É fato afirmar que nenhuma indústria está imune à transformação digital: aconteceu com a indústria fonográfica, lá pelos anos 80-90, depois com a televisão aberta, os jornais e revistas impressos, lá pelos anos 2000. Na sequência, aconteceu (e ainda acontece) com os setores de educação, financeiro, saúde, automobilístico, telecomunicação, varejo, indústrias de todos tipos… e todos mais que você pensar, cabem listar aqui.

A curva exponencial que o mundo vive hoje está só no ponto inicial – e ninguém tem noção do que vem, porque o que vem vai continuar mudando o tempo todo.

A verdade é que não existe setor ou pessoa que não vá ser profundamente impactado pela transformação digital que o mundo assiste e vivencia hoje.

Mas está nas nossas mãos – empresas e indivíduos – escolher qual papel queremos assumir nesse jogo: protagonista ou seguidor?

Essa decisão parte de um ponto crucial: a mudança de mindset.

Mindset nada mais é do que uma crença profunda que move as pessoas a fazer o que elas fazem, do jeito como fazem.

Tem muita gente que se engana e acha que tudo parte da tecnologia, já que tudo agora é digital. Mas eu me arrisco a dizer que essa percepção é bem equivocada.

Tecnologia é meio, é o “como”. As pessoas e os desafios do mundo – que não são poucos – ainda são o grande “porquê” de toda essa transformação digital.

Nenhuma solução tecnológica vai fazer sentido se não existir por trás um problema que precisa ser resolvido. E somos nós mesmos quem criamos todos esses problemas.

A lógica é mais ou menos assim:

Com a evolução do mundo, a humanidade criou diversos sistemas, regras e convenções para fazer as coisas funcionarem: sistema de trânsito e transporte, financeiro, de educação, de comunicação, de telecomunicação, e todos os outros… e a gente aprendeu que existia um jeito para fazer cada uma dessas coisas.

Para cada coisa dessas, existia uma ou algumas empresas que proviam tais produtos ou serviços. E elas cresceram muito criando mecanismos que geraram uma dependência das pessoas ou estabeleceram determinado padrão ou fluxo a ser seguido. E durante alguns anos de crescimento econômico, fusões e aquisições entre empresas fortaleceram muito esse movimento e criaram verdadeiras potências globais.

Só que esses sistemas, conforme foram crescendo, também foram gerando várias ineficiências no fluxo de tudo. E eis que algumas pessoas foram capazes de ler essas ineficiências e fazer delas uma oportunidade – de resolver um problema e, com isso, fazer um negócio de sucesso.

Como essa ineficiência potencialmente também seria uma oportunidade em outros lugares (ou mercados), a tecnologia entrou para trazer escala e aumentar o alcance dessa solução.

Não vou consumir seu tempo aqui citando os exemplos já conhecidos do Uber x Taxis, do Airb&b x hotéis, do WhatsApp x Operadoras telefônicas, da Netflix x TV por assinatura, do Nubank x bancos tradicionais. Mas elas refletem exatamente o que eu citei acima: pessoas que identificaram ineficiências nos sistemas existentes e viram nisso uma oportunidade de negócio.

O que você acha que levou essas pessoas a desafiarem todo um sistema que funcionava do mesmo jeito há tanto tempo – e no qual poucas empresas dominavam o mercado e ganhavam muito dinheiro com isso?

Eu me arrisco a responder: foi justamente o mindset delas. Seu jeito de ver o mundo, de questionar as coisas “como são” e de agir sobre elas.

A “culpada” de toda essa revolução que vem quebrando negócios e mercados inteiros, não é puramente a tecnologia. A tecnologia foi o meio que permitiu uma oportunidade de negócio ganhar escala exponencial.

Antes de tudo, foi o mindset que fez tudo acontecer.

No livro Mindset – A Nova Psicologia do Sucesso, a ph.D Carol S. Dweck diz que as pessoas transitam essencialmente entre dois tipos de mindset: o fixo e o de crescimento, e são justamente eles que alteram o que as pessoas buscam na vida, como percebem e reagem às coisas que acontecem, e o que elas entendem por sucesso e fracasso.

No universo do mindset fixo, o fracasso está em encontrar uma adversidade, pois a crença é de que as habilidades são fixas e não podem ser desenvolvidas. Qualquer tipo de dificuldade ou desafio leva a pessoa de mindset fixo à ideia de que ela não é capaz e não tem inteligência suficiente para resolver aquela questão. E isso a frustra. Tudo gira em torno do resultado. Se você fracassar, tudo não passou de desperdício.

