Devagarinho os sistemas de Inteligência Artificial estão aprendendo a diagnosticar doenças. O exemplo mais recente é que pesquisadores da DeepMind – empresa da Google – e também da UCL e do Moorfields Eye Hospital criaram um software que identifica mais de 50 doenças oftalmológicas a partir de um exame de imagem em 3D.

O software ainda não está pronto para uso clínico, mas deverá ser implementado em hospitais em Londres em breve. Mustafa Suleyman, chefe da DeepMind Health, acredita que o projeto é “incrivelmente ousado” e poderá, com o tempo, “transformar o diagnóstico, o tratamento e a gestão de pacientes com condições oftalmológicas de risco […] no mundo inteiro.”

Cofundador do DeepMind Mustafa Suleyman. (Foto de John Phillips / Getty Images)

 

O artigo publicado na revista Nature Medicine, explica que o software baseia-se em princípios estabelecidos de aprendizagem profunda, usando algoritmos para identificar padrões comuns em dados.

Neste caso, os dados são oriundos de digitalizações em 3D feitas usando uma técnica conhecida como Tomografia de Coerência Óptica, ou OCT. Em apenas 10 minutos a OCT produz imagens de corte seccional das estruturas oculares in vivo com alta resolução e reprodutibilidade. Hoje, os exames de OCT são uma ferramenta crucial para a identificação precoce de doenças oculares.

Para treinar o software, a DeepMind utilizou cerca de 15.000 exames de OCT de 7.500 pacientes, todos eles tratados em lugares operacionalizados pelo Moorfields, que é o maior hospital oftalmológico da Europa e da América do Norte.

Exemplo de um exame de OCT, mostrando a espessura do tecido da retina no olho do paciente. (Crédito: UCL, Moorfields, DeepMind, et al)

 

O sistema foi alimentado por esses exames de OCT, incluindo diagnósticos feitos por médicos. A partir disso, o software aprendeu a identificar diferentes elementos anatômicos do olho (um processo conhecido como segmentação) para, em seguida, recomendar a ação clínica com base nos vários sinais de doenças que as varreduras mostram.

Mesma precisão que os médicos

Em um teste em que as análises da IA ​​foram comparadas aos diagnósticos de um painel de oito médicos, o software fez exatamente a mesma recomendação mais de 94,5% das vezes.

Embora esse altíssimo desempenho seja considerado encorajador pelos pesquisadores, alguns especialistas da comunidade médica estão preocupados sobre a forma como os sistemas de IA serão integrados às práticas de cuidado.

Luke Oakden-Rayner, radiologista que escreveu extensivamente sobre o assunto, prevê que os avanços na IA estão nos levando rapidamente para um ponto de inflexão onde o software não é mais uma ferramenta aplicada e interpretada por um médico, mas algo que toma decisões em nome dos humanos.

Os primeiros sistemas de IA já estão começando a cruzar essa linha. Em abril, o FDA aprovou o primeiro programa de IA que diagnostica doenças sem a necessidade de supervisão humana, conseguindo tomar uma decisão clínica por conta própria. Coincidentemente, da mesma forma que o novo algoritmo do DeepMind, este software também analisa exames oftalmológicos. Porém, enquanto rastreia apenas uma única doença, a retinopatia diabética, o da DeepMind é sensível para mais de 50 condições.

Este é o ponto em que o risco da IA ​​médica torna-se muito maior. Comparando aos acidentes de carros autônomos, há sempre uma chance de um computador cometer um erro fatal no julgamento.

Os pesquisadores da DeepMind, da UCL e do Moorfields estão cientes desses riscos, e reforçam que seu software contém vários recursos projetados para atenuar esse tipo de problema. Segundo eles, o software não depende apenas de um único algoritmo que tome a decisão, mas de um grupo deles, e cada um deles é treinado independentemente, de modo que qualquer situação anormal seja anulada pela maioria.

Em segundo lugar, o sistema não cita apenas uma única resposta para cada diagnóstico. Em vez disso, dá várias explicações possíveis, juntamente com o grau de confiança em cada resposta, e ainda mostrando como analisou as partes do olho do paciente, dando aos médicos a oportunidade de detectar uma análise errada.

