A história nos mostra que pequenas ondas, que pareciam passageiras, tornaram-se mainstream. Foi exatamente assim com os computadores pessoais e com o comércio eletrônico. Agora, com o movimento maker.

Do ponto de vista de mudança cultural o movimento maker é algo arrebatador, gerando transformações profundas em um curto período de tempo;

Tornou-se um movimento social que atingiu uma massa crítica que passa a ser sentida pelas indústrias, empresas, escolas e universidades;

Esse movimento transformou-se em um fenômeno com grandes implicações para todas as áreas: medicina, biotecnologia, engenharia, robótica, culinária, moda, marcenaria e até cervejaria.

Mas, quem são os makers do século 21?

O perfil é múltiplo: são os artesãos, artistas, tecnólogos, hobistas, cientistas amadores, empresários, engenheiros, marceneiros, roboticistas e donas de casa…

São os jovens envolvidos em projetos inovadores, utilizando tecnologias e a ciência de maneira criativa…

São os adultos (até 80 anos ou mais) que se veem mais como inventores ou experimentalistas. Alguns têm doutorado e outros são autodidatas. Muitos deles estão querendo aprender um novo hobby…

Todos eles são solucionadores criativos de problemas, e que, ao ganharem confiança, estão dispostos a enfrentar problemas cada vez mais complexos.

Estes são os makers de hoje. Mas, alguns dos gigantes industriais também tinham ou têm esse espírito de curiosidade e de querer “colocar a mão na massa”; eles começaram trabalhando em garagens ou em pequenos laboratórios:

Henry Ford construiu o seu primeiro veículo em uma garagem; Thomas Edison e Nikola Tesla, ambos tinham alguns laboratórios onde criavam suas invenções; Bill Hewlett e David Packard, da HP, começaram uma linha de equipamentos de testes eletrônicos em sua garagem em Palo Alto; Steve Wozniak projetou e construiu manualmente os primeiros computadores da Apple.

O movimento maker começou no século 20, mas o que o torna diferente agora?

A resposta é que as barreiras à entrada para uma pessoa que deseje desenvolver e fabricar produtos inovadores são bem menores. Os protótipos de produtos que custavam milhares de reais (se não milhões) agora podem ser criados em fab labs e makerspaces a um custo muito mais baixo.

Os custos de desenvolvimento de um produto, incluindo design, prototipagem e testes hoje são significativamente menores do que há quarenta anos – sem mencionar inovações que facilitam a vida dos makers como as vendas online e o financiamento coletivo (que não existiam em 1977).

Graças a essas mudanças, makers, artesãos, estudantes podem se tornar fabricantes; Os consumidores podem fabricar seus próprios produtos. Cada vez mais, o maker pode criar valor comercial, à medida que leva seus produtos ao mercado.

Um lugar para chamar de seu

Os makers se organizam em torno de um conjunto de valores comuns que levam à construção da comunidade e ao envolvimento cívico. Mas, são espaços como os Fab labs e os Makerspaces que possuem mecanismos para disseminar essa cultura participativa e de resolução de problemas.

Ambiente de fab lab (cortesia da imagem: Forma Space)

Esses lugares não possuem apenas equipamentos como impressoras 3D e CNC, mas, sobretudo, devem funcionar como um agregador, reunindo pessoas com propósitos e valores compartilhados. Lá os makers compartilham generosamente suas habilidades com outras pessoas. Lá eles podem participar de oficinas e cursos e ajudar outros a se desenvolverem como makers. Lá, eles têm acesso aos meios de produção a um custo muito baixo.

As avançadas ferramentas digitais dos fab labs reduzem radicalmente o ciclo de tempo entre design e prototipagem. A chamada “prototipagem rápida” significa que o design do produto pode ser feito mais rápido e com maior flexibilidade, tornando-o mais receptivo aos ajustes e novas versões. Outra coisa é que a capacidade de projetar e construir protótipos não fica limitada aos designers industriais ou aos engenheiros. Qualquer um pode aprender a usar os recursos e as ferramentas com o suporte técnico das fab labs.

Não só as ferramentas para a fabricação tornaram-se amplamente disponíveis para pessoas comuns, mas, em muitos casos o nível de inovação e de personalização do produto criado em fab labs tem tido o mesmo desempenho ou até ultrapassa o dos projetos desenvolvidos em grandes empresas.

É importante que esses lugares existam, e que se conectem entre si e promovam a colaboração e os recursos compartilhados. O movimento maker é mais do que apenas “faça você mesmo”: trata-se da associação voluntária, da cooperação e do propósito compartilhado.

Makers trabalhando de forma colaborativa (Crédito GE Appliances)

Qual o resultado do empoderamento dos makers?

As empresas estão começando a se interessar pelos fab labs como fonte de ideias para produtos inovadores, bem como uma fonte de pessoas com talento técnico.

