O mundo do trabalho, já há algum tempo, bate na tecla sobre a necessidade do aprendizado contínuo – o tal do lifelong learning – como resposta às rápidas mudanças tecnológicas. Mas a principal questão que emerge é: o que poderia impulsionar as pessoas a buscar – de forma espontânea – novos conhecimentos e não apenas o conhecimento incremental ou aquele que já existe? O que poderia levar ao real aprendizado?

John Hagel, fundador do Center for the Edge na Deloitte, e seus colegas, descobriram em um estudo que a maioria dos gestores responsáveis por desenvolver pessoas ainda não entendeu o que de fato pode impulsionar o aprendizado. Consequentemente, elas não se motivam o suficiente e perdem oportunidades de inovar e de solucionar novos problemas no seu trabalho.

Garantir treinamentos e programas de qualificação e requalificação já não é mais suficiente. Em um mundo em rápida mudança, o conhecimento atual rapidamente se torna obsoleto. Para Hagel, é preciso ampliar a definição de aprendizado: “Precisamos que o profissional de marketing experimente novas ferramentas analíticas. Precisamos que o operário encontre novos usos para um robô que poderia eliminar empregos.”

Desenvolver novos conhecimentos requer uma motivação contínua e disposição (e espaço) para assumir riscos. Hagel diz que raramente ouviu gestores questionando por que seus colaboradores se motivariam a aprender. Há um consenso entre eles que seus times deveriam buscar aprender porque, do contrário, podem perder seus empregos a partir do momento que suas habilidades se tornam ultrapassadas. Portanto, a motivação que os executivos apostam é o medo – o medo de perder o emprego.

Hegel e seus colegas suspeitavam que o medo não seria o principal motivador para aprender sempre coisas novas. Foram então atrás de entender o que realmente levaria aquele profissional de marketing a testar novas ferramentas, o operário de chão de fábrica a brincar com o robô, ou, o técnico de TI a mexer com inteligência artificial.

Com base em anos de pesquisa sobre as motivações das pessoas no trabalho, conduziram um estudo com 1.300 profissionais em vários níveis e postos de trabalho, em empresas de 15 setores diferentes nos EUA, para entender o mecanismo por trás quando há uma perceptível melhora no desempenho.

Descobriram que, em vez do medo, as pessoas que aprendem e evoluem em seu trabalho tendem ao que chamam de “paixão por explorar”, um motivador muito mais poderoso para o aprendizado, e que Hagel explora com mais detalhes em seu livro The Journey Beyond Fear. Ele e seus colegas observaram que essa paixão tem três elementos principais:

1- Os exploradores estão firmemente comprometidos a impactar alguma área que os entusiasmam – pode ser qualquer uma, desde finanças, design, jardinagem ou surf.

2- Desafios ou obstáculos inesperados empolgam os exploradores, que os veem como oportunidade para uma curva de aprendizado e para gerar um impacto ainda maior. Na verdade, se eles não forem confrontados com desafios, podem ficar entediados e buscar outros lugares onde os encontrem.

3- Quando confrontados com novos desafios, eles têm um desejo imediato de se conectar com outras pessoas que possam ajudá-los com melhores respostas.

O estudo mostrou que pessoas que são apaixonadas por explorar aprendem mais rápido. Mas há um desafio para os líderes que procuram incutir essa paixão em seus times. A mesma pesquisa revelou que menos de 14% dos trabalhadores norte-americanos expressam essa paixão em seu trabalho.

Fonte: Passion of the explorer, Deloitte.

Por que um percentual tão baixo? É possível mudar – incutir essa paixão nas pessoas?

Hagel acredita que todos nós temos potencial para essa paixão, “basta ir a um parquinho e observar crianças pequenas. Todas compartilham elementos como curiosidade, imaginação, criatividade, vontade de correr riscos e de se conectar com outras pessoas”, exemplifica.

“A razão de ser uma minoria”, constata Hagel, “é que a maioria de nós foi desencorajada a continuar desenvolvendo aspectos intrinsecamente humanos para que pudéssemos nos encaixar em empresas que querem que nos tornemos engrenagens, seguindo processos ao pé da letra. Empregadores normalmente suspeitam dessa paixão. Exploradores apaixonados fazem muitas perguntas, extrapolam suas funções e atribuições e assumem mais riscos. Testam coisas novas”. Eles precisam ter confiança que a empresa não os demitirá quando fogem do padrão.

Aprendizagem escalável

Empresas, principalmente as grandes, são movidas pela eficiência escalável, buscando fazer as coisas de forma mais rápida e barata. O problema é que processos rígidos só são eficientes em um ambiente estável em que situações são conhecidas com antecedência. “Em um mundo que muda rapidamente e com incertezas crescentes, a eficiência escalável se torna cada vez mais ineficiente”, explica Hagel.

Ele explica que, uma vez que reconhecemos a importância da “paixão do explorador”, precisamos fazer a transição da eficiência escalável para aprendizagem escalável, em que todos aprendem mais rápido juntos. “Para isso, precisamos redesenhar nossas práticas de negócios e nossos ambientes de trabalho para cultivar a paixão em todas as pessoas (e não apenas em quem trabalha nos laboratórios de pesquisa ou centros de inovação)”, ressalta.

Para que isso seja possível, Hagel recomenda começar identificando áreas que estejam com fraco desempenho para então encontrar formas de ajudar as pessoas a começar a resolver problemas de novas formas. Ele cita o exemplo da Quest Diagnostics que estava tendo alta insatisfação de clientes em sua central de atendimento. O pessoal do call center foi encorajado a interagir com o pessoal de TI para encontrar maneiras de automatizar tarefas rotineiras que consumiam muito tempo e atenção. À medida que tiveram mais tempo livre, puderam se concentrar em questões mais desafiadoras levadas pelos clientes. Não só a satisfação dos clientes melhorou significativamente, como também os colaboradores ficaram muito mais entusiasmados pela possibilidade de criar valor – a paixão do explorador começou a vir à tona.

Pensamento inovador

Cultivar a paixão do explorador leva ao pensamento inovador em outro nível, segundo o estudo. Líderes e gestores que conseguem restaurar nossa humanidade – curiosidade, imaginação, criatividade, vontade de correr riscos e de se conectar com outras pessoas – conseguem desencadear o desejo de aprender, o que leva a novas oportunidades de crescimento dos negócios e do potencial humano.

No futuro, empresas e ambientes de aprendizagem (escolas e universidades) serão locais de descobertas. Para isso precisam deixar florescer esse espírito de exploração. Vamos tentar?

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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