No universo do mindset de crescimento, o fracasso significa justamente o oposto: não enfrentar uma adversidade, não resolver um problema, ser passivo às coisas que o incomodam –  isso é o que frustra as pessoas com mindset de crescimento. Esse tipo de pensamento acredita que qualquer habilidade pode ser desenvolvida, que tudo é transitório e que o mundo está cheio ineficiências – ou problemas – que podem ser abraçados e resolvidos. Mais do que isso: a ação é mais importante do que o resultado em si, pois a experiência gera aprendizado, e o aprendizado permite o crescimento.

Muito em linha com o mindset de crescimento, vale somar aqui a ideia de pensamento lateral, proposta por Edward de Bono, psicólogo de Oxford, que defende a lógica de descartar uma solução óbvia e tradicional para resolver um problema, e olhar as coisas sob uma perspectiva mais ampla, questionadora e corajosa.

De Bono nos provoca a pensar no quanto assumimos certas percepções, regras e limites na hora de enfrentar problemas ou tomar decisões no nosso dia a dia. Detalhe: percepções, regras e limites que nós mesmos criamos, pois possivelmente ninguém tenha dito que elas de fato existem. O pensamento lateral não se preocupa em partir dessas “regras existentes” para construir alguma solução, e sim justamente em mudar o status quo para construir algo novo.

Agora vamos trazer tudo isso para a perspectiva dos negócios:

Primeiro, se você está lendo esse texto, é porque provavelmente já entendeu que não estamos mais na discussão sobre “se os negócios serão impactados pela transformação digital” e, sim, quando isso vai acontecer – e que papel você ou sua empresa querem assumir nesse jogo.

Diante disso, o ponto de partida para encarar esse desafio está bem claro: é preciso mudar o mindset. Romper com o pensamento que se baseia exclusivamente no que já se aprendeu, no que já se sabe ou já se viveu. Essas mesmas soluções não vão resolver os novos problemas – e possivelmente serão atropeladas por alguém que vai romper com o padrão existente e construir algo completamente disruptivo.

O curioso – e preocupante – é que muitas empresas atuam, ainda, literalmente no mindset fixo. Isso fica muito claro quando a motivação do negócio passa a ser justamente sustentar o problema ao qual ele é a própria solução, em vez de abraçar uma oportunidade de construir algo diferente para melhorar a vida das pessoas, e fazer disso um negócio de sucesso.

E não é de hoje que a coisa funciona assim: o Red Flag Act é um exemplo que aconteceu lá em 1878, no Reino Unido, quando a indústria automobilística começava a ganhar corpo e “ameaçar” a indústria ferroviária. Para “sustentar o problema” ao qual a solução era a ferrovia, instituiu-se uma lei que obrigava os proprietários de automóveis a dirigir numa velocidade máxima de 3 km/h nas cidades e a ter um homem caminhando à frente do carro carregando uma bandeira.

Algo nessa história soa familiar com as políticas protecionistas e de boicote envolvendo o Uber no Brasil?

No discurso, muitas empresas e governos recebem as novas tecnologias de braços abertos e dizem querer incorporá-las nos seus negócios. Mas isso funciona bem até o momento em que essas tecnologias suportam ou fortalecem aquele negócio que já existe, onde não se arrisca muito e não se sai da zona de conforto. Na prática, muitas empresas enxergam mesmo é uma ameaça.

O que teria acontecido com a Kodak se ela não tivesse tentado sustentar o problema na qual ela própria era a solução?

A Kodak faliu porque não abraçou a tecnologia que invadiu o mundo da fotografia e das câmeras digitais e praticamente eliminou os filmes fotográficos e a impressão de fotos do planeta. Detalhe: Steve Sasson, que criou o que se considera a primeira câmera digital do mundo, era funcionário da Kodak e compartilhou a ideia com executivos da empresa em 1976.

Eles preferiram sustentar o problema, a ideia não vingou, e deu no que deu.

A Blockbuster repetiu o mesmo erro: recursou comprar a Netflix lá em 2000, que na época ainda era uma startup, por U$50 milhões. Hoje a Netflix vale U$61 bilhões e ninguém nunca mais ouviu falar de Blockbuster.

