E o futuro? Talvez essa seja a pergunta mais escutada nos tempos de pandemia. E o futuro de meu negócio? E o futuro do meu trabalho? E o futuro da educação para meus filhos? E nosso futuro emocional? E o futuro do lazer? E o futuro econômico de nosso País? Ficaria aqui horas para listar todas as interrogações sobre todos os futuros que nos inquietam. Porém, mais do que dar respostas para todas as inquietações, trago aqui reflexões sobre o papel do futurismo, do cool hunting e dos estudos que se dedicam a compreender este presente complexo, caótico e contraditório para criar rotas de futuro.

A pandemia acelerou futuros e nos jogou na cara a complexidade de um mundo em profunda transformação. Um mundo que já estava expelindo modelos lineares, hierarquias, burocracias, estruturas rígidas e pensamentos baseados no resultado a qualquer custo. A pandemia nos jogou na cara um futuro que ainda parecia distante. Como disse o publicitário Rohit Bhargava, fundador da consultoria de tendências Non-Obvious Company, em recente entrevista, “o futuro ficou no passado”. A incerteza e a sensação de descontrole é um sentimento que tomou conta das pessoas e dos negócios. Ou será que apenas perdemos a ilusão do controle? Como descreveu a futurista Amy Webb “Se você já dirigiu em uma estrada escorregadia cheia de gelo, o instinto da maioria das pessoas é pisar no freio. E por que pisamos no freio? Porque o ato de pisar no freio nos faz sentir como se tivéssemos o controle novamente. E a razão pela qual sentimos que temos controle, é porque achamos que sabemos qual será o futuro. Se pisar no freio, o carro irá parar, ficaremos bem”, compara ela.

Isso obviamente funcionaria se estivéssemos no comando de todas as variáveis, mas não estamos. Então, pisar no freio e ficar esperando que as coisas não mudem ou voltem a ser como costumavam ser, é uma ótima maneira de se acidentar. Acelerar o carro também não será uma boa alternativa. O carro pode derrapar.

O que fazer então? O que podemos aprender com a metáfora utilizada por Amy? Hoje a solução não é mais frear ou acelerar como antes. O momento pede por observação, análise, interpretação. É por isso que, a sociologia, a antropologia e o entendimento do comportamento humano e os profissionais que trabalham com futurismo e análise de comportamento, são peças chave para “ver” neste grande nevoeiro e enxergar possibilidades. Nesse momento, a compreensão das interações sociais (mesmo que digitais), a observação e o entendimento das motivações humanas são a chave para ver mais longe e construir futuros. O entendimento da vida das pessoas durante a quarentena, suas rotinas, suas interações virtuais e os comportamentos que já estavam em curso e se aceleraram, são o ponto de partida para explorar cenários e possibilidades de um futuro próximo. É tempo de reflexão, de entendimento do mundo, das sociedades, da cultura. É tempo de expandir nosso entendimento de mundo antes de lançarmos alguma solução que não corresponda mais a sociedade pós pandemia.

E como se faz isso?  Existem muitas disciplinas que estudam o futuro. Todas elas juntas formam um grande grupo, que podemos batizar de Future Studies. Cada disciplina, tal como cool hunting, futurismo, pesquisa de tendências, tem um propósito, uma técnica, um campo de observação. Essas disciplinas procuram desvendar o que chamamos de zeitgeist. Zeitgeist é um conceito da filosofia alemã do século XVIII ao XIX, que significa “espírito da época”. Em alemão, Zeit, tempo e Geist, tempo ou espírito/fantasma. Refere-se a um agente ou força invisível que domina as características de uma dada época na história do mundo. O termo foi introduzido inicialmente pelo escritor alemão Johann Gottfried von Herder, para designar o que seria o “espírito do tempo”. Seu conceito, reforça a ideia de um clima cultural, social e intelectual que permeia toda a atmosfera global. O zeitgeist é um retrato da época que vivemos, como a sociedade se comporta, quais são seus anseios, o que as pessoas estão buscando.

Agora, faça um exercício de imaginação e procure descrever o que seria o zeitgeist deste momento? Poderíamos narrar a adesão em massa ao home office, poderíamos falar sobre movimentos de solidariedade ao redor do mundo, poderíamos descrever uma crise econômica sem precedentes com centros comerciais, restaurantes e bares fechados, poderíamos falar do sentimento de solidão, ansiedade e isolamento das pessoas, poderíamos falar do crescimento do e-commerce e da digitalização…..

