A procura por festivais e eventos de inovação e tecnologia é cada vez maior no Brasil. Existe um desejo nas pessoas em descobrir algo novo que ainda não virou mainstream.

Dentro de um festival, por exemplo, você encontra um cardápio de palestras e workshops sobre os mais variados temas que conectam inovação, tecnologia, comportamento, cultura, futuro do trabalho, inteligência artificial, realidade virtual, mista, blockchain, transformação digital, empatia, etc.

Mas, quanto desse conteúdo realmente é absorvido pelas pessoas?

Vamos falar de dados. Um estudo da Microsoft aponta que nosso tempo médio de atenção é o equivalente ao tempo de atenção de um peixe dourado, ou seja, 8 segundos. Estamos falando de quanto tempo estamos concentrados em uma tarefa sem perder o foco. Outros dados mostram que consumimos mais de 100 mil palavras, o equivalente a 34 gigas de informação, por dia.

Voltando aos festivais, o que aprendemos de fato quando assistimos a uma palestra?

Se os eventos de inovação estão entregando conteúdo dessa forma [palestras], eles são um reflexo do nosso modelo de ensino passivo que é o formato padrão há mais de 200 anos.

Será que esse formato está conectado com o real propósito de aprender, que vêm dos primórdios da nossa espécie? Relacionar-se, divertir-se e contar histórias?

O filme Divertidamente, da Pixar, tem uma história muito envolvente que revela a partir de um “plot twist”, qual seria a moral da história, no caso o que ela quis te ensinar. Saindo da tela, e indo para experiências em ambientes físicos, quem for para a cidade de Nova York pode conhecer o espetáculo imersivo, Sleep No More, que permite você entre dentro de um “filme” na vida real e percorra um prédio com várias cenas, mas ainda como telespectador.

Félix Barret, fundador da Punchdrunk, produtora de teatros imersivos que criou o Sleep no More, acredita que o futuro da imersão está na conexão da interatividade e a narrativa aplicada, como acontece em um jogo. A Oracle, uma experiência que ensina mitologia para crianças, começa no mundo digital, e depois se torna um teatro imersivo cheio de sensores no lugar.

A Oracle é como um vídeo game vivo. Você se torna o seu próprio avatar tanto no mundo real quanto no mundo digital.” – Félix Barret

Uma das propostas mais ousadas de imersão que eu vi nos últimos tempos foi da agência Giant Spoon com a HBO para construir uma “cidade imersiva”. Eles recriaram todo o cenário da série Westworld, e abriram para os participantes do SXSW embarcar nessa jornada. Era um teatro imersivo, que havia interação direta de 66 atores com os participantes, provocando-os a explorar o ambiente da cidade e encontrar pistas do que estava por vir na segunda temporada da Série.

Foi uma ativação de marketing “viva” do universo de Westworld no Festival em Austin.

Estive presente nos últimos dois grandes festivais de inovação que ocorreram em 2018, no Brasil: Festival Path, em São Paulo, e Hack Town, em Santa Rita do Sapucaí, Minas Gerais.

Junto com minha equipe da Rito, escolhemos uma forma diferente para provocar pessoas a pensarem em um futuro que ainda não chegou, mas que é muito provável que faça parte do nosso dia-a-dia nos próximos anos.

Vou compartilhar aqui a mais recente experiência que realizamos, e que tomou grandes proporções dentro do Hack Town (lembrando que no Festival Path, realizamos um teatro imersivo sobre o futuro dos relacionamentos). Nosso desafio era criar uma imersão focada em cenários futuros que alcançasse tanto o público do Hack Town quanto os habitantes de Santa Rita do Sapucaí.

Transformamos o Hack Town em uma “máquina do tempo”. O destino dessa viagem foi 30 anos no futuro. Escolhemos o futuro da genética como tema para criar a imersão em função de dois motivos:

(1) A importância e a fisicalidade que o tema provoca. Edição genética, privacidade dos dados genéticos, biohacking são assuntos cujo impacto pode transformar completamente a forma como conhecemos o ser humano.

