A promessa de produtos personalizados ou gratuitos seduz os consumidores para que “paguem” determinados serviços com informações pessoais. Quantas vezes na vida clicamos em algo autorizando o acesso e a cessão dos dados, sem saber o destino dessas informações? Provavelmente centenas ou até mesmo milhares de vezes. Obviamente, desconfiamos que quando algo é aparentemente gratuito, provavelmente estamos pagando de uma forma oculta.
O fato é que nossos dados podem ser rentabilizados de diferentes formas: com o acúmulo, exploração ou venda das informações. Mas o que acontece com os nossos dados na internet? A maior parte dos internautas e consumidores simplesmente nem sabe que esse monitoramento ocorre. Mas tais informações pessoais se tornaram mais um produto comprado e vendido.
Um relatório da Anistia Internacional revelou a venda dos dados de 1,8 milhão de pessoas, cada um custando em média 7,5 centavos de dólar. Na Europa já existem cerca de 50 instituições especializadas, conhecidas como ‘data brokers’. No Brasil, empresas como a Acxiom e a Serasa Experian já oferecem a venda de dados particulares das pessoas.
Mas essa base não se forma somente com dados fornecidos de forma pública. O gasto particular também está sujeito a análises. Em 2015, a MasterCard solicitou patente para um sistema de armazenamento de informações de compras de roupas e sapatos para mapear características físicas dos clientes. O objetivo era avaliar a altura e o peso com base nos itens comprados e a partir daí, oferecer essa informação às companhias aéreas e outras empresas de transporte, por exemplo.
Hoje, uma empresa consegue traçar perfis complexos e precisos de clientes sem ter tido nenhum tipo de interação com eles. Embora o consumidor esteja de acordo com a coleta, uso e venda dos dados de suas transações financeiras, a maioria ficaria surpresa em saber que seus dados pessoais podem determinar se terão acesso a crédito, se terão um plano de saúde barato ou caro e até se terão maior privilégio ao buscar um emprego.
No Brasil, há um debate antigo sobre uma legislação para proteger dados pessoais, que regule a forma como organizações coletam e usam informações. A Constituição Federal Brasileira e o Marco Civil da Internet já preveem direitos de privacidade, mas são insuficientes para garantir segurança jurídica.
Uma decisão do governo francês, por exemplo, pode mudar a forma como o Facebook opera na Europa e até obrigar essa rede social a rever suas políticas de privacidade. Tudo por conta da coleta de informações obtidas sem autorização e sem consentimento dos usuários.
Quando voltamos o olhar ao território financeiro, existem inúmeros vetores que implicam essa questão. Iniciativas como a “Nota Fiscal Paulista”, incentivam os consumidores a pedirem nota fiscal, informando seu CPF. A coleta dos dados, no entanto, vai além do CPF na nota. Pesquisadores da USP revelaram que não há monitoramento sobre as informações armazenadas, que inclui comportamento de consumo extremamente preciso, incluindo valor, marca, produto, quantidade, data e local de compra.
Segundo uma pesquisa da Unisys, 53% dos brasileiros acreditam que seus dados pessoais podem ser violados por organizações. Seguramente esse não será o fim da cessão de dados pessoais, financeiros ou não, mas nossa relação deverá ser cada vez mais consciente e menos pautada em uma mera troca invisível e imperceptível. Afinal, ninguém deseja ter a sua privacidade invadida.
Nesse background, qual será o posicionamento das áreas de desenvolvimento de produto, marketing e vendas sobre o assunto?
De um lado, esses profissionais são designados a explorar novas formas de coletar dados e utilizar as informações para compreender consumidores e potenciais clientes. De outro, eles próprios também são consumidores.
Ao passo que essa perspectiva se elucida, instantaneamente, a percepção em relação ao preço pago com informações pessoais se transforma em algo desproporcional. Afinal, quem está disposto a aceitar os termos e condições para ter sua vida monitorada?
Crédito da imagem da capa: Georgia Tech