Estes dias, me deparei com um artigo na Exame, da minha amiga Daniela Pereira. Uma frase sobre Inteligência Artificial (IA), ouvida no Web Summit, me chamou a atenção: “IA é automação e não sinapse”.

Fiquei com a frase na cabeça. Por dois motivos: 1. porque “Sinapses” foi como batizei minha newsletter no LinkedIn; 2. porque, em apresentações, posts e artigos, venho batendo na tecla da importância de entendermos a diferença entre a aprendizagem de pessoas e computadores.

Usamos muitas metáforas de processos humanos para computadores: inteligência (artificial), aprendizagem (de máquinas), memória (ram e rem) etc.

Estas metáforas têm apelo e talvez ajudem a lidar com os computadores, mas também podem ser enganosas.

IA é mesmo uma inteligência?

Há quem conteste chamarmos Inteligência Artificial de “inteligência”. O renomado neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis é um deles. Para ele, inteligência artificial não é nem uma coisa nem outra, e este nome é um apelo de marketing:

“Não é artificial porque é criada por nós, é natural. E não é inteligente porque a inteligência é uma propriedade emergente de organismos interagindo com o ambiente e com outros organismos.”

Psicólogos, como Robert Epstein, criticam abertamente o uso de termos como “memória” para computadores. Neste artigo, ele diz literalmente:

“Seu cérebro não processa informações, recupera conhecimentos ou armazena memórias. Em resumo: seu cérebro não é um computador.”

Cautela com as metáforas científicas

Avançando na questão das metáforas científicas, em seu livro 7 1/2 Lessons about the Brain, a neurocientista Lisa Feldman Barrett lembra que muitos termos que usamos para nos referir ao nosso corpo e, em especial, ao cérebro são, na verdade, metáforas.

Exemplos são a noção de que o lado esquerdo do cérebro é lógico e o direito é criativo, ou que o cérebro tem um “Sistema 1” para respostas instintivas rápidas e um “Sistema 2” para processamento mais racional. Ou ainda que o cérebro “acende” com atividade em áreas específicas e que armazena memórias como os computadores fazem.

Barrett não é contra metáforas científicas, às quais ela, aliás, recorre com frequência. Ela apenas diz que devemos ser cautelosos com seu uso e lembrar são apenas isso: metáforas.

“As metáforas são maravilhosas para explicar tópicos complexos em termos simples e familiares. No entanto, a simplicidade de uma metáfora pode se tornar seu maior fracasso se as pessoas tratam a metáfora como uma explicação.”

No livro Imagens da Organização, Gareth Morgan também ressalta a influência das metáforas em muitas teorias de gestão e administração de empresas: “Toda a teoria e prática da organização e da administração baseia-se em imagens, ou metáforas, que nos levam a entender situações de maneira eficaz, mas parcial.”

Aprendemos como humanos

A aprendizagem corporativa foi muito influenciada pela metáfora da empresa como máquina. Assim, soluções de educação, muitas vezes, partem do princípio que basta ter contato com uma informação para aprender e resolver um problema. Basta um curso ou treinamento para “fechar um gap de conhecimento”.

Isso é comum na educação corporativa, a ideia de que a aprendizagem funciona apenas como um elemento um elemento para fechar um “gap de conhecimento”. Como se um curso sobre protagonismo resolvesse o problema da autonomia e do comando e controle. Ou um evento sobre inteligência emocional ajudasse a solucionar conflitos. Ou um único treinamento sobre determinado produto permitisse que, em seguida, os atendentes de uma central falassem fluentemente sobre ele.

E não é bem assim que funciona. Não somos máquinas. Não somos computadores. Não fazemos download de informações.

Há diferenças significativas entre a aprendizagem de máquinas e a aprendizagem de humanos.

Teoria da aprendizagem estatística

Antes de entrar em cada uma delas, vale uma breve explicação sobre o nosso processo de aprendizado humano.

