O dia do Exponential Medicine começa na praia. Às sete horas da manhã iniciam-se os exercícios de meditação, as aulas de ioga e os grupos de caminhada e corrida.

Tudo isso ocorre na frente de um hotel em Del Coronado, na Califórnia, com uma arquitetura tipicamente americana, mas que transmite uma atmosfera muito agradável e localizado em uma das praias mais bonitas dos EUA, como eles próprios dizem.

Às oito em ponto, todos estão tomando café. O bacon está presente, mas em quantidades cada vez menores. Aumentam as opções vegetarianas, sem glúten, açúcar ou lactose.

De repente, se houve ao longe o rock no Ballroom, anunciando que as palestras vão começar.

De cara já começa com um convite para a coleta de material com swab na cavidade oral. Essa coleta servirá para pesquisa de gens compatíveis com doenças de natureza genética.

A ideia disso é difundir a prática do conhecimento do genoma, algo que deve se tornar normal dentro de pouco tempo, além da criação de um grande banco de dados.

Já no evento, Daniel Kraft, o curador da conferência, e diretor da Faculdade de Medicina e Neurociência na Universidade Singularity, levou o público a um passeio pelos mais recentes desenvolvimentos na área da saúde e da medicina.

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Todd Huffman no palco. Ele é o fundador e CEO da 3Scan, uma empresa que está reinventando o fluxo de trabalho e a prática da patologia convencional.  A 3Scan criou um novo microscópio robótico usando uma tecnologia chamada Knife Edge Scanning Microscope (KESM). A KESM automatiza o corte e examina amostras de tecido para produzir conjuntos de dados de alta resolução dessas amostras. Em seguida, usa o que ele chama de “técnica de corte de série” para construir um modelo 3D do tecido. (Crédito: Exponential Medicine)

Começamos a assistir em sequência, todas as explicações de projetos visando uma medicina de precisão, que aborda além da herança, perfis individuais específicos, que vão orientar questões relativas ao bem estar, principalmente em relação aos exercícios físicos, até os elementos mais definidos da farmacogenômica (individualização baseada no genoma das interações com os fármacos).

Segue a palestra sobre o microbioma (a flora bacteriana que nos habita). Dessa vez o transplante fecal e a descrição pormenorizada de todas as cepas ficaram em segundo plano. As atenções estão voltadas para as interações entre as cepas em ambientes e tempos diferentes.

Para isso, são necessários estudos que requerem modelagem matemáticas muito elaboradas, processamentos de supercomputadores, o que demonstra cada vez mais a complexidade na compreensão destes ecossistemas.

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Marc Goodman, futurista e adviser em segurança global, fala sobre o futuro dos crimes, BioCrime, e a Internet das Coisas (Crédito: Exponential Medicine)

Na sequência, vimos que a medicina caminha para que cada pessoa tenha a sua nuvem de armazenamento de dados fornecidos por sensores, câmeras fotográficas e textos. Isto é big data

O próximo passo é submeter esses dados à inteligência artificial, o que significa processá-los sob algoritmos complexos na tentativa de identificar um padrão.

E para que tudo isso?

A ideia é reconhecer a transição, ou o início de quando uma pessoa começa a adoecer. E nessa transição, qual seria o melhor momento para a intervenção e reversão desse processo, sem traumas.

É a saúde na sua definição mais ampla, considerando todas as vertentes: psicológica, social, física, ambiental, funcional e outras.

Dessa forma, as intervenções acontecendo de forma precoce, evitaria a intervenção convencional, que tem deixado muito a desejar, além de ter atingido preços astronômicos, ficando assim reservada para poucos que podem pagar, além do caráter mercantilista e seus naturais desvios pelas pressões do lucro.

Democracia, onde o modelo serve para todos, literalmente.

Paradoxalmente, a participação digital confere o caráter individual, na medida em que cada um tem a sua nuvem e os padrões são fluídos, indicando tendências e diversas opções de intervenção para recuperar o rumo.

E dentro dessa filosofia, acreditando que o bem estar preserva o status de saúde e que essa condição é determinada por critérios científicos, desperta-se o interesse das grandes empresas.

Por exemplo, a Johnson & Johnson anuncia a criação de uma comunidade para acompanhamento de longo prazo, assim como o experimento de Framingham, para eventos cardiovasculares.

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Dra. Sangeeta Bhatia falando sobre diagnóstico precoce do câncer com nanosensores e testes de urina. (Crédito: Exponential Medicine)

Preditiva, Preventiva, Personalizada e Participativa. Quatro Ps, tudo isso podendo ser acessado do smartphone, tanto para alimentar o banco de dados, como para pesquisar informações…

E funciona bem parecido com os games, interagindo para configurar um perfil satisfatório. Sem intervenção externa. Faça você mesmo, assuma a responsabilidade pela sua saúde.

