O tempo começou a ser percebido quando antigas civilizações observaram a movimentação do sol e das estrelas no céu. A contagem de dias começa então a ser englobada em espaços de tempo como semanas, meses e anos e, a partir desse momento, o homem começa a prever o futuro dentro de um prazo específico, pois já podia prever as estações do ano e isso foi um grande avanço para a agricultura e o desenvolvimento das cidades.

Os gregos precisavam medir o tempo que um orador usava para proferir sua linha de raciocínio. A ampulheta nasce e a areia que escorre por entre a passagem determina o fim do tempo do orador. Neste momento, o tempo começa a ser medido por necessidade política ou social.

No século XIX, a sociedade industrial é que impõe um ritmo obsessivamente disciplinado. A necessidade de controlar o tempo que os empregados das fábricas ficavam disponíveis dentro da empresa era crucial, surgindo, neste momento,  o relógio de ponto. O relógio mecânico mudou o tempo. “Se antes o tempo era mais leve e orgânico, passa a ser um tic-tac controlador, tornando a humanidade  obcecada pela sua passagem.” Esta é a síndrome da sociedade industrial, materialista por excelência e dominada pela pressa, conforme o lúcido escritor Alexis de Tocqueville, lá em 1840 – na reportagem A Democracia na América.

Estamos sempre em estado de alerta, esperando a próxima urgência.

Levamos 400 anos para ter uma imprensa estruturada, cinquenta anos para uso em massa do telefone, sete anos para a expansão global do aparelho celular, três anos para o voo das redes sociais, questão de dias ou de poucos meses para o aparecimento de novas tecnologias e o tempo fica cada vez mais precioso porque temos cada vez menos tempo para fazer a próxima revoluçãocontabiliza Ray Kurzweil, no documentário Quanto Tempo o Tempo Têm. Somos pressionados para criar novidades incríveis e que superem as anteriores cada vez mais rápido. Vivemos uma esquizofrenia temporal.

Onde estamos investindo nosso precioso tempo?

O tempo para um camponês na idade média é diferente do tempo para um padre no século XVII, como também é diferente para um grande industrial do século XX e completamente díspar para um jovem recém chegado ao mercado de trabalho em 2020. Para um muçulmano em Meca o tempo é diferente do que para um ateu em qualquer lugar do mundo. A noção de tempo é individualizada, customizada de acordo com nossa visão de vida.

O tempo não existe, é apenas uma dimensão da alma, o passado não existe, se não o é mais; o futuro não existe, se ainda não ser; o presente é apenas um instante inexistente, de separação entre o passado e o futuro.”  Santo Agostinho

A visão linda de Agostinho sobre o tempo nunca foi tão atual. Nos últimos anos, o capitalismo sufocante nos fez engolir goela abaixo o mito da produtividade. Fomos adestrados de que o tempo só vale a pena se for bem remunerado e devemos preencher cada aba vazia de nossas ilusórias 24 horas diárias com atividades que pareçam úteis aos olhos da sociedade. Recomendo a leitura do livro de Nuccio Ordine, A Utilidade do Inútil, uma ode à cultura e uma crítica ao capitalismo escravizador que optamos por aceitar.

Até mesmo as crianças são afogadas neste modo esquizofrênico de produtividade. Escola, judô, futebol, curso de inglês, aulas de reforço, natação, banho e cama – no dia seguinte, tudo de novo. 

Somos uma geração fragmentada. A dificuldade para escolher onde colocar nossa atenção plena em conteúdos e informações que nos chegam a todo momento, nos impede de ter uma opinião que não seja rasa sobre algum assunto. E não é de se espantar, pois a quantidade de signos – imagens, textos, palavras, vídeos e informação em geral – que recebemos diariamente é absurdamente maior do que a quantidade que um homem na idade média recebia durante toda uma vida. Na era da efemeridade, precisamos ter a capacidade de ler os antigos catálogos telefônicos todos os dias.

Neste momento emerge a famosa frase: “Eu só queria ter tempo…”

O tempo vai se esgotando, como se tivéssemos um contador de horas pessoal, como no filme O Preço do Amanhã, onde cada ser humano possui uma lifetime que, quando se esgota, desliga –, e o tempo de vida também. Pois bem, seguimos trocando nosso tempo por horas no trânsito, horas no celular, horas em trabalhos sem sentido, horas extras, horas em frente à TV e muitos outros momentos, em que, se o contador pessoal existisse, certamente iríamos nos arrepender ao final da jornada.

O tempo precisa de sentido, de direcionamento qualificado, precisa valer a pena. Há décadas pedimos mais tempo livre, e a COVID-19 nos deu esse tempo e ainda estamos aprendendo o que fazer com ele. E isso não é uma surpresa.

O mundo mostra sinais divergentes do espírito do tempo. Algumas autoridades tentando voltar o relógio para um tempo fascista, com regras que já não se encaixam ao tic-tac do mundo atual. Temos decisões tomadas por governantes pautadas por um relógio pessoal muito diferente do zeitgeist de 2020. Fronteiras sendo protegidas com muros altos, em atitude imperialista de uma época que nem relógio existia, apenas para dar um exemploSão retrocessos que assombram a contagem do tempo, criando um correr de ponteiros desconfiados, demorados e cheios de medo. 

Quanto tempo isso vai durar?

“Eu vejo o futuro repetir o passado, nesse museu de grandes novidades. O tempo não pára.” Cazuza

Proponho trocar de relógio.

Não viva em uma contagem atroz e ensandecida. Faça o seu tempo. Como Aristóteles, questione. Como Greta Thunberg, grite. Faça o que o seu relógio pessoal pede, não aceite o tic-tac castrador de um relógio que impede o progresso. 

O vírus avassalador da COVID-19 acentuou uma característica forte do Brasil: nosso país está lotado de passado. O presente que não vira passado é eternidade. Infelizmente somos um país de autoritários e intolerantes, como explica a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, em seu livro Sobre o Autoritarismo Brasileiro. 

Deveríamos sair desta pandemia com um propósito maior de vida. Afinal, nosso país não é pobre, mas extremamente desigual. Como trabalhar para que o Brasil mova-se para um percurso de viver o presente, aproveitar cada instante; aprender com o passado e olhar para o futuro? Precisamos nos livrar da eternidade lenta e de escassez que nosso relógio marca, parar de achar que empresas, marcas ou a elite, com doações generosas estão redimidas de se envolver com as mudanças estruturais que o país pede: nas escolas, com as crianças; na saúde, com o acesso à população; na educação de uma nação unida, sem racismo, sem prepotência e livre da xenofobia que emerge com força nesse período de pandemia.

O tempo cura. O tempo faz mudar. O tempo passa. O tempo sem as ações humanas nada significa para nós. Tempo é ação. O tempo é de mudar. Eu mudo, você muda, juntos mudamos. 

“Independentemente da tribo a qual se pertença, o tempo continua amigo precioso ou impiedoso antagonista, recurso escasso ou abundante, seja como for – amante ou tirano, o tempo é um menino que joga com dados.” Domenico de Masi.

Crédito da imagem da capa: Lee Kyutae, aka Kokooma.

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Ana Penso

Ana Penso é designer autoral, professora e especialista em educação moderna com ênfase em ensino digital. Apaixonada por ensinar e fazer conexões, acredita no poder de mudança do ser humano através da cultura, da educação e do design.

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