O debate entre o futurista Jason Silva e o astrofísico Neil deGrasse Tyson aborda um ponto importante e vale a pena observar a pergunta central.

A pergunta não é se algum dia viveremos para sempre. A pergunta não é sobre se existem tecnologias necessárias para tal. A pergunta é de uma profundidade e dificuldade muito maior:

Dado que isso seja possível, nós deveríamos ou não morrer?

Essa pergunta toma proporções maiores a cada ano à medida que se descobrem novidades na área de saúde e alguns dizem que é um debate muito mais filosófico do que tecnológico (e pode ser que seja).

Longe de trazer uma resposta, acho interessante fazer uma reflexão sobre algo implícito na pergunta, mas que influencia como olhamos para o nosso relacionamento com a tecnologia:

O ser humano é começo e fim de qualquer inovação tecnológica.

Pense bem, a primeira parte é uma noção mais fácil e normalmente mais comum quando se fala de inovação ou no cenário de empreendedorismo: “O ser humano é o COMEÇO de qualquer inovação tecnológica”. Faz total sentido.

Mas, o outro lado não é tão trivial para muita gente: “O ser humano também é FIM de qualquer inovação tecnológica”. Entender que nós, como espécie, temos um tempo de aprendizado para novas tecnologias e que, ao final desse processo, nossos comportamentos podem estar tão mudados que tenhamos conflitos entre gerações, é uma das coisas que Neil levanta com sua argumentação, afinal, se a gente não morresse, para que a pressa para realizar algo ou mudar qualquer coisa?

Talvez o mais legal sobre essa reflexão é que ela mostra uma interdisciplinaridade interessante. Filosofia, psicologia, sociologia, tudo entra na discussão quando se fala de tecnologia. Um lembrete constante de que, talvez, quanto mais aberta a mente e mais multidisciplinar a abordagem, melhores podem ser os resultados, para a humanidade, quando se fala de tecnologia.

Esse é o bate-papo entre os dois. Transcrevi e traduzi para o Português logo abaixo do vídeo.

Conversa transcrita e traduzida:

[Jason] – Bem, esse é o incrivelmente brilhante Neil de Grasse Tyson… nós estamos falando sobre a morte e a ansiedade existencial… me ajude aqui.

[Neil]- E nós estamos aqui no…

[Jason] – No belo Langham Hotel em…

[Neil] – Em Pasadena, Califórnia, e nós estávamos discutindo sobre a morte, brigando um com o outro.

[Jason] – Sim.

[Neil] – Nós estávamos argumentando sobre a morte enquanto brigávamos aqui, temos visões diferentes sobre a morte, ele tem medo dela…

[Jason] – É…

[Neil] – E eu…sim… nós nascemos temendo a morte por que nós…nós tememos a morte por que nascemos só conhecendo a vida.

[Jason] – Certo…

[Neil] – Certo então, não temos nenhum contexto para avaliar quando isso vai acontecer, ou como vai ser depois que acontecer, entretanto há algumas ideias. Por exemplo…por que a morte deveria ter algo de diferente? Por que a falta de vida depois da morte seria diferente da falta de vida antes de você nascer?

[Jason] – Bem, eu concordo.

[Neil] – Ok…

[Jason] – Eu não acho, necessariamente, que a morte é algo que dói. Mas, eu acho que como criaturas de mente e significado que somos.

[Neil] – Aham…

[Jason] – Digo, não sou um budista, eu sou muito ligado à arte, ao amor e as pessoas ao meu redor, aos espaços que habitamos. E a ideia de que somos um pedaço de carte que respira e defeca destinado a morrer e no fim das contas não mais importante do que um lagarto ou uma batata não é exatamente animadora. Essas são as palavras de Ernest Becker no seu livro “A recusa da morte”.

[Neil] – Ok então espere…você…ok…

[Jason] – Como a ciência nos ajuda com essa ansiedade de sermos seres temporários, que, ainda assim, conseguem escrever poesia e amar?

[Neil] – Então…Eu diria com certeza que poesia,

[Jason] – Aham…

[Neil] – O amor, a arte e a criatividade são o que dão sentido a vida que nós só conheceremos uma vez e, se nós vivêssemos para sempre, que motivação sequer existiria para escrever um poema?

