Nos últimos tempos vimos proliferar nas mídias sociais uma série de ideias que acreditávamos terem sido superadas há muito. Da Terra Plana à negação da crise climática; de campanhas anti-vacinas a um nacionalismo xenofóbico. As dúvidas sobre os benefícios da Ciência ou de políticas sociais emergem cotidianamente, pondo em risco um legado milenar filosófico, científico e democrático duramente construído por nossa espécie. Quais seriam os motivos dessa crise?

A Modernidade colocou os seres humanos como centro do mundo, organizando-os em grandes cidades, produzindo conhecimento e tecnologias, que transformaram decisivamente nossa relação com a natureza e com a sociedade.

Os avanços obtidos desde as primeiras palavras codificadas ao desenvolvimento da Inteligência Artificial mudaram completamente as feições planetárias e nossas conexões sociais. Apesar desse maravilhoso avanço e dos muitos benefícios obtidos para o Homo sapiens, a distribuição dos mesmos não se mostrou igualitária. Apenas citando o campo da medicina é possível apontar enormes desigualdades no acesso aos cuidados com a saúde. Pessoas que possuem planos de saúde caros obtêm o que de melhor a humanidade produziu em termos de tecnologia médica. Os que não têm recursos, acessam os sistemas públicos de saúde, que no Brasil são notáveis, mais insuficientes para atender uma demanda de mais de 100 milhões de pessoas. Não é difícil entender que os que não usufruem desses serviços duvidem da Ciência, que salvam as vidas dos mais favorecidos, mas não chega a seus entes queridos.

Em outros campos sociais ocorrem os mesmos problemas: classes abastadas consomem os melhores serviços, produtos tecnológicos oriundos da Ciência, e os menos favorecidos sofrem o ônus de não poder pagar pelos mesmos. A crise da razão não é uma crise da qualidade do conhecimento produzido, mas uma crise de distribuição de Ciência, de tecnologia, de renda, de serviços de qualidade. Em busca de alternativas, as pessoas acessam simpatias populares, curandeiros, fundamentalismos religiosos ou políticos populistas.

Os sistemas educativos não conseguem oferecer alternativas pois não se prepararam para esse mundo complexo, permanecendo em sua estrutura disciplinar e de especializações que não se conectam aos contextos sociais contemporâneos. Há pouco da aventura humana nos currículos. De muitas formas fomos eliminando os dilemas humanos, as narrativas de investigação dos pesquisadores do passado, os contextos históricos que impulsionaram e influenciaram as grandes descobertas. Resumimos os programas escolares à lista de fatos, conceitos e definições apresentadas de maneira descontextualizada e sem conectar à potente curiosidade e criatividade dos investigadores do passado e do presente. As aulas se transformaram em um desfile de respostas sem perguntas. O sentido de busca pelo conhecimento, presente em nossos antepassados, desapareceu na escola contemporânea, criando gerações que não veem significado na educação e na Ciência.

Para que restituamos o valor que a sociedade deve dar a essas práticas será necessário retomar o humano no processo educativo, ampliar o acesso a todos a uma educação de qualidade e criarmos condições efetivas para que todos possam usufruir dos benefícios do conhecimento.

Por outro lado, apesar de um certo pessimismo sobre o conservadorismo da escola e seu modelo disciplinar, muitas reformas educacionais pelo mundo vêm alertando para a necessidade de formarmos alunos ativos, investigadores e críticos, mudando gradativamente o paradigma da exposição de informações para a construção do saber. Não há dúvidas que quanto mais os estudantes se engajarem na busca seu próprio aprendizado, na elaboração de conhecimentos originais e na cultura da investigação, mais estarão inseridos em um processo de valorização da compreensão dos fenômenos naturais e sociais e menos estarão expostos ao obscurantismo e à negação da Ciência, retomando o curso de desenvolvimento de nossa sociedade, em busca de um ser humano integral, justo, afeito aos conhecimentos formais e respeitoso dos conhecimentos populares.

Miguel Thompson

Miguel foi Professor do Ensino Básico durante 25 anos, é autor de livros didáticos e foi Diretor executivo do Instituto Singularidades e Consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento das nações (PNUD). Atualmente, é Diretor Acadêmico na Fundação Santillana, que promove e apoia iniciativas educacionais e culturais inovadoras. Também é um dos idealizadores da Bancada da Educação em São Paulo.

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