Para professores, esta é uma época do ano que eu chamo de “limbo” (e lembre-se, eu sou professora também!). Na verdade, uma época em que poderíamos fazer muito mais do que transitar entre as ressacas das festas de final de ano e o período de férias letivas. Mas, calma lá, para os puristas! Não quero estragar as férias de ninguém… Quero, sim, falar como o futuro está caminhando a passos largos para redimensionar esse conceito “intocável” de férias para um espaço de tempo prático do “ócio criativo”.
Para isso, vou recorrer à minha velha e boa companheira chamada ciência, e pedir emprestado para ela um pedacinho das neurociências. Esse pedacinho – que de pequeno não tem nada, aliás – diz que o cérebro humano é uma máquina que não para, ainda que nós penduremos à sua porta um cartaz “fechado para balanço de férias”. Ainda bem.
Como o coração, rins e pulmões (e a totalidade dos órgãos vitais), as propriedades cognitivas do cérebro nunca estão em stand by totalmente. Há sempre um processamento contínuo e ininterrupto nas vias subcorticais que organizam funções de base, como as memórias, percepções sensoriais, decodificação de sinais (linguagem, motricidade) e processos de aprendizagem. Sim! Aprendizagem se dá de forma contínua porque seu cérebro se recusa a parar, mesmo que você o queira. De novo: ainda bem.
O cérebro não é imutável nem estático; na verdade, ele é remodelado continuamente pela vida que se leva. Trata-se de uma propriedade chamada neuroplasticidade, que é a capacidade de modificar de forma considerável sua estrutura e seus padrões de atividade. A neuroplasticidade é uma reorganização da dinâmica do sistema nervoso, um novo crescimento neural gerado pela exposição a novas experiências e pelo aprendizado de novas capacidades.” (Silva e Goulart, 2015)
Voltando às férias, elas não significam, necessariamente, ócio descartável, em termos de atividade cerebral. Você pode fazer desse reset um período de ressignificação de práticas mentais que, muitas vezes, não são possíveis de serem feitas na maior parte do restante do ano, dada a insana correria do dia a dia. Se você parar para pensar sob essa perspectiva, só isso já lhe garantiria uma performance mental e criativa totalmente diferente na volta às suas atividades. E se você é professor como eu, sabe que a partir desse 2018 isso será mais que um desejo, será uma necessidade, já que os rumos das práticas docentes, no Brasil e no mundo, estão mudando radicalmente daquilo que conhecemos nos últimos cinco decênios. E nunca mais será como antes, e nem será a mesma.
Por isso, resolvi juntar duas pontas importantes que, para os mais desatentos, parecem opostas entre si, e tecer esse meu primeiro texto do ano: ócio e aprendizagem. “Se você parar para pensar” é uma expressão muito conhecida (eu acabei de usá-la de propósito! Tcharaaaammmm!) que chama a atenção para uma consciência voluntária ao ato de pensar. Será? Na verdade, ela é um eufemismo para o fato de que você está sub-utilizando o processo por dar-lhe atenção apenas quando “torna-o consciente”, embora ele aconteça o tempo todo, mesmo que você não lhe dê a devida atenção.
Vamos trazer o filósofo Domenico de Masi para essa conversa, e falar de ócio criativo? Resumindo o conceito de De Masi, a teoria do ócio criativo aposta na ideia de que não somos formigas, para somente trabalhar. Por mais paradoxal que possa parecer, quando intervalamos o tempo de foco nas atividades cognitivas de alta demanda com períodos em que fazemos outras atividades que dão prazer, a produtividade aumenta.
Espero que o ócio criativo não seja confundido com não fazer nada. Hoje, ócio criativo significa trabalhar, se divertir e aprender” (Em entrevista ao Programa do Jô)
Para Domenico de Masi, e outros que concordam com ele, como Leandro Karnal, esse é um conceito que se aplica às atividades que envolvem produtividade mental ou cognitiva, atividades de profissionais que trabalham com conhecimento, criatividade, ideias, soluções de conflitos, gerenciamento de processos. É deixar de ser “tarefeiro” (como disse Karnal, no vídeo), de automaticamente repetir tarefas e passar ao foco, às funções cerebrais superiores, ao que nos torna professores, mestres, orientadores, curadores do conhecimento para as novas gerações. Identificou-se?
