A nossa capacidade de interpretar o ambiente e captar diferentes estímulos ao nosso redor tem sido possível graças aos cinco principais sentidos e a outros como o senso magnético, o senso vestibular e a nocicepção.
Porém, em breve, os avanços na neurociência e da tecnologia poderão nos dar uma perspectiva muito mais ampla.
Visão, audição, paladar, olfato e tato compõem os tradicionais cinco sentidos, mas a nossa percepção de equilíbrio e a capacidade de controlar o movimento de nosso próprio corpo (propriocepção ou cinestesia) são as duas entradas sensoriais chave.
Aproximadamente 4,4% das pessoas sofrem cinestesia – onde a estimulação de um sentido produz simultaneamente sensações em outro. Quando isso ocorre, as pessoas podem perceber as cores quando ouvem sons ou associar formas à sabores.
Isso demonstra a potencial fluidez dos nossos sentidos.
Nos últimos anos, os cientistas têm aproveitado essa fluidez para desenvolver soluções alternativas para aquelas pessoas que não têm ou perderam um dos seus sentidos.
O trabalho pioneiro do neurocientista norte-americano Paul Bach-y-Rita na década de 1960 demonstrou a plasticidade do cérebro humano. Ele ficou famoso por ajudar pessoas cegas a “ver” de uma forma totalmente diferente.
Foto tirada do Brain Mechanisms in Sensory Substitution, livro de Paul Bach-y-Rita.
Em vez de receber informações sobre o mundo através dos olhos, Bach-y-Rita se questionou se elas poderiam recebê-las na forma de vibrações na pele.
Ele criou então uma cadeira, onde cegos congênitos se recostavam sobre uma chapa metálica. Pressionadas contra a parte de trás da chapa de metal estavam 400 placas menores que vibravam conforme um objeto se movimentava em um vídeo. Com isso, os pacientes conseguiram detectar rostos, objetos e sombras.
Como Bach-y-Rita disse à Discover em 2003, “Não vemos com os nossos olhos. Vemos com os nossos cérebros”.
Trabalhando neste princípio, ele continuou desenvolvendo uma variedade de técnicas e dispositivos. Seu trabalho culminou no final de 1990 com o Tongue Display Unit, que reproduz padrões táteis sobre a língua para ajudar os cegos a ver e restaurar um senso de equilíbrio.
Princípios semelhantes estão agora ajudando a religar as vias neurais para permitir coisas como ‘ouvir’ cenas visuais ou “sentir” sons. Óculos inteligentes projetados pelo engenheiro holandês Peter Meijer convertem pixels de um feed de vídeo em sons ao mapear o brilho e a localização vertical para tom e volume.
Óculos inteligentes (vOICe) convertem pixels de vídeos em sons. (Crédito:
O Transdutor Versátil Extra-Sensorial (VEST), desenvolvido pelo neurocientista David Eagleman no Baylor College of Medicine, é outro exemplo de dispositivo que converte sons em vibrações, permitindo que o cérebro possa aprender a interpretar sons específicos.
O transhumanismo
Tudo isso abre uma tentadora possibilidade de aumentar a nossa experiência com novas percepções que estão atualmente fora do nosso alcance.
O que começou como soluções para problemas e deficiências, agora impulsiona a filosofia do transhumanismo, a qual pretende usar a ciência e a tecnologia para evoluir os seres humanos para além das suas atuais limitações físicas e mentais.
O artista e “cyborg” Neil Harbisson é um exemplo vivo desta tendência. Nascido com uma condição visual rara, que consiste em enxergar apenas em tons de cinza, ele implantou uma antena que converte as cores em vibrações audíveis cuja frequência é determinada pela tonalidade da cena visual.
Mais importante, a sua antena lhe permite perceber frequências infravermelhas e ultravioletas – além do espectro visual humano.
Harbisson não é o único a ultrapassar os limites da experiência sensorial. Kevin Warwick, professor da Universidade de Reading tinha um conjunto de eletrodos diretamente conectados com o seu sistema nervoso para demonstrar como o seu cérebro podia controlar um braço robótico. Em um experimento posterior, ele usou o mesmo implante ligado a sensores ultrassônicos para ouvir em ultrassom.
Inspire-se no reino animal
O reino animal está repleto de inspiração para quem gostaria de experenciar o mundo de outras formas.
Muitas cobras podem ver a luz infravermelha. Esses répteis tem uma forma de visão térmica; várias espécies de peixes podem detectar campos elétricos; e espécies de aves e insetos podem sentir os campos magnéticos da Terra.
Experimentos em ratos demonstraram que essas habilidades perceptivas não são peculiares a certas espécies. Os neurocientistas da Universidade de Duke conseguiram que os ratos tanto ‘sentissem’ quanto ‘vissem’ em infravermelho.
Sensores para ampliar a experiência humana. (Crédito: Cyborg Nest)
Outro grupo de pesquisadores da Universidade de Tóquio conectou uma bússola geomagnética para o córtex visual de ratos cegos, o que lhes permitiu percorrer um labirinto tão bem quantos os ratos com visão normal.
Visão noturna, ecolocalização e detecção dos campos magnéticos (magnetorecepção) são capacidades que alguns animais possuem, e que no futuro poderemos também ter.
Os early adopters
Embora deva levar algum tempo antes que os cientistas se arrisquem a tentar qualquer procedimento invasivo nos humanos, as comunidades de “biohackers” ou “cyborgs” estão tomando a frente.
Pessoas como Harbisson e Warwick, realizaram algum tipo de modificação nos seus corpos que podem nos assombrar.
Comunidades como a Grindhouse Wetwares têm experimentado tudo desde ímãs implantados no dedo que zumbem de maneiras diferentes quando perto de dispositivos elétricos até aqueles que permitem com os olhos fechados e por meio de vibrações, construir imagens e contornos.
Este ano foi inaugurado em Londres o Hack the Senses hackathon, que reúne desenvolvedores, designers e neurocientistas para ultrapassar os limites da percepção sensorial. Usando equipamentos avançados, eles criaram clips que transmitem vibrações através do cabelo e um sistema que analisa mídias sociais que vibra quando alguém com interesses semelhantes passa.
Todas estes experimentos tornam cada vez mais evidente que o alcance da percepção humana é mais amplo do que muitos supunham.
Com o avanço exponencial da tecnologia, pode não demorar muito tempo para que alguns “novos poderes” sensoriais se tornem parte do nosso cotidiano.
Fonte: SingularityHub