Por exemplo, períodos longos de privação de sono disparam o alarme, relacionando-se com outros hábitos, e sugerindo formas de recuperação, antes que consequências como alterações de humor, ganho de peso, dentre outras comecem a aparecer.

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Vinod Khosla: “Hoje, a fonte mais consultada sobre Medicina é o Wikipedia” (Crédito: Exponential Medicine)

Networking, novidades e uma frustração

No coffee break, aproveitamos para visitar os expositores, que variam desde um gadget que ajusta a postura da coluna, até a última versão do Da Vinci, o que há de mais moderno em cirurgia robótica.

Antes do almoço, assistimos iniciativas que trazem resultados magníficos, com soluções muito simples, mas com objetivos bem definidos…

É o caso das oficinas múltiplas iniciadas em Israel, cuja ideia é criar respostas individuais locais, sem o menor compromisso com qualquer referência de ganho de escala ou design arrojado.

Basicamente são criadas órteses, cadeiras de rodas, camas, móveis, para um público que não pode pagar, tudo feito a partir de sucatas.

O interessante é que essas oficinas se multiplicam sem muita explicação e produzem conceitos de muita inspiração.

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Da Vinci Sistemas Robóticos (Crédito: Da Vinci)

No almoço (com opção vegetariana), vimos e conversamos com pessoas do mundo inteiro, com formações das mais diversas (engenharia, medicina, finanças, assistentes sociais, TI, educação física, ioga, meditação, música, artes visuais, design e outras). Neste ano, havia muitos brasileiros.

Logo depois, tínhamos várias opções para conferir.

Escolhemos assistir o concurso das startups, algumas com participantes teens, que apresentaram propostas de grupos em redes sociais, direcionados a discussão dos problemas de saúde que afligem essa faixa etária, com o objetivo de encontrar os seus pares e adquirirem mais conhecimento do problema.

Estes jovens competiram com softwares desenhados por médicos para conseguir maior comprometimento das equipes hospitalares, com utilização de sensores, que liberariam os profissionais de tarefas muito burocráticas e repetitivas.

O que as soluções têm em comum é reconhecer que os problemas devem ser enfrentados com novas perspectivas e auxílio das novas tecnologias.

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Esse é um dos slides da palestra que mais me impressionou, que foi a do Dr. Leroy Hood, médico, cientista, que participou do projeto genoma. Ele apresentou o modelo da medicina contemporânea do futuro; individual versus populacional; dados personalizados em nuvem versus média populacional; foco só em doença versus foco também no bem-estar; caríssima versus custos drasticamente reduzidos.

Na continuação, como não poderia deixar de ser, nos deparamos com demonstrações de procedimentos cirúrgicos já conhecidos e bem estabelecidos, porém utilizados em variantes ainda não publicadas e com material recentemente desenvolvido.

Nessas horas nos ocorre que talvez estejamos diante de algo incremental. Uma evolução linear, sem a presença de um evento disruptivo.

São soluções que vão sempre passar pelo período de ajustes, em que pequenos incrementos talvez tenham efeitos exponenciais, analisados sob outros critérios.

Sempre aparece no final da tarde alguém para tocar e cantar. Dessa vez, a música foi utilizada para criar o bem estar, através da estimulação de áreas específicas do cérebro auxiliando na reabilitação física, mas com muita utilidade também nas terapias comportamentais. E vão perguntar qual a novidade nisso?

Tudo documentado com eletroencefalograma e obtido via digital. Facilmente reproduzido. Fantástico!

O jantar é no jardim do hotel, com tochas e aquecedores, muitos legumes, vinhos, e cervejas. Mas, ainda tem coisas para fazer. Algumas pessoas foram bater tambor em torno de uma fogueira na praia.

Havia também a chamada UnConference. Trata-se da oportunidade de qualquer um apresentar uma ideia ou projeto seja lá em que estágio ele esteja.

Nos dois primeiros anos que participei, apresentei o meu projeto que é baseado na monitorização das respostas autonômicas como critério de saúde, ou falta dela. Mas, esse projeto não despertou ainda o interesse deles.

Sempre achei que era assim mesmo, mas esse ano sequer fui aceito para a apresentação. Unconference literalmente.

Isso me abalou, porque apesar da farta literatura acadêmica não consigo sensibilizar as pessoas para uma exploração na área da inovação. É assim mesmo. Quem sabe no ano que vem? Vou voltar.

Marcelo Magalhaes

Médico clínico geral com especialização em terapia intensiva, atua no HU UFRJ, no Hospital Miguel Couto e no Hospital Procardíaco. Há quatro anos vem participando do Exponential Medicine da Singularity University e trabalhando em seu projeto de bem estar através da aquisição de dados autonômicos como forma de monitorização do status de saúde. Participa também de discussões sobre uma redefinição dos sistemas de saúde, que objetivem a abordagem do bem estar de forma científica, e o empoderamento do cidadão na gestão da sua saúde.

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