O livre arbítrio – a capacidade de fazermos escolhas e decidirmos qual caminho queremos seguir – está intimamente ligado aos conceitos de responsabilidade, elogios, culpa e proibição.

Nós, como seres humanos, gostamos dessa “ideia de liberdade”.

Mas, será que somos completamente autônomos, como pensamos ser?

Conforme a ciência vai avançando, ela mergulha cada vez mais fundo nessa questão que tem sido debatida pelos filósofos ao longo dos séculos.

Um dos primeiros trabalhos para avaliar a natureza do livre arbítrio foi feito no início dos anos 80, pelo neurocientista Benjamin Libet, da Universidade da Califórnia, San Francisco.

Libet conseguiu mapear a existência de atividade cerebral antes que a pessoa tivesse consciência do que iria fazer. Ou seja, o cérebro já sabia o que seria feito, mas a pessoa ainda não.

Nesse experimento, considerado clássico, ele pediu aos participantes do estudo – os quais estavam com eletrodos na cabeça – que apertassem um botão sempre que sentissem vontade. Eles também foram orientados a observarem o momento exato em que acontecia o desejo e tomavam a decisão de fazer o movimento.

O resultado surpreendente desse experimento foi mostrar que uma região do cérebro envolvida em coordenar a atividade motora apresentava atividade elétrica uma fração de segundos antes dos voluntários tomarem uma decisão – no caso, apertar o botão. Os eletrodos mostraram que os sinais no cérebro já estavam mudando antes da experiência subjetiva de realizar a escolha.

Esse experimento de Libet causou polêmica ao demonstrar que a noção de livre arbítrio pode ser uma ilusão. Novos estudos foram então realizados.

Um deles foi publicado na revista científica PLoS ONE, em junho de 2011, com resultados também impactantes. O pesquisador Stefan Bode e sua equipe realizaram exames de ressonância magnética em 12 voluntários. Da mesma forma que o experimento de Libet, a tarefa era apertar um botão. Neste experimento, os pesquisadores conseguiram prever qual seria a decisão tomada pelos voluntários sete segundos antes deles tomarem consciência do que faziam.

O mais novo experimento

Recentemente, neurocientistas da Charité – Universitätsmedizin Berlin fizeram um novo experimento, para descobrir mais sobre a vontade consciente e o determinismo na nossa tomada de decisões.

Os resultados do estudo foram publicados há menos de um mês, na revista PNAS e a conclusão é que parece que nossas escolhas são mais livres do que se pensava.

John-Dylan HaynesProfessor John-Dylan Haynes, PhD., líder da equipe de pesquisadores do Centro Bernstein de Neurociência Computacional, da Charité. (Imagem cortesia: Human Data)

 

O professor John-Dylan Haynes explicou que o objetivo desse estudo foi descobrir se a presença de ondas cerebrais precoces significa que a tomada de decisão é automática e não está sob o controle consciente, ou se a pessoa ainda pode cancelar a decisão, ou seja, dar um ‘veto’.

O “ponto sem volta”

Neste experimento, os pesquisadores da Charité utilizaram um jogo de “duelo” entre os participantes e a interface cérebro-computador (brain-computer interface – BCI), além de técnicas de medição no estado da arte.

Eles queriam saber se seria possível as pessoas cancelarem um movimento uma vez que o cérebro começou a prepará-lo (potencial de prontidão). A conclusão é que é possível sim, até certo ponto – o “ponto sem volta”.

Os voluntários do estudo participaram do jogo de “duelo” com um computador, enquanto tinham suas ondas cerebrais monitoradas usando a eletroencefalografia (EEG). Um computador especialmente treinado foi então encarregado de utilizar os dados da EEG para prever quando o jogador se moveria (o objetivo era fazer uma manobra contra ele). Os pesquisadores manipularam o resultado do jogo a favor do computador, tão logo as medições das ondas cerebrais indicassem que o jogador estava prestes a fazer o movimento.

Charité

Voluntária do experimento da Charité tem suas ondas cerebrais monitoradas usando a eletroencefalografia (EEG) enquanto joga com o computador. (Crédito: Charité)

 

Se os jogadores fossem capazes de evitar o movimento com base em seus próprios processos cerebrais esta seria uma evidência de que o controle sobre suas ações pode ser mantido por muito mais tempo do que se pensava. E isso foi exatamente o que os pesquisadores conseguiram demonstrar.

Os pesquisadores descobriram que o jogador poderia conseguir isso, mas que há um “ponto sem retorno” no processo de tomada de decisão [cerca de 200 milissegundos antes do início movimento], quando o cancelamento do movimento não é mais possível.

“As decisões de uma pessoa não estão à mercê das ondas cerebrais preliminares e inconscientes. Ela é capaz de intervir ativamente no processo de tomada de decisão e interromper um movimento” – Professor John-Dylan Haynes, PhD.

 

Segundo Haynes, tem-se usado o argumento dos sinais cerebrais iniciais contra o livre-arbítrio. Nesse estudo, eles mostram que a liberdade é muito menos limitada do que se pensava antes. No entanto, ele avisa que novos estudos continuarão sendo feitos para investigar processos mais complexos de tomadas de decisão.

Acreditar que o livre arbítrio existe é fundamental para nós. Para Kathleen Vohs, da Universidade de Minnesota, o livre-arbítrio conduz as escolhas das pessoas a um ponto em que elas se tornam melhores e mais éticas.

Fonte: Charité

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