Esses, são apenas alguns sinais, que nos ajudam a compreender os valores de nosso zeitgeitst agora. Assim como estas pistas, o caçador de tendências, profissão que atuo desde 1999, procura sinais no presente para realizar inferências sobre o futuro.  O termo cool, utilizado para definir uma das modernas práticas de previsão de tendências e comportamentos, parece hoje estar restrito a uma aura inatingível e inacessível aos simples mortais. O que as pessoas não sabem, é que essa prática pode ser apreendida. Existem metodologias para isso.

A atividade, como alguns dizem, não é simplesmente caçar o que é up to date. Uma das grandes chaves para entender esta prática é compreender que o extraordinário é o próprio cotidiano: pessoas comuns capazes de emitir sinais sutis de mudanças que podem ou não se transformar em novos padrões de comportamento. Um futuro que contenha de alguma forma o presente. Imagine com essa afirmação, quantos futuros estão contidos em nosso presente hoje? Existem dois métodos para realizar análises: o chamado forecasting e o backcasting. O primeiro, envolve a previsão dos valores futuros (desconhecidos) das variáveis dependentes com base nos valores conhecidos da variável independente. O segundo, é método usado por futuristas que é chamado de “voltando do futuro” (backcasting). O backcasting é um método de planejamento que começa com a definição de um futuro desejável e depois trabalha para trás para identificar políticas e programas que conectarão esse futuro especificado ao presente.  Ambos, nos ajudam a lidar com o futuro.

O cool hunting, que pratico há 20 anos, aproxima-se mais da observação e previsão de tendências, o forecasting. O caçador de tendências utiliza um dos métodos considerados mais eficazes de investigação: a observação da realidade através de inúmeros indícios. O trabalho consiste em observar a vida, conhecer a realidade local, o tecido urbano e seus fenômenos mais significativos. O cool hunter não é um simples observador das práticas e modas de vanguarda; ele procura compreender a essência dos fenômenos, suas motivações e consequências e avaliar os resultados e o desenrolar das tendências. Desse modo, é possível diferenciar as manifestações pontuais das tendências de fato. Esse profissional, em última análise, precisa construir uma visão de futuro a partir de indícios do presente. O cool hunting se aproxima muito mais de um “fazer artístico” dotado de sensibilidade, intuição e imaginação de cada um, aliado às metodologias desenvolvidas por laboratórios e institutos que trabalham com tendências.

Nesse momento, essa ferramenta e esse fazer artístico são de extrema importância. Temos uma oportunidade – individual e coletiva – de começar a imaginar e mapear futuros. Pois como nos diz a célebre frase do economista americano, Milton Friedman,  ganhador do prêmio Nobel de 1976: “Somente uma crise – real ou percebida – produz mudanças reais. Quando essa crise ocorre, as ações tomadas dependem das ideias que estão por aí”. O cenário nos pede por criarmos ideias; ideias estas que podem ir na direção oposta de um futuro distópico. É hora de começar a pensar onde há risco e onde há oportunidade e como podemos modelar futuros. “Nenhuma sociedade escapa à mudança“, diz Maria Bothwell, da Toffler Associates. “Mas como mudamos depende de como nos vemos como indivíduos e grupos vivendo o agora”, completa.

Agora temos que ser todos um pouco futuristas e caçadores de tendências. Não como profissão, mas como nova habilidade de compreensão de nosso zeitgeit e de nossos futuros. Então, evoco Pablo Picasso para que possamos pintar esse futuro, vivendo os sinais de mudança do presente como um presente:  “Há pessoas que transformam o sol numa simples mancha amarela, mas há aquelas que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol”. Sejamos todos estes que transformam essa simples mancha de futuro em um grande e ensolarado futuro.

Para aprender a caçar o futuro, clique aqui ou na imagem acima.

Crédito da imagem da capa: Lee Kyutae, aka Kokooma.

Sabina Deweik

Sabina é caçadora de tendências, futurista, pesquisadora, consultora e educadora. Atualmente atua rastreando, digerindo e interpretando sinais de futuro, com palestras, cursos, mentorias e conteúdos para marcas, organizações e empreendedores. Formada em jornalismo pela PUC-SP, tem mestrado em Comunicação e Semiótica também pela PUC e Mestrado em Comunicação de Moda pela Domus Academy, de Milão. É também coach ontológica certificada pela Newfield Network do Chile, atuando em processos de desenvolvimento humano.

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