Ao mesmo tempo, espera-se que a conexão de espaços makers ao sistema educacional gere benefícios tangíveis para os programas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática).

Na realidade, instituições educacionais em países desenvolvidos têm aumentado a conexão com os fab labs. O MIT, por exemplo, leva em consideração o portfolio maker de estudantes durante o processo de seleção.

Isso porque as fab labs podem proporcionar aos jovens a oportunidade de tirar lições aprendidas em sala de aula para aplicá-las aos desafios do mundo real.

A questão agora é o que irá acontecer daqui pra frente?

Qual será o efeito sobre as indústrias e empresas nos países, tanto em nível nacional quanto nas economias regionais e locais?

5 aspectos do movimento maker que terão um grande impacto no futuro da fabricação de um país.

1- Massa Crítica

James Fallows teoriza que grande parte do sucesso da China na fabricação de produtos de alta tecnologia se deve à alta concentração de produtores em pequenas áreas, como o Shenzhen Special Economic Zone fora de Hong Kong.

Fallows argumenta que é preciso desenvolver comunidades locais formadas por pessoas, empresas de engenharia, fábricas e fornecedores que trabalhem juntos no desenvolvimento e na fabricação de produtos. Nos Estados Unidos, o Vale do Silício é um bom exemplo de como esse tipo de comunidade pode trabalhar de forma colaborativa (mesmo entre concorrentes) para criar novos produtos – Fallows argumenta que essa abordagem precisa ser replicada em outros países.

De fato, o movimento maker pode servir de catalisador para impulsionar o desenvolvimento de produtos, particularmente em regiões com uma longa tradição manufatureira.

Kate Sofis fundadora da SFMade, acredita que uma das tendências mais importantes que irão afetar as cidades é a fabricação local. Isso irá criar um novo caminho que amplia oportunidades para a população. É a resposta do século XXI às cidades industriais do século XIX e XX, onde a competitividade agora é definida pela capacidade da força de trabalho para resolver problemas, aprender as novas tecnologias e colaborar.

A força na fabricação local ajuda as cadeias de abastecimento locais e regionais, que são elas mesmas fontes de bons empregos.

Aqui estão três exemplos, infelizmente todos nos Estados Unidos:

New Lab, uma instalação industrial no Brooklyn de 84 mil metros quadrados, fruto de uma parceria público-privada, e que abriga 80 startups.

Em Louisville, numa antiga divisão de eletrodomésticos GE, foi criado o First Build, um espaço para estimular novas ideias de design e acelerar o processo de criação de eletrodomésticos.  Estudantes, hackers e donas de casa são convidados a criarem novos aparelhos usando uma ampla variedade de ferramentas avançadas de fabricação e de design.

A Highway1 um espaço em São Francisco dedicado a ajudar startups de hardware a comercializar seus produtos.

“Estamos convencidos de que o futuro do desenvolvimento de produtos será semelhante à forma como estamos fazendo as coisas” – Venkat Venkatakrishnan, Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da GE. Ele está por trás da criação do FirstBuild. (Cortesia da imagem: Maker City Book)

Esses três exemplos acima representam um processo orgânico, em vez de um processo burocrático e que vem de cima para baixo.

2- Financiamento Coletivo, Marketing e Vendas Online

Há duas categorias importantes nesse movimento: o surgimento do crowdfunding e a mudança drástica do marketing e das vendas online.

No passado, desenvolvedores e fabricantes que desejasse lançar um produto no mercado precisavam antes levantar uma grande soma de dinheiro para construir um protótipo – financiamento que muitas vezes só era possível, se trabalhassem para uma grande empresa disposta a financiar, ou encontrando investidores que acreditavam na ideia.

Com o surgimento das plataformas de financiamento coletivo como a Kickstarter, os makers agora têm várias opções para financiar seus projetos que, antes, não chamariam a atenção de empresas ou investidores.

As plataformas de vendas e marketing são outra inovação que não existiam há 40 anos (1977). Hoje, várias startups na Internet podem oferecer canais de publicidade ao consumidor que antes exigia uma equipe dedicada de vendas e marketing:

ETSY: comunidade focada em produtos feitos por artesãos e makers;

Shopify: um back-end de comércio on-line para vendas de sites;

Quirky: uma comunidade focada no desenvolvimento de produtos, vendas e marketing;

Catarse, Kickstarter, IndieGoGo, GoFundMe: sites de financiamento coletivo.

3- “Efeito de rede” e Padrões Abertos

A comunidade global maker pode ser vista como um ecossistema de inovação aberta baseada em princípios de código aberto. Isso cria novos caminhos para que as pessoas trabalhem juntas além dos limites geográficos ou organizacionais.

