinar como se faz aos colegas e também aos educadores. 

Na verdade, esse exemplo tem dois grandes aprendizados para o futuro da educação e do conhecimento: além de proporcionar integração e partilha do processo de aprendizagem, também evidencia que aprender não se restringe à sala de aula. Ela é um dos espaços. O aprender contemporâneo está em tudo, inclusive na brincadeira – chave para ensinar a nossa mente a estabelecer novas conexões e, com isso, trabalhar a resolução de problemas de maneira mais eficaz. Das atividades promovidas por uma ONG a um documentário ou filme veiculado nos canais de TV ou online, do livro ao encontro com professor. O hibridismo entre on e off, tecnologia digital e humana, balanceia a experiência e amplia os horizontes da aprendizagem  

Quando pensamos no mundo corporativo, já existe a movimentação para aplicar este olhar perene, flexível e horizontalizado do aprendizado. Os multiplicadores de conhecimento são figuras que representam essa estratégia e impulsionam o desenvolvimento de profissionais e o crescimento de organizações. Com perfil curioso, comunicativo e com habilidades interpessoais afinadas, o multiplicador é responsável por disseminar conhecimento para equipes, ativando a cultura de aprendizagem contínua dentro das empresas. O irradiar dessa atuação traz benefícios para profissionais que contam com capacitações direcionadas e mais orgânicas, evitando a dependência de treinamentos rigidamente estruturados – e que muitas vezes não geram retorno esperado – ou de um gestor disponível para ensinar sobre determinado processo ou tema. Com uma realidade cada vez mais multidisciplinar nas empresas, imagine o potencial de ter um time de facilitadores que podem trocar entre si seus conhecimentos e especialidades?  

O Lifelong Learning pode ser facilmente visualizado com um símbolo de infinito, em que não há começo nem fim para o aprendizado. Um movimento que não tem um dono, mas no qual pais, profissionais, crianças, empresas: todos podemos ser colaboradores, facilitadores, multiplicadores. Uma responsabilidade individual e coletiva: onde cada um ensina o que sabe e aprende o que precisa. Talvez uma das nossas lições de casa seja pensar na capacidade de comunicar, dialogar e criar espaços de aprendizagem como premissa para uma educação mais alinhada aos desafios dos novos tempos.

Crédito da imagem acima: Lee Kyutae, aka Kokooma.

Mariana Achutti

Fundadora e CEO da Sputnik, é empreendedora e vem ajudando a provocar mudanças no universo corporativo através de uma educação criativa e disruptiva em empresas como Google, Facebook, Boticário, Ambev, entre outras. Mariana atuou durante anos como gestora da Perestroika, e em 2014, intra empreendeu e criou a Sputnik, braço In Company da Perestroika.

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