Sabe aquele futuro feliz, imaginado no século passado, repleto de carros voadores e passarelas elevadas com pessoas flanando? Ninguém mais quer se mudar para um amanhã distante assim.

Estamos decepcionados com as promessas utópicas do passado e amedrontados com os desdobramentos das inovações, como a ameaça da inteligência artificial sobre os empregos.

Assim, “acabamos presos ao agora, ao imediato, a um presente vazio de perspectivas geracionais”, como diz Kevin Kelly. Há apenas o Agora Cego, um presente permanente e incessante, sem passado nem futuro.

Tira publicada em 20 de julho de 1958 por Arthur Radebaugh. Em “Closer Than We Think”, ele imaginava um futuro onde cada família não apenas possuiria um carro, mas também desfrutaria de um iate. “O luxo do iatismo pode estar ao alcance de quase todos amanhã.” A promessa utópica feita há 60 anos era que mesmo que você não conseguisse ter um iate, teria ao menos um iate pela metade.

Um mundo sem desconforto não passa de utopia, onde você pode morrer de tédio. É claro que nem todas as transformações e mudanças serão bem vindas. Os benefícios serão acompanhados de dor, conflitos e confusão.

O futuro muda de forma o tempo todo, num eterno “tornar-se”. Ele é protópico: o amanhã será um pouco melhor do que é hoje.

“Não deveríamos ser cegos a esse processo contínuo para não sermos surpreendidos por coisas que já vem acontecendo há 20 anos ou mais”, adverte Kelly no livro As 12 Forças Tecnológicas que Mudarão Nosso Mundo. Ele dá um exemplo contundente:

A web desencadeou uma nova forma de TORNAR-SE. Vinte anos atrás, não fomos capazes de vislumbrar o que ela se tornaria hoje. Vinte anos após o seu surgimento, é difícil compreender o seu imenso alcance.

Continuaremos incapazes de enxergar esse tornar-se?

No que o trabalho irá tornar-se?

No que a aprendizagem irá tornar-se?

No que coisas materiais e bens físicos irão tornar-se?

Para sair desse Agora Cego, precisamos estar abertos ao novo. Receber o futuro de braços abertos.

Como curadora do O Futuro das Coisas, meu papel é aproximar e traduzir o que está por vir, oferecendo não uma lente única de futuro, mas uma pluralidade de olhares, às vezes ambíguos, de profissionais e pesquisadores – que rastreiam sinais, tendências e inovações, em um esforço para tornar mais nítido o que ainda está distante ou fora da visão da maioria das pessoas.

Existimos aqui para dar às pessoas, marcas e instituições acesso às melhores evidências disponíveis sobre o futuro de todas as coisas para que se preparem e protagonizem transformações na sociedade atual. E, de todas as coisas que necessitam ser transformadas (tornarem-se), a educação no Brasil está no topo da lista. A maioria das escolas brasileiras está num Agora Cego.

O desafio de transformar é proporcional ao tamanho da mudança. Governos não estão fazendo o suficiente para preparar os jovens para as importantes mudanças que têm ocorrido na natureza do trabalho, e para os complexos cenários do século 21.

As salas de aula estão prestes a mudar de forma drástica, mas grande parte das escolas brasileiras continua adormecida há um século. Alguns educadores já estão percebendo que a aprendizagem está saindo da autoridade presumida para a credibilidade coletiva, maximizando tanto a autonomia individual quanto o coletivismo. Algumas escolas já percebem que o futuro da aprendizagem caminha para a sinergia de plataformas, para a remixagem, para as tecnologias de compartilhamento, para a descentralização e desmaterialização, para a retomada do humanismo e do afeto, dentre outros possíveis caminhos.

Mas, é preciso democratizar esse conhecimento e essas práticas para mais educadores, pais, alunos e profissionais.

Por essa razão, recebi com imenso entusiasmo da Bárbara Olivier, Andressa Vieira, Sylmara Verjulio e Djenane Rocha o desafio de mapear para a Affero Lab, as principais tendências do futuro da aprendizagem.

Foram meses de trabalho e de pesquisa com um time multi-habilidoso, coordenado pelo Gustavo Nogueira da Torus, abordando não só inovações tecnológicas, mas também resgatando ciências humanas e comportamentos emergentes, pela inteligência de pesquisa da Lídia Zuin e do Rodrigo Turra.

