Como você vê o futuro, determina suas ações no presente. Essa simples e poderosa afirmação pode ser transformadora.

Em meu trabalho como futurista, caçadora de tendências e coach ontológica, não raro percebo que a forma como enxergamos a nossa realidade determina a realidade na qual vivemos e vamos viver. A realidade não existe, ela é criada por nós. Portanto é essencial nos perguntarmos quais realidades estamos criando individual e coletivamente que irão definir nossos futuros?

Partindo dessa premissa, me deparei com uma espécie de manifesto em forma de filme do futurista Gerd Leonhard, The Good Future. Nele, a simples, mas poderosa mensagem é: ao enxergarmos o futuro de modo positivo, nossas ações nos conduzem para algo mais positivo. É importante ressaltar que não se trata de sermos ingênuos nem utópicos ou de imaginarmos realidades perfeitas. Tampouco nos serve imaginarmos realidades distópicas como nos induzem tantos filmes de ficção cientifica. A proposta é ativarmos uma visão de protopia, ou seja, uma visão de realidades futuras concretas. É uma espécie de abordagem mais prática e ativa que nos dá a oportunidade de agirmos sobre o presente. Como vamos tratar da saúde de nossos oceanos, da sobrevivência de nossas florestas ou como vamos curar nosso tecido social? Como vamos cuidar da saúde mental de tantas pessoas no mundo?

A forma como você imagina realidades, muda suas ações no presente. E a diferença está no verbo AGIR. “Ao enxergarmos o futuro de modo positivo, nós podemos construir um bom futuro”, afirma Gerd Leonhard.

Se imaginar um amanhã mais positivo nos conduz a ações mais positivas, como fazer isso em cenários tão turbulentos, disruptivos e em tempos de perda de confiança no futuro?

É necessário reaprender a enxergar o amanhã deixando a visão negativista de lado. A futurista Barbara Hubbard, conhecida como a futurista da transcendência propôs: “Ao enxergar o futuro, você age, e quando você age, você se se torna”. Ela foi defensora de uma esfera de consciência ao redor da Terra que permitiria ao homem crescer e assumir seu papel como cocriador do universo. “Nosso papel agora é restaurar a Terra, é nos libertarmos da fome, da guerra e da doença e iniciar o processo de desenvolvimento de nossa vida”, disse ela em entrevista concedida em 2014 para a Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Barbara defendia o que ela chamava de “evolução inconsciente através da seleção natural, para a evolução consciente por escolha”.

Mas o que seria uma boa escolha de futuro para você, para todos nós e para a sociedade? Vamos voltar um pouco no tempo. Nossa sociedade foi restrita a prosperar e ter cada vez mais coisas. É a chamada sociedade de consumo, termo utilizado para representar os avanços de produção do sistema capitalista, que se intensificaram ao longo do século XX notadamente nos Estados Unidos e que, posteriormente, espalharam-se – e ainda vem se espalhando – pelo mundo. As críticas sobre a sociedade de consumo direcionam-se não apenas a economia, mas também ao aspecto socioambiental. Afinal, um dos efeitos do consumismo é a ampliação da exploração dos recursos naturais para a geração de matérias-primas voltadas à fabricação de mais e mais mercadorias. Outro aspecto é a obsolescência programada – ou obsolescência planejada – que consiste na produção de mercadorias previamente elaboradas para serem rapidamente descartadas, fazendo com tenhamos que consumir além do necessário. Maximizamos o consumo, maximizamos a produção de lixo, elevando ainda mais a problemática ambiental decorrente desse processo. É a sociedade do TER e não do SER.

            Estamos no início de um longo processo de nos darmos conta de que precisamos mais do que isso. É necessário encontrar uma definição mais ampla de nossa existência: trata-se de pessoas, de relações, de bem-estar, de cuidado, trata-se do planeta, da natureza, de nós que somos a própria natureza. Conseguiremos manter a Terra daqui para frente? Se o futuro não está pronto e acabado, imaginemos construir cenários de futuros melhores: E se você pudesse comer carne sem fazer mal aos animais? Cerca de 30%, por exemplo da poluição do mundo vêm da agricultura, da criação em cativeiro e da pecuária. Como alimentaremos 12 milhões de pessoas desta maneira? E se pudéssemos diminuir o absurdo de 257 anos, tempo necessário para termos equidade salarial entre mulheres e homens se continuarmos no mesmo passo? E se pudéssemos evitar o aumento das emissões globais na década atual? E se pudéssemos evitar o aumento de 350 milhões de pessoas que estarão expostas a escassez hídrica devido a secas com 1,5°C de aquecimento?  E se pudéssemos acabar com o assustador número de vendas de aproximadamente 1 milhão de garrafas plásticas a cada minuto em todo o mundo (pesquisa internacional Euromonitor). E por aí vai a longa lista de reparos de realidades.

O futuro pode ser melhor do que pensamos. A engenhosidade humana pode e deve resolver nossos problemas de curto, médio e longo prazo. E a generosidade humana está na nossa capacidade de colaborarmos e encontrarmos novas soluções através de nossa inteligência coletiva. No entanto é preciso AGIR. O futuro já está aqui e não estamos prestando muito atenção. Estamos em um ponto no qual a ficção científica está se tornando fato científico! A complexidade é tamanha que o historiador britânico Adam Tooze descreveu o atual momento que nos encontramos com um novo termo, a chamada “policrise”. Em artigo para a Financial Times, Tooze, descreve o fenômeno a “uma maneira de capturar a mistura emaranhada de desafios e mudanças que interagem de perto umas com as outras, torcendo, desfocando e ampliando umas às outras”.

Nesse emaranhado de crises econômicas, sociais, ambientais, políticas e humanas, é necessário entender que o que nós fizemos nos últimos 100 anos não é mais suficiente para a construção do amanhã. Tivemos uma certa lógica que nos permitiu prosperar, mas o atual sistema revela um esgotamento do “modus operandi”.

Como sociedade, nosso desafio comum será o de inventar rotas e caminhos para navegarmos entre o que somos hoje e que podemos vir a ser. É chegada a hora de reimaginarmos o futuro com novos olhos. Olhos positivos. Olhos que acreditam na construção de realidades melhores.

“A cada dia, a cada escolha, o rio do Tempo se abre em um delta de Amanhãs possíveis”, diz um texto que li recentemente em uma visita ao Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. Que possamos escolher melhores deltas do amanhã pois em tempos de transição, como diria o escritor americano Eric Hoffer “aqueles que estão dispostos a aprender herdarão a terra, enquanto aqueles que acreditam que já sabem, estarão lindamente equipados para enfrentar um mundo que deixou de existir”.

Ilustração: María Medem

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Sabina Deweik

Sabina é caçadora de tendências, futurista, pesquisadora, consultora e educadora. Atualmente atua rastreando, digerindo e interpretando sinais de futuro, com palestras, cursos, mentorias e conteúdos para marcas, organizações e empreendedores. Formada em jornalismo pela PUC-SP, tem mestrado em Comunicação e Semiótica também pela PUC e Mestrado em Comunicação de Moda pela Domus Academy, de Milão. É também coach ontológica certificada pela Newfield Network do Chile, atuando em processos de desenvolvimento humano.

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