Já parou para pensar como você aprendeu o que é um livro? Você não aprendeu o que é um livro lendo seu significado no dicionário.

A primeira vez que você teve contato com um livro talvez tenha sido no colo da sua mãe. Você ouviu o som “livro”, mas não necessariamente associou este som a um objeto.

Aos poucos, você foi percebendo um padrão, um contexto em que aquele som se repetia, livro. Um contexto que envolvia um objeto, uma voz, um ambiente, um cheiro, um sentimento… e assim você foi construindo o seu significado de “livro”, a partir da identificação de padrões.

Esta é, grosso modo, a teoria da aprendizagem estatística. Aprendemos a partir das regularidades e padrões que identificamos no mundo.

Regularidade e afeto

Se você já leu alguma coisa a respeito de inteligência artificial, então deve ter ouvido falar que computadores também aprendem por meio da identificação de padrões.

Só que há, pelo menos, 2 diferenças importantes entre aprendizagem de computadores e a humana: regularidade e afeto.

🔹 Regularidade: Diferentemente dos computadores, que têm a capacidade de armazenar grandes quantidades de dados rapidamente, fazer downloads e guardar arquivos em sua memória, humanos geralmente precisam de regularidade. Isso inclui contatos com o que se deseja aprender por meio de reflexões, conversas, práticas, conteúdos etc. Em outras palavras, frequência é relevante para a aprendizagem humana.

🔹 Afeto: Ao contrário dos computadores, o aprendizado humano se dá com envolvimento afetivo. Para aprendermos, é essencial que o aprendiz se sinta emocionalmente conectado e envolvido com aquilo que está aprendendo.

Aprender nas empresas

Nossa capacidade de aprender está intimamente ligada a experiências, emoções e interações que não podem ser replicados por máquinas. Assim, ao explorarmos metáforas como “inteligência artificial” ou “aprendizagem de máquinas”, devemos lembrar que, por mais úteis que sejam para simplificar conceitos complexos, metáforas são apenas metáforas.

Este entendimento é importante no contexto da educação corporativa, onde o processo de aprendizado depende da consideração das particularidades humanas. Ao desenvolvermos estratégias de ensino e aprendizagem, é fundamental reconhecer e valorizar as diferenças entre humanos e computadores, priorizando abordagens que respeitem nossa natureza única.

Assim, abrimos espaço para desenvolver sistemas de aprendizagem e ambientes de trabalho mais inspiradores, conectados e transformadores. Afinal, fazemos sinapses, não temos circuitos.

Em resumo

1- Aprendizagem humana e de máquinas: há diferenças fundamentais entre a aprendizagem de humanos e computadores.

2- Metáforas científicas: É preciso cautela ao usar metáforas científicas, como referir-se ao cérebro humano como um computador. Essas metáforas são úteis para explicar conceitos complexos de forma simples, mas podem levar a interpretações errôneas se tomadas literalmente.

3- Regularidade e afeto: Diferente dos computadores, que armazenam grandes quantidades de dados rapidamente, a aprendizagem humana depende de regularidade (frequência, variedade e prática) e afeto (conexão emocional).

4- Aprendizagem corporativa: Estratégias de aprendizagem corporativa devem respeitar a natureza única do processo de aprendizagem humano, que, ao contrário das máquinas, não fazem downloads de informações.

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Nira Bessler

Nira Bessler é consultora e palestrante apaixonada por aprendizagem, com uma profunda curiosidade pelo mundo e pelas histórias que a cercam. É formada em jornalismo pela UERJ e certificada pelo Programa de Adult Learning and Development da Universidade de Toronto. Recentemente, conquistou o título de mestre pela FGV, com a dissertação Relações entre Segurança Psicológica e Cultura de Aprendizagem. Ao longo de sua carreira executiva, acumulou 15 anos de experiência no competitivo mercado financeiro, mas também produziu documentários sobre histórias brasileiras. Não menos importante, Nira é mãe da pequena Marina, que a ensina muito sobre este mundo novo que estamos vivendo.

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