[Jason] – Verdade, verdade, é provavelmente minha ânsia que me faz querer fazer vídeos para começo de conversa…

[Neil] – Eu vou te contar: meu conhecimento que eu vou morrer…

[Jason] – Sim.

[Neil] – Dá sentido e foco a cada dia que estou vivo.

[Jason] – E o que acontece com “do not go gentle into that goodnight, rage, rage against the dying of the light” (referência ao poema “Do not go gentle into that goodnight” – Dylan Thomas) Quero dizer, você não acha que, eventualmente, precisamos de um ‘projeto Manhattan’ contra a mortalidade?

[Neil] – A forma de se enraivecer contra a morte da luz (referência ao poema de Dylan Thomas) é estar tão vivo quanto possível….

[Jason] – Aham…

[Neil] – Enquanto se é vivo. Então isso não é sobre o último momento da sua vida onde você está brigando para sair do caixão, você está brigando dessa forma todos os dias que você está vivo! É isso que dá significado, isso que dá valor, quando você dá flores para alguém,

[Jason] – Sim, sim…

[Neil] – Assumindo que você já fez isso, por que não dar flores de plástico? Elas vão durar mais…mas você não dá, você dá flores reais, por que você sabe que flores reais vão morrer. Então o que mede o valor daquele presente está manifestado em sua temporalidade.

[Jason] – E eu concordo que há algo realmente poético e dizer isso é também uma forma de desracionalizar a morte, meu grande amigo Ray Kurzweil…

[Neil] – Talvez, eu concordo com isso, mas isso não o faz menos verdade.

[Jason] – Verdade, verdade, mas perguntaram para Ray Kurzwell essa mesma pergunta, você sabe, ele é o chefe de engenharia da Google.

[Neil] – Eu finalmente o conheci!

[Jason] – Ah! Vocês falaram da singularidade?

[Neil] – Porque, sabe, eu me sinto mal falando do trabalho de outras pessoas antes de conhecê-las.

[Jason] – Certo, parece justo…

[Neil] – Então conversei com Ray Kurzweil sobre isso, sobre tudo (veja essa conversa aqui)

[Jason] – Bem, ele respondeu: não é a morte que dá sentido à vida, é a vida que dá sentido à vida. E o que nós fazemos em vida, como criar conhecimento, criar arte, estender nossas mãos uns para os outros e, não sei…

[Neil] – Ok…

[Jason] – Eu fantasio sobre construir uma utopia além do tempo!

[Neil] – Ok, então, então…

[Jason] – Construir nossa própria divindade (referência a outro vídeo dele).

[Neil] – Ok, então, eu não quero entrar na semântica sobre como ele está pensando na vida e na morte.

[Jason] – Ok…

[Neil] – Mas eu posso dizer que sim, claro que a vida dá sentido a vida…

[Jason] – Certo…

[Neil] – Mas o fato que você sabe que vai morrer…

[Jason] – Certo.

[Neil] – Foca esse sentido que você dá à vida. E se você soubesse que você nunca morreria…

[Jason] – Humm…

[Neil] – Então, qual seria a pressa? Para qualquer coisa? Você poderia pensar “ah, eu vou procurar pelo próximo emprego em algumas semanas, ainda tenho mais alguns livros para ler.” por sinal:

[Jason] – Entendo, entendo.

[Neil] – Se você soubesse que ia viver para sempre, você poderia nunca atravessar a rua.

[Jason] – É, por estar com muito medo de se machucar.

[Neil] – Você estaria com tanto medo de morrer!

[Jason] – Verdade.

[Neil] – Quando você poderia com certeza viver por mais outro bilhão de anos, que isso de alguma forma afetaria a dinâmica…

[Jason] – Que legal, cara.

[Neil] – Da nossa tomada de decisões…

[Jason] – E você sabe que eu…

[Neil] – E dos riscos que tomamos. Eu estou apenas dizendo que:

[Jason] – Sim, sim.

[Neil] – Eu quero ter certeza…

[Jason] – Sim, sim…

[Neil] – Minha filosofia pessoal é aquela de Horace Mann…

[Jason] – Horace Mann?

[Neil] – Horace Mann, ele era um educador do século passado,

[Jason] – Ok…

[Neil] – E existe uma citação… atribuída a ele…

[Jason] – Ok…

[Neil] – Que diz, e eu quero isso escrito na minha lápide: “tenha medo de morrer, até que você tenha marcado algum ponto para a humanidade”.

