Frederic Laloux publicou em 2014 um livro que iria mudar para sempre a forma como enxergamos o trabalho. Reinventing Organizations: A Guide to Creating Organizations Inspired by the Next Stage of Human Consciousness trouxe uma reflexão profunda sobre o passado, presente e futuro das organizações, além de diversos casos reais, concretos e inspiradores sobre como essa reinvenção está acontecendo.

No livro, Laloux usa como base a Teoria Integral do psicólogo Ken Wilber para traçar diversos paradigmas (os estágios de desenvolvimento) em que as organizações se encontram em algum momento de sua história. O Fel Mendes descreveu aqui no Futuro das Coisas esses diversos estágios em detalhes.

Assumo que boa parte dos leitores concordam: o mundo corporativo, com suas hierarquias, cadeias de comando, burocracias e falta de propósito está completamente ameaçado. Felizmente, o paradigma Evolutivo Teal descrito por Laloux traz um alívio para essa tensão.

Já as organizações evolutivas se fundamentam em 3 pilares: um propósito vivo e claro, estruturas autogeridas (sem “chefes” ou cadeias de comando) e um ambiente integral, ou seja, um lugar onde você pode ser você mesmo e deixar as máscaras de lado. Por exemplo, a Morning Star, empresa reconhecida em pesquisas de investimento, usa uma estrutura de rede de acordos individuais, onde cada colaborador estabelece acordos com as pessoas com quem trabalha diretamente. Já a Buurtzorg opera com diversos times autônomos em paralelo, responsáveis por entregar os serviços de ponta a ponta.

Apesar do movimento das Organizações Evolutivas estar só no começo, ele apresenta grande força, inclusive no Brasil.

O movimento é poderoso

Em 2017, foi articulada a publicação do Reinventing Organizations em português, intitulado Reinventando as Organizações. Em um esforço de crowdfunding foi arrecadado R$ 70.000,00, possibilitando a impressão de 3000 cópias. Um grupo totalmente autogerido de cerca de 80 interessados traduziu o livro de forma distribuída e colaborativa. A tiragem inicial esgotou-se em apenas 3 meses, sem a distribuição em livrarias.

Esse sucesso impulsionou a segunda parte da campanha, onde novos R$ 50.000,00 foram captados para realizar a segunda tiragem. Dessa vez serão 5.000 cópias, e com distribuição em grandes livrarias.

A transição não é simples

Apesar das inúmeras práticas e exemplos trazidos no livro Reinventando as Organizações, a mudança não é simples. Quanto maior a organização, mais dolorosa é a transição. E mesmo as que estão nascendo agora, enfrentam muitas dificuldades, por um simples motivo: não sabemos ainda muito bem como nos auto-organizarmos.

Na escola, em casa, na política e no trabalho: tudo funciona em torno de cadeias de comando. Com pouca vivência do que seria uma vida autogerida, obviamente temos dificuldade em colocar o Evolutivo Teal na prática em nossas organizações.

Alguns métodos, sistemas e abordagens têm surgido para apoiar as empresas que desejam fazer a transição. Entre elas temos a Holacracia, a Sociocracia 3.0, Aequacy e um método brasileiro, chamada Organização Orgânica (O2).

Organização Orgânica

O O2 é uma forma estruturada de introduzir os pilares do Evolutivo Teal em uma organização. Composto por um Livro de Regras, prescrevendo diretivas básicas para colaboração e distribuição de autoridade usando 3 conceitos: papéis, círculos e reuniões.

Os papéis (que são criados por cada time) definem conjuntos de atividades e expectativas sobre o trabalho das pessoas. Ao contrário dos tradicionais cargos, os papéis são menores e mais flexíveis, se adaptando conforme a necessidade da organização.

Diferentes papéis com propósito em comum são agrupados em círculos, que permitem escalar a auto-organização e manter as reuniões em um número gerenciável de participantes. Círculos podem conter círculos internos, o que cria uma hierarquia (ou “holarquia”). A diferença é que os círculos mais amplos não “comandam” os seus círculos internos, como acontece nas empresas convencionais. Círculos menores apenas cuidam de questões mais específicas com profundidade, enquanto que os maiores olham para o todo, mas com mais superficialidade.

O O2 também propõe reuniões regulares que são usadas para tratar diferentes oportunidades e problemas percebidos pelas pessoas em cada círculo. O facilitador (um papel eleito e presente em todos os círculos) escolhe um dos diferentes modos de conduzir a reunião, de acordo com as necessidades do grupo.

Decisões individuais e por consentimento

No O2, a agilidade é imperativa. Por isso que a maior parte das decisões são tomadas de forma individual. O que buscamos com o método é dar autonomia aos indivíduos e velocidade para a organização. Já as decisões relacionadas à estrutura do círculo (seus papéis e restrições) são tomadas em conjunto na forma de consentimento. Esse processo determina que as propostas de mudança serão adotadas se não houver algum mal que elas causem. É diferente do consenso, praticando em muitas empresas, onde todos devem “concordar” com a decisão proposta.

O Futuro é Teal

A jornada é longa e estamos apenas no início. existem empresas brasileiras praticando autogestão, e outras que estão “flertando” ou experimentando em alguns departamentos. Sim, é preciso ter muita coragem para romper com as práticas tradicionais de gestão e ser pioneiro nessa história.

Os resultados são expressivos. Logo aplicando o O2, já vemos como as pessoas se apropriam dos conceitos, papéis e círculos e experimentam novas formas de se organizar. O nível de clareza e adaptabilidade que o método proporciona é notável. Vemos ganhos de agilidade, engajamento das pessoas e até produtividade.

Há também o lado menos “organizacional” e mais “pessoal”. O nível de reflexão que o O2 provoca leva alguns a refletirem sobre o seu propósito de vida ou a forma como se relacionam com o mundo. Mudanças de carreira e demissões voluntárias acontecem nesse cenário.

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Caso você deseje viver essa experiência para entender melhor sobre os conceitos em simulações práticas, a Núcleo T, nossa parceira, está trazendo o nosso Workshop Intensivo de O2 para Fortaleza, onde depois continuamos para outros Estados.

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Cortesia da imagem da capa: Archdaily. Foto da Nova Orla de Thessaloniki / Nikiforidis – Cuomo Architects

Davi Gabriel da Silva

Davi é um inquieto com o status quo, por isso seu trabalho é transformar organizações. Não satisfeito com as mudanças realizadas em times de desenvolvimento de software como Agile Coach, aborda um problema organizacional mais profundo: a forma com que nos organizamos e distribuímos poder dentro de uma empresa. Focado também em processos de desenvolvimento humano, Davi é fundador da comunidade brasileira de Holacracia e pioneiro na implantação do modelo no Brasil. É sócio da Target Teal

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