Ótimo! Voltando às férias, futuro e Educação…
Para o filósofo da teoria do ócio criativo, a sala de aula do Futuro seria algo como:
(a sala de aula do Futuro) É um lugar aberto e mutável onde professores e alunos podem satisfazer as necessidades de introspecção e de amizade, de amor e de divertimento, de beleza e de convívio. É uma ‘academia platônica’ onde se cultiva a teoria e, ao mesmo tempo, uma ‘oficina renascentista’ em que se exercita a prática. É uma comunidade pedagógica onde não se ensina a competitividade destrutiva, mas sim, a competição solidária. (Julho, 2007)
Sua sala de aula foi assim nos últimos anos? Bem, então a partir de agora deverá passar a ser, e não porque o ócio criativo se tornou uma febre, mas porque a era da tecnologia inverteu valores e criou novos balizadores para o que seja eficiência e produtividade. Conteúdo não é mais sinônimo de eficiência, assim como produtividade não é mais a capacidade de repetir tarefas mecanicamente. Como tudo o mais que emergiu da era industrial – linhas de produção em massa, quantidade de saberes, repetição de tarefas – isso ficou para trás. Na era pós-digital, competências são mais importantes que o diploma, criatividade e inovação são mais importantes que conteúdo, e repetir tarefas é coisa de automação e de robôs.
Somos humanos, temos redes neurais que valem bilhões de neurônios ativos, treináveis, criativos, inovadores se estimulados adequadamente. E o ócio criativo cai como uma luva dentro desse novo contexto de importância para as práticas docentes. Vamos trazer Daniel Goleman à baila, a esse ponto do texto? Um dos melhores psicólogos do nosso século é colunista do New York Times para os temas foco, inteligência emocional e neurociências da aprendizagem e produtividade cognitiva.
Com Goleman conseguimos colocar um elo científico na nossa corrente de conexões entre ócio e aprendizagem: foco. O último livro de Peter Senge e Daniel Goleman (O Foco Triplo: uma nova abordagem para a Educação) descreve os três conjuntos de habilidades cruciais para se orientar em um mundo acelerado de distrações crescentes e envolvimento interpessoal ameaçado. O livro mostra como um foco triplo – interno, externo, e no outro – é capaz de instrumentar internamente os jovens para que possam contribuir e prosperar nesse novo ambiente tecnossocial.
A autoconsciência – dirigir a atenção para nosso mundo interior de pensamentos e sentimentos – abre caminho para termos o controle de nós mesmos. O foco interno nos permite compreender e lidar com nosso mundo interior, mesmo quando perturbado por sentimentos de inquietação. Uma das competências centrais para fazer isso é o modo como mobilizamos nossa atenção. Podemos voltar nossa consciência para dentro e podemos monitorar para onde dirigir nosso foco. Essas são habilidades vitais que nos manterão no caminho certo ao longo dos anos a ajudarão as crianças e serem melhores aprendizes.” (Trecho do livro O Foco Triplo)
Todo esse blá-blá-blá de férias e processos contínuos de foco, neuroplasticidade e aprendizagem pode ter muitos desfechos, mas eu escolhi o desfecho de como reunir os estudos e conceitos de Domenico de Masi, Leandro Karnal, Daniel Goleman e Peter Senge ao nosso novo ano na Educação. E depois disso tudo cheguei à quatro importantes conclusões:
– Professores passarão a ter um novo papel a partir de 2019 (aliás, já previ com vocês antes o Futuro Híbrido da Educação) e 2018 é o ano crucial da transição de competências: ou nos reposicionamos ou aceitamos ficar no banco de reservas do mercado competitivo da Educação. Não há mais volta aos modelos didáticos centralizadores e de massa.