[Jason] – Isso é bonito… “tenha medo de morrer, até que você tenha marcado algum ponto para a humanidade”.

[Neil] – E então, essa deveria ser a medida, a prioridade, a valoração que nós trazemos todo dia que estamos vivos. E as pessoas dizem: “onde posso achar um significado?” como se o significado estivesse sob uma pedra ou…

[Jason] – Verdade, verdade…

[Neil] – Você sabe, em um bolso em algum lugar…

[Jason] – Não, não…

[Neil] – Mas não! Você cria o significado!

[Jason] – Sim, você o cria! Com a beleza e a simetria e padrões e arte e eu concordo mas…

[Neil] – Simetria, ah, você gosta de simetria?

[Jason] – Não é bem isso, é que eu…eu…

[Neil] – Você falou simetria!

[Jason] – Sim, eu gosto de coisas bonitas e elegantes…

[Neil] – Você sabe o que é a coisa mais bonita?… Isso pode ser debatido, mas é…

[Jason] – A pequena imperfeição.

[Neil] – É a pequena imperfeição.

[Jason] – Eu concordo, concordo…

[Neil] – O único e pequeno pedaço de assimetria, pois você diz:

[Jason] – É, eu concordo…

[Neil] – “Ah? Isso é curioso, por que é que isso não…ah…curioso”. Isso é que é uma coisa bonita!

[Jason] – Verdade, como aquele pequeno alface no dente que te deixa mais atraente. (risos)

[Neil] – (risos)

[Jason] – Sabe o que eu amo sobre você, cara?

[Neil] – O que é? Nós temos que conversar, temos que nos encontrar mais…

[Jason] – Eu concordo! Deveríamos conversar mais.

[Neil] – Você deveria vir para Star Talk!

[Jason] – Vocês tem que checar o episódio, ele está no ar no Nat Geo exatamente nesse momento.

[Neil] – Sim, está, mas escute, tem uma citação sua de lá…

[Jason] – Sim…

[Neil] – E aconteceu muito rápido e na hora eu não me atentei, mas você dizia: “vocês, as pessoas, todos…” Como era? “estão bêbados de curiosidade?” era isso?

[Jason] – Bêbados com o deslumbramento! (mais bem explicado em outro vídeo dele)

[Neil] – Bêbados com o deslumbramento! Adorei!

[Jason] – Mas digo isso porque existe toda uma ciência por trás do deslumbramento…

[Neil] – Isso é bom, isso é bom! Gostei…

[Jason] – Acho que da universidade de Stanford ou algo assim: Deslumbramento é uma experiência de tamanho aprimoramento perceptivo…

[Neil] – Certo.

[Jason] – Que você precisa reconfigurar seus modelos mentais do mundo para assimilá-la.

[Neil] – De outra forma ela não caberia dentro de você!

[Jason] – Novos mapas para novas realidades!

[Neil] – Um novo espaço dimensional!

[Jason] – Sim, como a foto ‘Deep field’ do telescópio espacial Hubble.

[Neil] – Sim, sim…

[Jason] – E o que eles acharam é que essa experiência de deslumbramento…

[Neil] – Aham…

[Jason] – Esse tipo de experiência arrasadora, psicodélica, indutora de ‘overview effect’. (referência a esse outro vídeo dele)

[Neil] – A perspectiva cósmica!

[Jason] – Isso! Deixa você com um aumento residual em bem-estar, compaixão e criatividade! Em outras palavras: Você se surpreende, você experimenta o inefável, e depois você volta a ser humano, então, obrigado por me ajudar a espalhar deslumbramento pelo mundo, irmão!

[Neil] – Bêbados com o deslumbramento!

[Jason] – Bêbados com o deslumbramento! Saúde!

Robertson Novelino

Estudante de ciência da computação pela UFPE, acredita que se você tem tudo sob controle é porque você não está correndo rápido o bastante. Adora aprender mas detesta a maioria das aulas, acredita que a educação deva mudar e se engaja em várias iniciativas para esse fim, atualmente mais focado no Politiquê? que lida com educação política e no TEAR, onde trabalha com educação e futurismo.

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