Há algum tempo que se fala sobre a necessidade de formar profissionais com habilidades que se destacam como facilitadoras de ganhos para as carreiras e para as organizações, garantindo uma melhor perspectiva de alcance de metas e resultados, o que é visto como bom qualificador para os profissionais.

Eu não discordo. Inclusive ajudei na elaboração de cursos de extensão universitária baseados nas prementes habilidades orientadas como fundamentais e visionárias para o futuro do trabalho pelo Fórum Econômico Mundial; o que demonstra que são objetos de estudos e pesquisas e, portanto, dignas da relevância que as refere.

No entanto, chamo sua atenção para a importância em reconhecer as habilidades de caráter relacional e, paradoxalmente, sua desvalorização, tendo em vista que a educação formal pouco oferece ferramentas para as relações interpessoais. Este é um dos aspectos de distanciamento do potencial transformador das habilidades relacionais.

Com o intuito de reformular o olhar sobre as “soft skills” – como são chamadas, eu proponho que usemos uma lente com foco nas pessoas, sem enfatizar os processos e os resultados em primeira linha.

Se olharmos para nós e para as pessoas que nos rodeiam veremos com nitidez que o elo entre nós é a comunicação interpessoal – para nos apresentar, para trocar informações, para escutar, para colaborar, para participar, para apoiar, para reconhecer o outro naquilo que é igual e diverso de nós, para ter empatia, para ampliar o repertório, para discutir, negociar, vender, persuadir, argumentar, enfim, para nos afetarmos mutuamente precisamos nos comunicar.

Entretanto, o elementar da comunicação, a tradicional cadeia EMISSOR-MENSAGEM-RECEPTOR não é suficiente para sustentar a complexidade das nossas relações, sobretudo quando o número de pessoas é maior que dois.

Ou seja, essas habilidades não são inatas, não crescem conosco e, não são suaves e facilmente acessíveis como talvez pareçam ser. São tão mais difíceis de aprender quanto mais profundos forem os traumas relacionais. E, se adquiri-las exige esforço dos sujeitos, reconhecê-las, tangenciá-las, praticá-las e mensurá-las exige muito mais.

É necessário e urgente pensarmos e criarmos ambientes que possibilitem as conexões genuínas e que favoreçam o desenvolvimento das habilidades humanas e relacionais. Inclusive, ativando a percepção sobre a nossa natureza de complementariedade, a multiplicidade de possibilidades de unir potenciais para a composição de times coesos e potentes, a inteligência coletiva.

Portanto, o termo “soft” neste contexto minimiza o papel do autoconhecimento e da interação. Eu afirmo que as habilidades pessoais e interpessoais são equivalentes em significado e em dedicação às habilidades técnicas e científicas – “hard skills” – assumidas como formais e mandatórias, percebidas após anos de estudos e certificadas por instituições oficiais.

Para esclarecer, quando eu digo equivalência das soft e hard skills não me refiro à certificação formal, mas, especialmente à atribuição de valor em nossa constituição como seres que vivem, convivem e trabalham.

Competência cognitiva – rol de habilidades humanas e relacionais

Ouvi algumas vezes que as empresas buscam profissionais com excelência técnico científica, mas acabam abrindo mão deles ao perceber sua carência em habilidades humanas e relacionais: “contrata-se pelas hard skills e demite-se pelas soft skills”. De imediato detecto um abismo na comunicação e não apenas do profissional em xeque.

Não se gerencia processos e pessoas com os mesmos instrumentos, e mais, é preciso que os canais de desenvolvimento da empresa estejam disponíveis para facilitar a manifestação das habilidades requeridas. A expectativa sem acolhimento, sem desenvolvimento, sem diálogo, é hostil e brochante.

Neste caso, a cultura da empresa precisa ser revisitada com o intuito de evidenciar o capital humano fértil e receptivo.

A comunicação esclarecida quanto a forma de lidar com o fluxo de pessoas diversas induz ao processo de compreensão e colaboração; deles decorrem inúmeras oportunidades de trocas entre as pessoas, emergindo a empatia, o pensamento crítico, a criatividade, a consciência relacional, a lógica estratégica, enfim, os recursos necessários para o bom desempenho das funções e para a vitalidade dos negócios.

Em suma, as habilidades humanas e relacionais nos impulsionam a explorar nossa própria humanidade e assim nos tornamos aptos para tomadas de decisões que transcendem a execução de tarefas, mas conectam pessoas e propósitos.

Enfatizando a necessidade de que ainda precisamos vencer o paradigma da educação profissional que insiste em ignorar o potencial humano no período de formação. Essa dissociação faz parecer que as habilidades técnicas e científicas são mais importantes do que as sociais, como se nós fossemos seres diferentes no local de trabalho e em outros círculos sociais.

Como consequência, o profissional se reduz, distorce sua autoimagem e compromete seu senso de pertencimento e engajamento.

Para otimizar as habilidades humanas e relacionais

É válido que as empresas assumam o papel de proporcionar experiências de conexão, estimulando o reconhecimento valoroso das equipes que convivem e experimentam oscilações diversas. É urgente que nos dediquemos a repensar o design das relações profissionais, abrindo oportunidade para que, com segurança, as pessoas exponham suas dificuldades e facilidades diante dos desafios.

A comunicação ajuda a criar valores que são bem traduzidos pela determinação e qualidade do trabalho, que sem dúvidas são as melhores influências para o ciclo de bem-estar das pessoas e da organização. E, apesar de não existir uma métrica quantificável e precisa, é possível mensurar com “dados quentes”, ou seja, sensíveis, o retorno positivo do investimento em competência comunicativa que engloba a eficácia na forma de comunicar-se e, principalmente, a construção de relações saudáveis e produtivas.

A necessidade humana de sermos vistos, ouvidos, compreendidos, apreciados, inspirados, aceitos e respeitados não pode ser negligenciada e entregue como se fosse responsabilidade do sujeito, porque, obviamente, são eventos sociais, que ocorrem em relacionamentos e contém muitas camadas de complexidade. Não é nada “mole”, mas, é incrivelmente possível construir times fortalecidos e valorizados por suas habilidades humanas e relacionais.

Daniela Cais

Daniela Cais é Designer de Relações Profissionais e Mestre em Fonoaudiologia – ênfase em Comunicação Profissional pela PUC de São Paulo. Fundadora da Consultoria Daniela Cais Comunicação Interpessoal levando a abrangência da Competência Comunicativa para diversas áreas. Embaixadora no Brasil do Google Development Group (GDG), Mentora do Programa StartupSP do Sebrae-Sp, Mentora da Rede Mulher Empreendedora, Mentora MeetHub, Mentora Especialista do programa BNDES Garagem, Facilitadora de Treinamentos Corporativos da IE Business School de Madrid (Espanha) e Professora Convidada do MBI (Master Business Innovation ) – UFSCar, uma das criadoras do curso de extensão Habilidades do Futuro.

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