A palavra “privilégio” pode vir carregada de contraste e antagonismo, mas a definição na antropologia e sociologia é mais sutil: é um direito especial, vantagem ou imunidade concedida ou disponível somente a uma pessoa ou a um grupo específico.

Ter privilégios não significa que você é uma pessoa acima das outras, esnobe ou arrogante. Significa apenas que o jogo está a seu favor.

Considere estas duas situações:

Primeira situação: você é próximo de alguém que ocupa um cargo importante em sua empresa. Não é garantia, mas essa proximidade pode lhe dar alguma vantagem já que existe acesso a alguém que pode lhe passar dicas exclusivas ou lhe apresentar a pessoas que tomam decisões. Essa proximidade pode significar maior acesso a oportunidades de crescimento, enquanto outras pessoas nem sabem que essas oportunidades existem.

Segunda situação: você se sente confortável no seu trabalho, fala e se expressa abertamente e com confiança – as pessoas lhe escutam, lhe respeitam e você recebe crédito por suas ideias. Você não sente necessidade de desafiar estereótipos sobre sua raça, etnia, gênero, orientação sexual, deficiências, religião, idade, classe econômica, nacionalidade, aparência física, sotaque, tom de voz, proficiência no idioma, grau de introversão ou extroversão, cultura, costumes e formação educacional. Você fala e age com autenticidade, sem sentir pressão para mudar ou se “encaixar” ou para provar seu valor. Você pode usar toda sua energia mental para focar em seu trabalho, em vez de ficar pensando na impressão que você passa para seus colegas, buscando se adequar.

Se você se enquadra nestas duas situações é possível que tenha, relativamente, mais privilégios no seu trabalho do que a maioria das pessoas. Para você, o ambiente de trabalho parece inclusivo (não excludente), os eventos são divertidos (não constrangedores), e ter reconhecimento é normal (não uma luta constante).

Não há dúvida de que, habilidades, capacidades, competências, atitudes e esforços são fatores importantes que podem lhe conceder privilégios e recompensas. E também, quanto mais habilidade você tem em estabelecer contatos, construir relações, se comunicar e compreender regras “não ditas”, mais chance tem em criar aliados e ser ouvido ou ouvida.

Mas é preciso reconhecer que, certas condições que uma pessoa acumulou ao longo da vida – como ter estudado em boas escolas e ter familiares e amigos que incentivaram e apoiaram – a colocam em vantagem na largada, em contraste com outra que não teve esse ponto de partida para “jogar o jogo” hoje.

Pense: para quem é mais fácil fazer amigos “importantes”? Claro que para alguém que cresceu lado a lado com pessoas assim, seja na própria família ou na escola (de elite) ou em um grupo social (de elite).

Para quem é mais fácil agir com autenticidade no trabalho? Receber atenção e crédito por suas ideias? Evidente que para alguém que se parece, fala e/ou tem as mesmas origens, interesses e/ou identidades de seus colegas de trabalho. Alguém que “se encaixa” com a maioria.

É possível balancear o campo de jogo?

Lembrando: o privilégio é definido como “um direito especial, vantagem ou imunidade concedida ou disponível somente a uma pessoa ou a um grupo específico”. A palavra-chave aqui é “concedido”. O privilégio pode ser compartilhado. Mas só pode ser compartilhado por alguém que já o tenha.

É por isso que é tão importante para aqueles que estão em uma posição privilegiada, primeiro, reconheçam sua posição, e segundo, usem sua posição para o bem.

Se você ocupa essa posição, o que pode fazer para balancear o campo de jogo?

Gorick Ng, pesquisador do projeto Gerenciando o Futuro do Trabalho na Harvard Business School e consultor de carreira na Harvard College, propõe cinco maneiras. Gorick Ng também é autor de The Unspoken Rules: Secrets to Begin Your Career Off Right (Harvard Business Review Press, 2021)

Vou resumir estas cinco maneiras:

1. Criando pontes

Que tal criar pontes entre as pessoas? Alguém do seu círculo de amizade ou de trabalho pode ser complementar ou ser a chave para, por exemplo, uma nova colaboradora que acabou de entrar na empresa? Um simples e-mail, “Eu adoraria apresentar você à ______, visto que vocês dois estão interessados ​​em ______” muitas vezes pode ser suficiente para ajudar alguém a ampliar sua rede e acessar oportunidades.

2. Criando diálogos e diversidade

Dizer algo como, “Eu adoraria saber mais sobre o que você está fazendo/trabalhando agora”, muitas vezes transforma o silêncio em diálogo. E se você estiver em posição para influenciar a formação de times, certifique-se de que não apenas aquelas pessoas mais populares e chamativas sejam consideradas, reconhecidas e recompensadas. Alguém mais discreto, mais tímido, tão ou mais qualificado, pode não estar sendo considerado ou sendo deixado de fora (injustamente), porque ele não se parece, fala ou pensa como todos os outros no grupo – mas não é menos competente e comprometido.

3. Fazendo com que todos participem igualmente das conversas

Uma conversa agradável para você pode ser excludente para outra pessoa. Conversas animadas em grupos sobre viagens ou experiências podem ser divertidas, mas também causadoras de ansiedade para aqueles que dificilmente terão acesso à elas. Se você estiver falando mais do que os outros, considere fazer uma pausa para dar espaço para que também contribuam. Ideal também é falar de forma simples, evitando jargões que apenas alguns irão entender.

4. Ajudando outras pessoas a serem vistas e ouvidas

Se você ouvir uma boa ideia de alguém que normalmente não fala muito, ou testemunhar um bom trabalho de uma pessoa que normalmente não é percebida, amplifique-a para que outras pessoas a ouçam, a conheçam melhor e deem crédito a quem merece. E se o olhar dos outros naturalmente voltar para você, considere compartilhar os holofotes, seja permitindo que alguém menos visível responda a uma pergunta, sente-se mais próximo a um lugar estratégico ou faça aquela apresentação.

5. Revezando o trabalho não glamoroso.

É difícil ficar visível quando você está preso fazendo tarefas “braçais” como tomar notas, buscar um envelope, ou outras tarefas que não são essenciais para o seu trabalho. Embora todo mundo tenha, de vez em quando, que fazer tarefas não glamorosas para provar que pode assumir responsabilidades mais sérias, há uma diferença entre atribuí-las como um trampolim de curto prazo e atribuí-las sempre às mesmas pessoas ou mesmos grupos, de forma repetida. É aí que esse tipo de “trabalho” se transforma em uma algema de longo prazo. Infelizmente, as mulheres têm 29% mais probabilidade do que os homens de fazer tarefas “banais”. Para evitar que essas tarefas recaiam desproporcionalmente sobre determinados grupos (mulheres, negros, estagiários, por exemplo) – e penalizados quando dizem “não” – considere revezar para que a carga seja dividida.

Lembrando que a equidade e a interseccionalidade são abordagens importantes nas estruturas sociais. Devemos estar sempre cientes das multiplicidades das identidades humanas e como elas se cruzam com diferentes camadas de opressão, inclusive em nossas relações profissionais, pessoais e íntimas.

Maior equilíbrio

Desequilíbrios de poder podem ser expressos de maneiras sutis, mas insidiosas. Mesmo que não seja intencional. Somos programados para fazer certas suposições e perceber o mundo com base em nossas próprias experiências.

Compartilhar privilégios significa cultivar um campo de jogo mais equitativo e inclusivo. É difícil imaginar, por exemplo, como uma empresa pode atingir todo o seu potencial sem incluir a todos, na sua pluralidade. Balancear o jogo é usar a posição privilegiada para o bem e para o bom desempenho do time.

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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