– Nosso principal momento de ócio (pelas leis trabalhistas e a maior parte dos regimes de contratação docente vigentes até o presente momento) é o intervalo letivo das férias de final de ano. Se não passarmos a lidar com esse tempo de forma mais produtiva e criativa, sem necessariamente sobrecarregar com “agenda”, mas “exercitando” um cérebro que – na verdade – nunca parou de funcionar, muito em breve estaremos à margem daquele mesmo mercado de trabalho competitivo do item anterior.
– Nada de novo acontece por acaso, nem subitamente. Inovar é um processo, enquanto treinar as habilidades para atingir essa inovação é uma atividade. Aplicar os conceitos de ócio criativo e de foco interno é o PROCESSO que equivale a desenvolver as habilidades cognitivas: isso sim é compatível com nossas férias. Conheça-se, reconheça-se, perceba-se e planeje um mundo melhor para você nesse 2018 pensando em como ele é (ou deveria ser), em como você é dentro desse novo contexto (ou o que deveria saber fazer para fazê-lo acontecer) e a importância que deseja atingir (ou quais são suas expectativas), nesse seu novo 2018.
– Quando voltar às atividades, esse período de ócio criativo o levará – imediatamente – às necessidades personalizadas de ATIVIDADE, que é o treinamento das competências identificadas pelo processo anterior. Agora sim, em plena atividade de novo, é momento de mapear trajetos, cursos, formações, habilidades, tudo o que precisa para ser quem quer ser no 2018 que planejou para você. É o que tenho feito e o que sugiro fortemente que você faça!
Ao seguir essas dicas eu não garanto a você o sucesso meteórico em 2018, nem uma mudança radical e imediata nas suas práticas docentes tornando-o o popstar de sua instituição. Isso leva tempo: mais para uns, menos para outros. E para uma minoria, essa evolução não chegará nunca: são os que desistem no meio do caminho e se rendem (ou se apegam?) à zona de conforto da fase anterior até estarem totalmente ultrapassados e culparem a inteligência artificial, as tecnologias e o mundo pela desvalorização do seu trabalho.
A que grupo você pertence? Você decide. Mas mesmo para decidir, é preciso pensar, é preciso “parar para pensar”.
E como já dissemos, seu cérebro não para nunca. Então, porque não aprender a desenvolver o ócio criativo nesses dias que nos restam de intervalo para tentar algo novo, pensar algo novo, focar em algo novo e alcançar algo novo? Há um mundo inteiro mudando de paradigmas em 2018: aproveite a carona! Forme grupos com colegas ou não. Escolha caminhos personalizados ou comece trilhando espaços compartilhados. Ganhe segurança ou desenvolva-a dividindo com seus pares as tarefas mais difíceis. Não importa a forma, desde que você encontre a sua.
Tempo é uma parte da sua vida que não volta e, portanto, não tem preço. Nas férias, seu tempo é seu: o que você faz com ele? Nos dias letivos, seu tempo é da Instituição: o que você faz com ele? Responda a essas duas perguntas com sinceridade e você terá compreendido todo o texto. Você terá aprendido a aprender, dentro do seu próprio contexto.
Um feliz 2018, cheio de ócio, produção, criatividade, novos espaços, muita leitura e muito sucesso para todos nós!
Imagem da capa: OHLAB / Oliver Hernaiz Architecture Lab, House MM, Palma de Mallorca, Spain
Interessante, porém otimista demais! Acho que conhece pouco realidade nacional de norte ao sul do pais. Em todo caso, uma pensadora entusiasmada!
Obrigada Amauri! Vi que somos colegas institucionais: também sou professora da UFPR, mas no momento estou em colaboração técnica na UFC. Ao longo da minha carreira passei por muitas IES, em diferentes regiões e estados do país. Talvez sso tenha gerado meu otimismo e entusiasmo: gosto de ver soluções! E como nenhuma solução é totalmente pronta, busco o melhor construto para o tempo/espaço/viabilidade em que me encontro. Afinal, não fossem os otimistas, ainda pensaríamos no celular apenas como um telefone, certo?! Feliz 2018!
[…] o potencial de transformar nossa vida profissional no pós-pandemia. Aliás, venho escrevendo (e praticando) sobre essas mudanças há muito tempo, em muitos espaços presenciais e […]