“Futuros também são ancestrais”, costumamos dizer aqui, n´O Futuro das Coisas. Muitos dos saberes ancestrais irão nos conectar novamente com as pessoas, com o coletivo e com nós mesmos.

Mas pensando no agora, no presente, há uma profunda desconexão dessa sabedoria ancestral na nossa sociedade que vive às pressas e nesse mundo tecnológico e, muitas vezes, artificial em que vivemos.

Muito da desconexão vem da nossa própria desconexão com a natureza. A diferença entre nossa sociedade atual e os povos originários das Américas ou da Oceania ou de outro continente, é que eles sabem como lidar com o timing das coisas, sabem quando semear e quando colher. Nós não sabemos mais. Não honramos mais os ciclos, o tempo, nossos rituais e nossas relações.

Hoje, nas empresas, o maior desafio para a liderança não é implementar uma estratégia de transformação digital ou proteger seu modelo de negócio de futuras disrupções, ou mesmo criar a sua própria disrupção. O maior desafio é criar uma cultura e um ambiente de trabalho mais humanizado, mais pertencente e mais conectado.

Não há dúvida de que as máquinas vão continuar a ficar cada vez mais inteligentes, reduzindo tarefas humanas e solucionando problemas altamente complexos. Mas também haverá uma demanda crescente pelas qualidades que nos diferenciam das máquinas, especialmente a comunicação autêntica, a gentileza, a empatia e a capacidade de nos conectarmos.

O que vai impulsionar o sucesso organizacional não será somente a adoção da inteligência artificial, que se tornará uma commodity, mas a capacidade de criar ambientes de trabalho mais humanizados onde as pessoas se sintam valorizadas por quem são e não pelo seu alto desempenho.

É possível tornar nosso ambiente de trabalho – seja presencial ou remoto – mais humanizado, mais pertencente e mais conectado! E penso que os rituais podem ajudar muito.

Rituais foram cruciais para os humanos ao longo da história e ainda desempenham um papel muito importante nas comunidades humanas.

Eles ajudam a reduzir ansiedades individuais e coletivas, especialmente quando nós mesmos, nossa família ou toda a comunidade enfrenta momentos de incerteza ou crise.

Uma pesquisa mostrou que, quando oramos ou cantamos juntos, nos sentimos conectados e apoiados e nossa ansiedade é reduzida. Isso explica por que os parisienses cantaram unidos enquanto assistiam à sua amada Notre-Dame sucumbia ao fogo em 2019.

Multidão cantava ´Ave Maria´ nas ruas de Paris e pessoas se ajoelhavam na calçada enquanto rezavam do lado de fora da Catedral de Notre-Dame incendiar-se. (Crédito: ERIC FEFERBERG/AFP/Getty Images)

Rituais nos aproximam uns dos outros, de nossa equipe e de nós mesmos, concorda Erica Keswin, autora de Rituals Roadmap: The Human Way to Transform Everyday Routines into Workplace Magic (Roteiro de Rituais: maneira humana de transformar rotinas em magia no ambiente de trabalho, em tradução livre). Na sua visão, eles podem fazer maravilhas:

Rituais nos dão segurança psicológica, o que traz um sentimento de pertencimento e união.

Rituais criam um propósito e a oportunidade de nos conectarmos com nossos valores.

E quando você tem segurança psicológica e entende o propósito, naturalmente seu desempenho aumenta.

A partir de sua extensa pesquisa, Erica nos dá algumas dicas de como criar rituais no trabalho. Selecionei quatro:

1. Significado, Intenção e Consistência

“Com o trabalho remoto, onde há mistura de trabalho e casa, os rituais se tornaram ainda mais importantes.” — Erica Keswin

Erica define um ritual em três partes. Em primeiro lugar, precisa de um significado e intenção por trás dele. Em segundo, ter uma cadência regular, por exemplo, feito todas as manhãs ou uma vez por semana ou uma vez por mês. Em terceiro, vai além de seu propósito prático. Por exemplo, se você acender uma vela todos os dias às 18h para marcar a transição do horário de trabalho para o seu tempo em casa, a vela será usada para uma finalidade diferente de seu uso como fonte de luz.

2. Começos e finais

Há muitos momentos em rituais podem acontecer: durante um processo seletivo, em reuniões, nas refeições, nas capacitações dos times (team building), em tempos turbulentos e em marcos comemorativos.

Inícios e fins, no entanto, são momentos especialmente mágicos para os rituais. São momentos em que as pessoas tendem a estar em um nível de transição, de mudança de estado e às vezes mais ambíguo. Os rituais podem ser uma força fundamental.

O primeiro dia que uma pessoa começa seu trabalho em uma empresa é um início e um ótimo momento para conectar todo o time com os valores e a essência da organização. Um exemplo é reunir todos aqueles que entrevistaram a pessoa candidata – que foi contratada – e pedir para que compartilhem por que acham que ela foi uma ótima escolha para a organização, com base nas entrevistas que fizeram com ela. Rituais como esse podem criar um sentimento de pertencimento desde o primeiro dia.

3. Identificando rituais existentes e não percebidos

Às vezes é difícil descobrir o que as pessoas consideram como ritual. Erica sugere fazer a seguinte pergunta: “Em que momento específico você se sente pertencente e alinhado à empresa?”

Ela relata que quando faz essa pergunta, observa as pessoas refletirem sobre suas experiências e identificar as que mais que se destacam para elas. Observar os momentos mais alinhados à cultura da empresa ajuda a identificar rituais já existentes, bem como oportunidades para novos.

4. Feedbacks e adaptações

Para criar ou propor um ritual, é preciso começar fazendo a pergunta acima [“em que momento me sinto mais pertencente e alinhado à minha empresa?”]

Você e seu time podem refletir sobre o propósito de criar um novo ritual, definindo valores que desejam realçar. Pensem na experiência completa desse ritual, do início ao fim.

Experimentar é a chave. Se vocês iniciarem um ritual e não tiver muita adesão, peçam feedbacks, vejam o que está funcionando e continuem iterando. Não dá pra forçar um ritual – ele deve ser autêntico e orgânico.

Trabalho Remoto & Rituais

Rituais são extremamente importantes na construção de relacionamentos e conexões, principalmente para equipes remotas, distribuídas e digitais.

O trabalho remoto não é razão ou desculpa para que rituais não possam acontecer e evoluir em ambiente online. Ferramentas como o Donut, por exemplo, possibilitam rituais de quebra-gelo e conversas aleatórias mesmo com pessoas que você não conhece muito bem.

O que começa como um ritual assíncrono pode se transformar em síncrono e vice-versa. Mas estabelecer que um ritual online seja exclusivamente síncrono pode fazer com que as pessoas o abandonem, por exemplo, pela “fadiga do zoom”.

O que é melhor para seu time?

Muitos rituais começam como comportamentos emergentes e depois ganham vida própria com a aprovação tácita e apoio da organização.

Mas o que acontece quando uma empresa tenta implementar um novo ritual de cima pra baixo? A resposta é que pode não funcionar, mas vale a pena experimentar para descobrir.

É preferível tentar coisas novas até que você e seu time encontrem o ponto ideal. Nem todo ritual criará raízes, e tudo bem. Alguns irão decolar e alguns se transformarão em um ritual totalmente novo. Tentar é a única maneira de saber o que é melhor para você e sua equipe.

Crédito foto da capa: Valiant Made

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Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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