Cada um de nós carrega em si trilhões de microrganismos. A maioria – bactérias, vírus e fungos – fica em nosso intestino.

Desvendar a alta complexidade do microbioma humano tem sido um imenso desafio, e talvez, uma das descobertas mais importantes das últimas décadas foi entender o papel que esses microrganismos desempenham em nossa saúde e bem-estar.

Pesquisadores do Blavatnik Institute da Harvard Medical School há anos buscam encontrar conexões entre a composição bacteriana no intestino e o surgimento de doenças. Em 2019, Chirag Patel e seus colegas publicaram um estudo catalogando 46 milhões de genes, registrados a partir de apenas 3.500 amostras de microbioma humano. Ainda mais surpreendente foi a descoberta de que cerca de metade de todos os genes identificados eram exclusivos de uma única amostra do microbioma humano.

A impressionante diversidade genética detectada neste estudo inicial sugere que o microbioma de cada pessoa é tão único que pode não haver uma abordagem universal ou “tamanho único” para direcionar bactérias intestinais para o tratamento de doenças.

Patel e seus colegas da Harvard Medical School e do Joslin Diabetes Center decidiram então encarar o desafio como sendo um problema de bioestatística que poderia ser resolvido encontrando o modelo computacional correto. Dando mais um passo a frente, eles analisaram a composição genética das bactérias no intestino humano, e conseguiram associar grupos de genes bacterianos, ou “assinaturas genéticas”, relacionadas a várias doenças.

Nosso estudo ressalta o valor da ciência de dados para descobrir a interação complexa entre micróbios e humanos” – Chirag Patel, professor de informática biomédica no Instituto Blavatnik do HMS.

As descobertas, publicadas ontem, 18 de maio, na Nature Communications, vinculam conjuntos de genes bacterianos à doença arterial coronariana (DAC), cirrose hepática, doenças inflamatórias no intestino, câncer de cólon e diabetes tipo 2. A análise indica que três dessas condições – DAC, doença intestinal inflamatória e cirrose hepática – possuem muitos dos mesmos genes bacterianos. Em outras palavras, uma pessoa cujo intestino abriga esses genes bacterianos parece ser mais propensa a ter uma ou mais dessas três doenças.

O trabalho representa um avanço significativo na compreensão da relação entre esses microrganismos e doenças específicas, acreditam os pesquisadores. O trabalho também aproxima os cientistas do desenvolvimento de testes que podem prever o risco de uma pessoa para uma série de doenças ou identificar a presença de doenças com base em uma amostra da composição genética do microbioma de uma pessoa.

No estudo, os pesquisadores coletaram dados do microbioma de 13 grupos de pacientes, totalizando mais de 2.500 amostras. Em seguida, analisaram os dados para identificar relações entre sete doenças e milhões de espécies microbianas, vias metabólicas microbianas e genes microbianos. Experimentando uma variedade de abordagens de modelagem – computando um total de 67 milhões de modelos estatísticos diferentes – eles conseguiram observar quais características do microbioma surgiram consistentemente como sendo as mais potenciais associadas a doenças.

De todas as várias características microbianas – espécies, vias e genes – os genes microbianos tinham o maior poder preditivo. Em outras palavras, grupos de genes bacterianos, ou assinaturas genéticas, em vez de apenas a presença de certas famílias bacterianas, estão mais intimamente ligados à presença de uma determinada condição, esclareceram os pesquisadores.

O novo estudo introduz o conceito de “arquiteturas do microbioma”. Essas são coleções de características microbianas que podem ser mais universalmente associadas a certas doenças. “Calculamos a arquitetura identificando o conjunto completo de associações entre o microbioma e uma determinada doença”, escrevem os pesquisadores no estudo.

Outras observações dos pesquisadores

Doenças cardíacas, doenças inflamatórias do intestino e cirrose hepática têm assinaturas genéticas do microbioma intestinal semelhantes. Diabetes tipo 2, por outro lado, tem uma assinatura de microbioma diferente de qualquer outro fenótipo testado.

A pesquisa não encontrou nenhuma associação consistente entre uma espécie bacteriana chamada Solobacterium moorei e o câncer de cólon. Isso contraria estudos anteriores que detectaram uma relação entre essa espécie e esse tipo de câncer. No entanto, os pesquisadores identificaram genes específicos de uma subespécie de S. moorei associada ao câncer colorretal. Esse achado indica que a análise em nível de gene pode produzir biomarcadores de doenças com maior precisão e especificidade em comparação às abordagens atuais. Patel observa que esta descoberta revela que cepas bacterianas específicas e assinaturas de genes são mais relevantes para o risco de doenças humanas do que famílias bacterianas em geral. “A capacidade de identificar interconexões com tal precisão será crítica para projetar testes que possam medir o risco de forma confiável”, acrescentou. Assim, neste exemplo específico, um teste para medir o risco de câncer de cólon apenas detectando a presença de S. moorei no intestino pode não ser tão confiável quanto um teste mais refinado que mapeia genes bacterianos para detectar a presença de cepas específicas de S. moorei que estão associados ao câncer de cólon.

Isso abre uma janela para o desenvolvimento de testes usando indicadores de saúde do paciente de doenças cruzadas e baseados em genes. Identificamos marcadores genéticos que acreditamos que poderiam levar a testes, ou apenas um teste, para identificar associações com uma série de condições médicas.” – Braden Tierney, coautor do estudo.

Duas condições – inflamação do ouvido e tumores benignos de tecidos moles chamados adenomas – mostraram poucas associações com o microbioma intestinal, sugerindo que os microorganismos que residem no intestino humano provavelmente não desempenham um papel no desenvolvimento dessas condições, e nem que sejam indicadores confiáveis ​​de que essas condições estão presentes.

Futuras pesquisas

Os pesquisadores alertam que o estudo não teve o objetivo de elucidar exatamente como e por que esses genes microbianos podem estar relacionados a diferentes doenças. O objetivo foi determinar se grupos de genes poderiam indicar, de forma confiável, a presença de diferentes doenças. O trabalho procurou encontrar padrões universais de genes bacterianos que se correlacionam com doenças, a fim de gerar conhecimento para pesquisas futuras e, possivelmente, direcionar o desenvolvimento de novas ferramentas de diagnóstico.

Essas assinaturas genéticas microbianas recém-identificadas, no entanto, serão estudadas posteriormente para determinar qual papel, se houver, os organismos desempenham no desenvolvimento de doenças.

O novo estudo foi publicado na Nature Communications.

Fonte: Harvard University

Crédito da imagem da capa: Design_Cells / Shutterstock

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