Há tempos, pesquisadores buscam entender como o sono se relaciona ao declínio cognitivo. A questão é saber se dormir pouco é um sintoma das mudanças cerebrais que estão por trás da demência – ou o contrário, se pouco sono pode causar essas mudanças.

Um novo e abrangente estudo, publicado dia 20 de abril, na revista Nature Communications, relata descobertas que sugerem que, pessoas na casa dos 50 e 60 anos, que não dormem o suficiente podem ter maior probabilidade de desenvolver demência quando ficarem mais velhas.

Os pesquisadores acompanharam quase 8.000 pessoas na Grã-Bretanha ao longo de 25 anos, começando quando elas tinham 50 anos. Eles constataram que, aquelas que relataram o costume de dormir seis horas ou menos durante a semana, eram 30% mais propensas a ser diagnosticadas com demência do que as pessoas que dormiam regularmente sete horas (definido como sono “normal” no estudo).

“Seria realmente improvável que quase três décadas antes esse sono fosse um sintoma de demência, então é um excelente estudo que fornece fortes evidências de que pouco sono é realmente um fator de risco”, acredita Dra. Kristine Yaffe, professora de neurologia e psiquiatria da Universidade da Califórnia, em San Francisco, que não participou do estudo.

Mudanças cerebrais, pré-demência, como o acúmulo de proteínas associadas ao Alzheimer, podem começar 15 a 20 anos antes que as pessoas apresentem problemas de memória ou declínio cognitivo, então os padrões de sono dentro desse intervalo podem ser considerados um efeito emergente da doença. Isso coloca a questão se “o ovo ou a galinha veio primeiro, o problema do sono ou a patologia”, compara Dr. Erik Musiek, neurologista e codiretor do Centro de Ritmos Biológicos e Sono da Universidade de Washington, que não esteve envolvido na pesquisa.

Entenda o estudo

Com base em registros médicos e dados de um estudo chamado Whitehall II, realizado com funcionários públicos britânicos, que começou em meados de 1980, os pesquisadores rastrearam quantas horas 7.959 participantes disseram ter dormido em relatórios preenchidos seis vezes entre 1985 e 2016. No final do estudo, 521 pessoas foram diagnosticadas com demência com idade média de 77 anos.

Os pesquisadores conseguiram ajustar vários comportamentos e características que podem influenciar padrões de sono ou risco de demência, disse a autora do estudo, Dra Séverine Sabia, epidemiologista do Inserm, centro francês de pesquisa em saúde pública. Entre eles estão tabagismo, consumo de álcool, nível de atividade física, índice de massa corporal, consumo de frutas e vegetais, nível de escolaridade, estado civil e condições como hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares.

Para esclarecer ainda mais a relação sono-demência, os pesquisadores separaram as pessoas que tinham doenças mentais antes dos 65 anos. A depressão, por exemplo, é considerada fator de risco para a demência e “os distúrbios mentais estão fortemente relacionados com os distúrbios do sono”, afirma Dra. Sabia. A análise do estudo, concentrada em participantes sem doenças mentais, encontrou uma associação semelhante entre pessoas que dormem pouco e o aumento do risco de demência.

A correlação também se manteve independente se eram homens ou mulheres, se estavam tomando ou não medicação para dormir ou se tinham ou não uma mutação chamada ApoE4, que as torna mais propensas a desenvolver Alzheimer, explica a Dra. Sabia.

Como em outras pesquisas na área, o estudo teve limitações que o impedem de provar que o sono inadequado contribui para causar demência. A maior parte dos dados do sono foi auto-relatada, medida considerada subjetiva que nem sempre é precisa, disseram especialistas. Mesmo que quase 4.000 participantes tenham tido o tempo do sono medido por acelerômetros e os dados estejam consistentes com as durações de sono relatadas por eles mesmos, ainda assim, essa medida quantitativa veio de forma tardia ao estudo, quando os participantes tinham em média 69 anos, o que a torna menos útil do que se tivesse sido obtida em idades mais jovens.

Além disso, a maioria dos participantes era branca, tinha melhor educação e era mais saudável do que a população britânica em geral. Os pesquisadores também não conseguiam identificar os tipos exatos de demência.

Teorias científicas

Há teorias científicas convincentes sobre por que dormir pouco pode exacerbar o risco de demência, especialmente do Alzheimer. Estudos descobriram que níveis de amiloide no líquido cefalorraquidiano, uma proteína que se aglomera em placas no Alzheimer, aumentam se você não consegue dormir. Outros estudos de amiloide e outra proteína do Alzheimer – tau – sugerem que o sono é importante para limpar as proteínas do cérebro ou limitar a sua produção.

Uma teoria é que quanto mais as pessoas estão acordadas, mais tempo seus neurônios ficam ativos e mais amiloide é produzida. Outra teoria é que, durante o sono, o fluido que flui no cérebro ajuda a eliminar o excesso de proteínas, então um sono inadequado significa mais acúmulo de proteína. Alguns cientistas também acham que ter tempo suficiente em certas fases do sono pode ser importante para limpar as proteínas.

Especialistas concordam que pesquisar a conexão sono-demência é desafiador e que estudos anteriores algumas vezes produziram resultados confusos. Nesse novo estudo, os resultados sugerem um maior risco para pessoas que dormem muito (definido como oito horas ou mais porque não havia pessoas que dormiam nove horas, explica Dra. Sabia), mas a associação não foi estatisticamente significativa. Especialistas afirmam não conseguir pensar em explicações científicas para o motivo pelo qual o sono prolongado aumentaria o risco de demência e que poderia refletir outra condição de saúde subjacente.

O novo estudo também examinou se o sono das pessoas muda ao longo do tempo. Pareceu haver um risco ligeiramente maior de demência em pessoas que mudaram de um sono mais curto para o normal, diz Dra. Sabia, um padrão que ela acredita pode refletir o fato de que dormiram muito pouco aos 50 anos e precisaram depois dormir mais por causa do desenvolvimento de demência.

Se pouco sono é fator de risco, como as pessoas podem dormir mais?

Ter um horário regular de sono, evitar cafeína e álcool antes de dormir e se desligar de telefones e computadores estão entre as diretrizes de “higiene do sono”. Pessoas com distúrbios do sono ou apneia devem consultar especialistas.

Muitas questões sobre o sono ainda permanecem pouco claras. Mas o novo estudo fornece uma evidência bastante forte de que o sono é importante na meia-idade.

Ilustração da capa: Ok Sotnikova

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