O que você acha que se passava pela cabeça dessas pessoas, para tomarem decisões que hoje parecem tão absurdas?

Provavelmente, o seu mindset fixo. Uma ideia muito enraizada de que uma marca forte, com consumidores fieis, com tamanho, escala e capilaridade e com uma trajetória longa de sucesso deveria garantir o futuro.

“Essa tendência ainda não está nos impactando e vai demorar muito tempo para nos impactar. Enquanto isso, vamos continuar ganhando dinheiro do jeito como sempre fizemos.” Esse é o típico pensamento do mindset fixo, que não se arrisca e não abraça o futuro. Espera a mudança acontecer para correr atrás dela depois – enquanto tem gente que corre na frente e dita as novas regras do jogo.

O mais irônico disso é que muitas das empresas mais admiradas do mundo hoje não se tornaram tão incríveis planejando ser incríveis. Se tornaram incríveis porque enxergaram uma oportunidade em alguma ineficiência no sistema atual, questionaram algo que a maioria das pessoas nunca pensou em questionar e se dedicaram a buscar alguma solução nunca antes pensada para resolver.

Nós fomos educados para seguir padrões e comportamentos lineares, então esse tipo de comportamento não é natural para a maioria das pessoas.

Mas a boa notícia é que saber que o ser humano opera e transita basicamente nesses dois tipos de mindset nos permite escolher – e sim, desenvolver o mindset que quisermos ter.

A Carol Dweck, autora do livro que eu citei antes, diz que o simples fato de tomar conhecimento de que existe o mindset de crescimento, já é capaz de causar uma mudança na forma pela qual as pessoas pensam em si mesmas e em suas vidas. Por si só, isso já gera uma reflexão.

Recomendo muito a leitura do livro, pois traz exemplos bem práticos de como os dois tipos de mindset se refletem no nosso dia a dia – e sim, todos nós temos um pouco dos dois.

Mas compartilho aqui um pouco das etapas que ela sugere como parte da jornada na busca para desenvolver um mindset de crescimento:

1- Admita que você também opera no mindset fixo às vezes. Embora pareça muito óbvio que, no mundo de hoje, aqueles com mindset de crescimento terão mais chance de prosperar, reconhecer o seu padrão de comportamento é o primeiro passo para promover qualquer mudança.

2- Entenda o que desencadeia o seu mindset fixo – será quando você está frente a um desafio que o tira da zona de conforto? Ou quando você cometeu algum erro grande e isso faz com que você se sinta fracassado? Ou quando você tem alguém na sua equipe muito melhor do que você em alguma coisa? Alguma situação que deixe você inseguro? Quando você “incorpora” essa versão mindset fixo, o que ela faz você pensar, sentir e fazer? Reflita e se observe.

3- Agora que você já reconhece a sua versão mindset fixo e já sabe quais são os gatilhos que desencadeiam esse tipo de comportamento em você, é hora de se educar e ensinar a você mesmo uma nova maneira de pensar e, consequentemente, agir. A mudança não vai ser automática, vai levar tempo e exigir esforço repetitivo e consciente. Mas ter autoconsciência nos ajuda a ter autocontrole sobre as nossas atitudes.

Fazer perguntas que ninguém nunca fez. Arriscar soluções que ninguém nunca tentou. Abraçar desafios, assumir riscos e aprender com os erros.

Aceitar-se vulnerável frente ao futuro e encará-lo com curiosidade, resiliência e coragem não é um caminho fácil. Exige muito esforço mental para se questionar o tempo todo e desafiar crenças pessoais que vem sendo alimentadas dentro da gente desde que a gente nasceu.

Mas provavelmente é o caminho de um futuro mais rico e promissor.

Muito mais empático às questões humanas e aos desafios com os quais o mundo se depara hoje.

Um futuro muito mais inclusivo, diverso e abundante. E certamente muito mais leve e divertido.

Tudo indica que esse esforço deve valer – e muito – à pena.

E aí, você já sabe qual papel vai assumir nesse jogo?

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Clarisse Pantoja

Jornalista e designer, também formada em Relações Internacionais e Gestão Empresarial. Atua no mercado corporativo com gestão da mudança, cultura, comunicação e clima organizacional. Curiosa por natureza e apaixonada por estudar e aprender sobre tendências e movimentos que movem o mundo, e influenciar pessoas e organizações em processos de transformação para o futuro.

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