O resultado do trabalho chama-se Zeitgeist Aprendizagem 2018 e apresenta doze movimentos que estão transformando o presente e norteando o futuro da aprendizagem. Cada um dos 12 capítulos constitui uma tendência em curso, que tem tudo para se manter daqui pra frente.

1- Educação Perpétua (life-long education): Microaprendizagem; Nanograduações; Arquétipos de Mundo; Novos Mindsets; Força na Insegurança; Dominar para Aprender; BNCC e UNESCO 2030.

2- Mentoria por Máquinas (machine mentoring): Transição para Automação; Inteligência Artificial; Chatbots; Curva de Aprendizagem em Algoritmo; Aprendizagem Adaptativa; Mentoria Individual; Blockchain.

3- Novos Agentes (new players): Competição On-line; O Poder dos Gigantes; Coursera Crescendo; Redes Sociais e Educação; Infotainment; Mapa de Start-ups em Educação; Novas Competências.

4- Tecnologias Imersivas (immersive techs): Educação Personalizada; Sofisticação de Formatos e Linguagens; Realidade Mista; AR/VR – Ferramentas de Empatia; IRL – na Vida Real; Fluid Classroom; Formatos Emergentes.

5- Mentes Melhoradas (enhanced minds): Ciborguismo; de Vestíveis a Implantáveis; Brain-computer Interaction; Nootrópicos; Inteligência Artificial Coletiva.

6- Retomada do Humanismo (humanism is back): Robôs e Humanos; Negócios de Filosofia; Coach Holístico; Métodos Humanos.

7- Aprendizagem pelo Afeto (learning by affection): Aprendizagem Cooperativa; Prazer, Educação; Inteligências Emocional, Social e Cultural; Educação dialógica; Comunicação Não Violenta – CNV; Recursos Humanos e Saúde mental.

8- Somos Todos Crianças (we´re all just kids): Tarja Branca; Ensino Doméstico; STEAM; Gamification; Iniciativas Locais; Movimento Maker; Ludicidade.

9- Design como Norte (design-oriented): Design Circular; Design Thinking; Design é Atitude; Design Fiction.

10- Meta Educação (meta-education): Matriz de Conhecimento; Matriz de Curadoria Pessoal; Alfabetização Midiática; Time Well Spent (Tempo Bem Gasto); Bem-estar Digital.

11- Educação Ativista (activist education): Ativismo Curatorial; Intersecionalidade.

12- Tudo é Conexão (all about connections): Sabedoria é Conexão; Peer-to-peer; The Promiseland Project; Vida Remota; Inovação Transdisciplinar; Geolocalização; Na Nuvem; Unbundled Education.

Agora, nosso time e a Affero Lab querem se reunir em mundos coletivos, em vez de nos enclausurarmos com tanta informação estratégica.

Quando uma empresa, líder em aprendizagem corporativa no Brasil, como é o caso da Affero Lab, decide compartilhar com o público em geral um estudo tão profundo e que dá acesso aos conhecimentos sobre o que funciona, com base nas melhores evidências disponíveis sobre ensino e aprendizagem, presenciamos aqui, primeiro a sua visão conectada com o futuro, e em segundo, o poder do coletivismo onde todos saem ganhando.

Até que ponto esse movimento pode levar mais empresas a valorizarem e praticarem o compartilhamento de conhecimento, a produção por peers e o código aberto? Espero que mais do que imaginamos.

Na realidade, espero que esse estudo desperte o R, acrônimo de futuRo elaborado por Patrick Dixon. O “R” de radicalismo positivo para ter coragem de sonhar, desafiar o estado atual das coisas, arriscar e olhar com outros olhos e pontos de vista a realidade atual e o futuro que se aproxima.

A mudança é inevitável. A maneira de ensinar se revoluciona para TORNAR-SE, em si, a mais preciosa constante na formação cívica – seja ela alicerçada por tecnologias digitais e/ou tecnologias sociais. E, principalmente, na era do “tornar-se”, todo mundo torna-se um novato para sempre, em eterno processo de aprender, desaprender, e reaprender.

Acesse aqui o Zeitgeist Aprendizagem 2018. Boa leitura!

Crédito da imagem da capa: Randy Mora

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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