O objetivo é que esses recursos operem como uma espécie de lombada, desacelerando o algoritmo e dando aos humanos a chance de intervir. O teste real, no entanto, virá quando este software for implantado e testado em um ambiente clínico real, o que a DeepMind diz espera que aconteça logo.

Exemplo de diagnóstico do sistema. A maioria das caixas mostra como a IA rotulou partes da varredura da OCT. No canto superior esquerdo pode-se ver sua recomendação e os vários níveis de confiança. (Imagem: UCL, Moorfields, DeepMind, et al)

 

Talvez o mais importante a considerar é que esse software foi projetado para fazer uma triagem, apontando quais pacientes precisam receber cuidados de forma prioritária. Portanto, embora mapeie as condições que um paciente possa ter, a recomendação principal que faz é a urgência que um paciente precisa ser encaminhado para tratamento.

Questionando o acesso a dados valiosos

Esta pesquisa nos mostra como as empresas de IA se beneficiam com o acesso a dados valiosos. A DeepMind, especificamente, já foi criticada antes pela forma como acessou dados de pacientes tratados pelo NHS, serviço de saúde financiado pelo setor público do Reino Unido. Em 2017, o ICO concluiu que um acordo fechado pela empresa em 2015 era ilegal porque não notificava corretamente os pacientes sobre como seus dados estariam sendo usados.

A realidade é que essa pesquisa da DeepMind não teria sido possível sem acesso a esses dados. E, embora as informações usadas sejam anônimas e os pacientes tivessem a opção de recusar, o fato é que o software criado a partir desses dados pertence exclusivamente à empresa.

Se o software for aprovado para uso em um ambiente clínico, será fornecido gratuitamente aos médicos do Moorfields por um período de cinco anos. Mas isso não impede que a DeepMind comercialize para outros hospitais no Reino Unido ou em outros países.

A empresa alega que este tipo de acordo é uma prática padrão na indústria, e argumenta que “investiu significativamente” nesta pesquisa para criar o algoritmo. Também observa que os dados que ajudou a gerar agora estão disponíveis para uso público e pesquisa médica não comercial.

Apesar dessa argumentação, paira certo ceticismo sobre a empresa: um recente painel independente criado pela própria DeepMind para sondar suas práticas de negócios sugeriu que ela precisava ser mais transparente sobre seu modelo de negócios e sua relação com a Google, que a comprou em 2014.

A Google pagou £ 400 milhões pela DeepMind, mas em função da expansão agressiva do laboratório de IA atualmente opera em prejuízo, de acordo com registros recentes da Companies House. Em 2016, a empresa registrou uma perda de £ 164 milhões, um aumento significativo em relação à perda de £ 54 milhões registrada em 2015.

A maior parte das despesas da DeepMind são para contratar os mais brilhantes cientistas de aprendizado de máquina do mundo. Em 2016, quando contava com uma força de trabalho de 600 pessoas, gastou £ 104,8 milhões em “custos de pessoal e outros custos relacionados”.

Os benefícios dos algoritmos

À medida que a DeepMind passa a criar produtos comerciais usando publicamente dados financiados pelo NHS, é natural que surjam mais questionamentos.

Mas, independentemente desses problemas e riscos, é claro que esses algoritmos podem trazer benéficos. Estima-se que cerca de 285 milhões de pessoas no mundo tenham perda de visão, e a doença ocular é a maior causa dessa condição.

Os modernos e rápidos exames de OCT são essenciais para detectar doenças oculares (5,35 milhões foram realizadas apenas nos EUA em 2014), mas a interpretação desses dados leva tempo, criando um gargalo no processo de diagnóstico. Se os algoritmos podem ajudar na triagem dos pacientes, direcionando o tratamento para os que mais precisam de cuidados, isso pode ser incrivelmente benéfico.

Como disse Dr. Pearse Keane, oftalmologista da Moorfields envolvido na pesquisa, “a quantidade de exames que estamos realizando está crescendo em um ritmo muito mais rápido do que os especialistas humanos são capazes de interpretá-los. Existe o risco de que isso possa causar atrasos no diagnóstico e tratamento de doenças potencialmente fatais.”

Sem dúvida, se for possível diagnosticar e tratar precocemente essas condições isso dará uma maior chance de salvar a visão de muitas pessoas.

 

Crédito da imagem da capa: Getty Images

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