Cito três eventos que aconteceram nos últimos anos e que podem ter grande impacto no futuro.

1- Cientistas estão implantando os genes do extinto mamute em um elefante asiático. Eles querem “ressuscitar” o mamute;

2- Cientistas chineses realizaram a primeira edição genética para tirar uma mutação de um embrião vivo;

3- Conselho britânico dá sinal verde para edição genética em bebês em prol dos seus interesses futuros.

(2) Essa discussão ainda é incipiente no Brasil. Existe um grande incentivo e desenvolvimento tecnológico em TI por exemplo, mas pouco ainda nas áreas de biotecnologia. Além disso, esse assunto é pauta nos principais comitês de éticas do mundo.

Assim, exploramos desafios e oportunidades que podemos encarar com a evolução da nossa genética.

Mas, como mostrar a importância e a urgência de dialogar e experimentar um futuro em que a edição genética será comum no nosso dia-a-dia e afetará diretamente nossa vida?

Por isso criamos essa história:

“Estamos em 2048, um coletivo de jovens ativistas reivindicam pelo direito de decidir o seu próprio destino sem a influência da sua genética, fazendo debates pela cidade sobre bioética para questionar a ideia de predestinação. Nesse mesmo mundo, uma empresa visionária busca criar a próxima geração de humanos, modificando as bactérias do nosso corpo, e influenciando o comportamento das pessoas. No entanto, foi criado o Instituto Nacional de Propriedade Genética para trazer mais segurança e privacidade para o DNA das pessoas. “

Essa história poderia ser sinopse de um episódio de Black Mirror, mas a transformamos em cinco situações imersivas espalhadas pela cidade de Santa Rita durante o Hack Town.

Nosso laboratório fictício, em Santa Rita do Sapucaí.

Fizemos debates, manifestação na cidade, simulamos um instituto que assegura a proteção do seu DNA, pesquisas de campo e até sessões de prototipagem em um laboratório que convidava os participantes a co-criarem humanos sintéticos. Ali, as pessoas poderiam sentir na pele como seria estar nesse futuro. Em outras palavras, elas pré-experienciaram alguns riscos e incertezas desse futuro, antes dele fazer parte do nosso cotidiano.

Nos debates, havia um ambiente seguro para cada participante trazer a sua visão sobre recortes de notícias de situações que ainda não aconteceram, mas que podem acontecer no futuro. Em uma das ruas de Santa Sapucaí, mais de 30 jovens marcharam em direção à praça central com roupas fluorescentes manifestando que o seu DNA não define o seu destino. No saguão das startups, havia um “Instituto Nacional de Propriedade Genética”, onde as pessoas aprendiam sobre a importância de proteger o seu DNA contra terceiros. Espalhados pelo evento, pessoas usavam um casaco laranja e andavam com um tablet fazendo perguntas aos participantes que estavam nas filas, como por exemplo: “Você editaria seu DNA para fazer fotossíntese e se alimentar de luz que nem uma planta?”.

A outra situação que projetamos foi um laboratório que simula o processo de edição genética em forma de workshop de futuros imersivos.

Criamos um paralelo entre a ficção e a realidade ao colocar o laboratório da BetaGen dentro da programação do festival. Quem participou do laboratório viu crianças e adultos aprendendo de forma imersiva sobre genética, descobrindo por exemplo que temos mais bactérias do que células em nosso corpo, ou como elas influenciam nosso comportamento e até o lado cognitivo. O objetivo da BetaGen (empresa fictícia) era co-criar com os participantes do festival uma série de produtos com bactérias geneticamente alteradas que poderiam ser usados no futuro para estimular novas características em seres humanos. Um dos participantes teve a ideia de criar um colírio para poder enxergar no escuro e salvar pessoas perdidas na floresta ou em um desastre.