Hal Varian, economista-chefe do Google, chama isso de “inovação combinatória”. As pessoas trabalham de forma colaborativa, descobrindo e utilizando mais facilmente os recursos necessários para desenvolver novos produtos e empresas. O crowdfunding (citado acima) é um exemplo de inovação apoiada pela comunidade.

Muitas das ferramentas de hardware e software utilizadas pelos makers são construídas usando padrões abertos em vez de sistemas proprietários, como a placa Arduino (que foi projetada para facilitar a prototipagem) ou o RaspberryPi (ideal para protótipos de Internet de Coisas).

O campeão italiano Riccardo Luna (à direita) com Massimo Banzi, CEO e co-fundador do projeto Arduino. (Cortesia: Tech and the City)

Outro exemplo é a possibilidade de compartilhar dados CAD, como os arquivos usados ​​na impressão 3D. Os padrões de troca de arquivos, como STL e DXF, permitem que uma grande variedade de hardware e softwares de design se comuniquem. Padrões comuns tornam possível para os makers terceirizar atividades como impressão 3D e corte em CNC para especialistas como Fictiv ou Shapeways.

Ao escolher padrões abertos, disponíveis para qualquer um, os makers se beneficiam do “efeito positivo de rede”, o que torna os sistemas mais valiosos à medida que mais e mais pessoas os utilizam, fazendo a comunidade crescer..

4- Pequena Escala e a Cauda Longa

Algumas indústrias estão começando a sentir a necessidade de uma produção menor para que esta seja mais ágil.

Uma das razões disso é que os consumidores também estão querendo produtos personalizados e customizados – muitas vezes preferindo edições limitadas e altamente exclusivas de produtos.

A indústria da moda tem sofrido com essa mudança no perfil de consumo e teme não ser rápida o suficiente para responder às mudanças no meio do lançamento de uma nova coleção, ao mesmo tempo em que os consumidores começam a comprar de lojas online.

Assim, em vez de apostar em modelos para uma temporada inteira, talvez seja ser melhor produzir roupas em um escala menor e de forma mais rápida.

James Fallows analisa isso em outro artigo em que argumenta que as fábricas chinesas estão ganhando agilidade em produções menores – aperfeiçoando a sua capacidade de atender pequenas encomendas e enviá-las diretamente para consumidores norte americanos.

Isso lhes permite não só responder a mudanças rápidas no gosto do consumidor, mas também ganhar dinheiro com a “cauda longa” das vendas incrementais de produtos raramente comprados – uma fatia de mercado cada vez mais importante graças à capacidade dos consumidores de pesquisar (ou pedir) produtos muito específicos os quais raramente apareceriam nas prateleiras de varejo.

5- Parcerias Corporativas

Cada vez mais, as grandes empresas estão entendendo que podem colaborar e cocriar com a comunidade maker para ampliar seus esforços de P&D.

Talk na Joy Fab Lab sobre Inteligência Artificial e Internet das Coisas dado por gerente de projeto de uma empresa de tecnologia para os makers da cidade de Fortaleza (Crédito: Lenilson Pinheiro)

As empresas sabem que precisam buscar novas maneiras de se conectar com os consumidores, os quais cada vez mais buscam experiências e produtos autênticos – atributos que são próprios dos produtos criados em fab labs.

Como resposta, empresas e marcas estão procurando formas de patrocinar (ou mesmo fazer um co-branding) projetos inovadores de makers para trazer essa energia para suas linhas de produtos.

As corporações também estão começando a ver os fab labs e makerspaces como “equipes” promissoras de desenvolvimento de produtos. Muitos conceitos de produtos que saem desses espaços são mais inovadores e interessantes do que os desenvolvidos por equipes internas, fechadas em quatro paredes, das indústrias ou empresas.

Estabelecer uma parceria ou um patrocínio com um fab lab pode ser uma estratégia inteligente, especialmente se as empresas tiverem preferência em adquirir uma startup ou antecipar-se a um novo conceito de produto.

Isso reflete uma longa tradição no Vale do Silício de adquirir startups inovadoras – como as aquisições do Instagram e Oculus Rift pelo Facebook ou a compra da Nest pela Google.

Maker Faire em San Diego (Cortesia: Maker City Book)

Você está pronto para essa onda?

Todos os sinais apontam para um novo e brilhante futuro da fabricação – a medida que o movimento maker impulsiona o ressurgimento do “faça você mesmo” e da cultura de participação e de colaboração entre os makers.

Sua empresa ou instituição educacional desejaria aproveitar esta crescente onda de inovação?

Você se vê como um consumidor que produz seus próprios produtos e, ao mesmo tempo, economiza e se diverte com isso?

Nós, que fazemos parte do O Futuro das Coisas e da Joy Fab Lab esperamos que sim!

Crédito da imagem da capa: GE Appliances – hackathon na FirstBuild da GE.

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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