Danilo Zampronio, cientista físico bio-molecular que interpretou o papel de cientista do futuro no laboratório da BetaGen.

…a experiência da BetaGen é crítica, é muito bonita nesse sentido: Porque ela traz para o agora essa preocupação, que pra muitas pessoas está distante. Com muita seriedade e colocando isso como uma realidade muito tangível. Tanto no ponto de vista ético quanto técnico-científico a experiência faz a pessoa pensar com muita responsabilidade o negócio, e essa carga que a ficção traz é o que faz o negócio ficar sério.”  – Danilo Zampronio.

Todas as situações foram criadas envolvendo atores, futuristas, cenógrafo, figurinista, produtor e especialistas na área de biotecnologia (uma equipe de mais de 50 pessoas). Essa diversidade foi um fator importante que permitiu um olhar imersivo e, ao mesmo tempo, crítico e verossímil sobre a edição genética e seus desdobramentos no futuro. Pessoas que nunca haviam pensado sobre esse assunto, ou até entrado em um laboratório antes, experimentaram como seria fazer um processo de edição genética.

Toda essa experiência validou aquilo que já tínhamos pensado: transformar festivais ou eventos de inovação em um palco de experiências imersivas pode ser um caminho que une o entretenimento e a aprendizagem.

Deixo duas reflexões finais sobre por que acredito que no futuro dos eventos de inovação encontraremos mais experiências do que palestras.

– Pessoas no mundo inteiro investem todos os anos bilhões de dólares no prazer da experiência. Festivais e outros eventos de inovação que se limitarem a uma única forma de levar aprendizado, passiva e expositiva, estão contrários ao movimento do mercado de experiências.

– Se a dispersão da nossa atenção está cada vez maior, imagina sentar e ouvir, por uma uma hora ou mais, uma pessoa falar sobre temas complexos como transformação digital ou ouvir sobre cases e dados que “demonstram” que o futuro das organizações será blockchain e inteligência artificial. Essa abordagem é monótona e paralisa. A pessoa não tem muito o que fazer a não ser reagir e tentar se adaptar. Dificilmente pode-se dizer que ocorreu real mudança de comportamento na mentalidade das pessoas ali sentadas como ouvintes passivos. A informação que não é compartilhada com emoção corre grandes riscos de ser encarada de forma apática ou até ignorada pela pessoas.

A construção de conhecimento da humanidade é baseada em formas de representação da realidade, desde as artes clássicas até a geografia ou a álgebra. Textos, gráficos, figuras, esculturas e por fim peças de teatro são formas de representar a realidade, transferir informação e gerar aprendizagem.

Acredito que em um mundo cada vez mais complexo, a dramaturgia, o cinema e os jogos nunca foram tão importantes, pois são linguagens que suportam o mergulho de corpo inteiro, que ativam o lado esquerdo e o direito do cérebro (emocional e racional). Precisamos de experiências que simulem a vida.

Ouço de muitas pessoas que participaram dessa experiência em Santa Rita a frase:

Depois que eu vivi, entendi tudo. Ninguém precisou me contar nada

Elas vivenciaram, emocionaram-se, memorizaram e aprenderam Ninguém precisou explicar o valor do conteúdo. Elas experimentaram isso na prática. Anteciparam um futuro que pode chegar daqui 5 ou 30 anos, mas quando ele chegar – se chegar – talvez lembrem que já viveram essa situação.

E se os eventos/festivais de inovação se tornassem um parque de diversões do futuro?

“Ir ao teatro é como ir à vida sem nos comprometer” – Carlos Drummond de Andrade.

Acompanhe as histórias dessa experiência no Instagram da Rito.

Bruno Macedo

Bruno é futurista e designer de Experiências de Futuro na Rito, empresa em que é co-fundador. Também é game-designer e principalmente um curioso nato que estuda desde neurociência à gamificação. Tudo o que faz procura alinhar 3 coisas: Empatia, Subversão e Diversão.

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