Nesse novo século as audiências (e não mais meros consumidores) buscam alguma forma de identificação com as marcas com as quais irão se relacionar.

As marcas, por sua vez, entenderam que mais do que produtos e serviços, as pessoas procuram experiências, formas de se identificar, relacionar e, no extremo dessa relação, validar suas próprias personalidades.

Esse relacionamento já acontece em vários pontos de venda, nas chamadas “Flagship Stores“ou ainda “Concept Stores“, onde, em um ambiente 100% controlado, as marcas promovem o seu “universo” por meio de experiências sensoriais que envolvem quem nelas entra.

Vivemos em um mundo majoritariamente urbano, o Homo Sapiens já pode se considerar Homo Sapiens Urbanus (ONU). Com uma população mundial crescendo exponencialmente, é possível entender que as cidades, em particular os grandes centros urbanos, com toda sua rede de apoio e oportunidades, serão o destino de um número cada vez maior de indivíduos.

Isso torna a cidade, e as questões que a envolvem, um assunto ao mesmo tempo contemporâneo e relevante, não só para políticos ou planejadores urbanos, mas para todos que se relacionam com ela e, claro, para as marcas, que precisam entender como se relacionar com as suas audiências nesse novo contexto.

Com o passar do tempo nos acostumamos a perceber a publicidade como algo negativo, muitas vezes relacionada como uma forma persuasiva de comprarmos aquilo que não precisamos ou até não queremos. O nosso próprio cérebro criou algumas barreiras evolutivas para lidar com o excesso de estímulos visuais a que somos expostos diariamente.

Podemos afirmar que adianta muito pouco uma profusão de logotipos se quisermos ser percebidos, ou seja, tudo se volta para a experiência e isso as marcas já entenderam. Nesse sentido a própria proibição dos anúncios de cigarros contribuiu para a “evolução” da publicidade em direção a experiência.

Essas instalações ou ‘Hotéis Marlboro’, como são conhecidos no ramo, geralmente consistem em um salves cheios de confortáveis sofás forrados de vermelho Marlboro posicionados em frente a televisores que ficam passando cenas do Velho Oeste – com seus rústicos caubóis, cavalos galopantes, amplos espaços abertos e imagens de opoentes avermelhados projetados para evocar a essência do icônico ‘Homem Marlboro’.” (LINDSTROM , 2009, p. 75)

Mas se já é assim há algum tempo, qual a novidade?

O fato é que as marcas sabem lidar pouco com o ambiente urbano, usando a cidade e os espaços públicos como palco para eventos e não de forma sistêmica e nem mesmo estratégica.

(Crédito: Caio Esteves)

A vocação da publicidade na urbe é muito mais gerar experiências positivas para as pessoas do que de fato vender produtos, na verdade vender produtos é uma consequência em qualquer um dos casos.

Naomi Klein ( 2002), no controverso ´Sem Logo´ já dizia, “marcas, não produtos” também amparada por Phil Knight, CEO da Nike que proferia “Não há mais valor em produzir coisas. O valor é agregado pela pesquisa cuidadosa, pela inovação e pelo marketing”. Se as marcas precisam criar experiências nada mais inteligente e pertinente do que a associação de marcas a qualificação dos espaços públicos.

Verbas de publicidade conseguidas através de elementos publicitários bem colocados podem promover um lugar e ancorar mudanças na qualidade urbana.

Mas não adianta encher a cidade de totens publicitários, pontos de ônibus envelopados e relógios (sim, relógios) patrocinados. Não podemos trocar uma qualidade por outra, ou ainda, entender que a poluição visual é menos pior do que a ausência de espaços públicos qualificados. É preciso encontrar um equilíbrio.

Público ou privado?

Como encontrar esse equilíbrio sem transformar as cidades brasileiras em Tóquio ou Times Square?

Entendendo o contexto cultural e, mais do que isso, criando experiências pertinentes entre as pessoas (sim, as marcas também são feitas por pessoas) e, claro, doses superlativas de bom senso.

Nesse momento de incapacidade do poder público no que se refere ao cuidado dos espaços públicos, pode caber as marcas (as espertas pelo menos) ocupar essa lacuna ao invés  de gastar os seus milhões de reais em publicidade abrangente e genérica, modelo comprovadamente obsoleto. Vejamos como nós, seres humanos lidamos hoje com a publicidade tradicional:

Ao chegar aos 66 anos de idade, a maioria de nós já terá visto aproximadamente dois milhões de anúncios de televisão. Contando de outra forma, isso equivale a assistir oito horas de comerciais, sete dias por semana, durante seis anos seguidos. Em 1965, um consumidor típico lembrava 34% dos anúncios. Em 1990, esse percentual havia caído para 85.” LINDSTROM, 2009, pag.41

Antes que alguém me acuse de privatização do espaço público, adianto que a ideia passa longe disso. Não se trata de marcas ocupando de forma privada a cidade e sim de marcas qualificando o espaço público, promovendo experiências capazes de criar conexões entre pessoas e marcas e ainda benefícios para todos os cidadãos.

Nesse sentido, um exemplo bem resolvido, são os parklets. Esse equipamento que troca uma vaga de estacionamento de carros por um espaço de convivência para pessoas, tem em muitos dos seus projetos o patrocínio de uma marca. Alguns casos bem sucedidos e outros nem tanto, o fato é que o precedente já existe, embora ainda circunscrito a um tipo específico de uso.

Atrás da identidade num mar de pessoas

O place branding – abordagem que trata os lugares como marcas, identificando sua vocação, potencializando sua identidade e fortalecendo os lugares – atua como forma de entender o contexto cultural (mais precisamente das pessoas que moram/ frequentam/ passam no lugar) e de uma maneira assertiva e transformadora, conectar a identidade dos lugares a identidade das marcas, nesse caso específico da publicidade como âncora de transformação.

Além disso, não basta conectarmos identidades para entregarmos logotipos blindados pelo darwinismo – esse alinhamento de identidades é capaz de gerar inputs relevantes para a criação de conteúdos capazes de criar a identificação entre pessoas e marcas. Mas, muito além de entregar um conteúdo alinhado e personalizado, os equipamentos publicitários tem a possibilidade de alavancar lugares e tornar uma cidade mais vibrante.

Após todos os avanços dos últimos regramentos como a Lei Cidade Limpa é preciso entender não só a demanda por esses equipamentos, mas, principalmente, a sua necessidade.

O que imaginamos é que, mais do que comunicar simples mensagens publicitárias, essa “nova publicidade ”  pode ser construída a partir de uma abordagem colaborativa, afinal não adianta só entender quem usa, passa ou mora no lugar, mas também o que eles gostariam de ver, experimentar naquele lugar.

É impossível ser feliz sozinho

É preciso não só colaboratividade, é preciso interação, interação entre pessoas e tecnologia. Muito se fala das smart cities, mas para elas fazerem sentido é preciso existir smart citizens, algo só alcançado com pilares como colaboração e interação, que por sua vez só acontecem quando existe relevância e identificação.

O futuro das marcas nas cidades é mais o de promover experiências positivas nos espaços públicos, criando cidades mais vibrantes e habitantes mais felizes do que comunicar simplesmente seus produtos e serviços.

Só falta elas saberem disso.

Referências Bibliográficas

KLEIN , Naomi. Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. Rio de Janeiro: Record, 2002.

LIND STROM , Martin. A lógica do consumo: Verdades e mentiras sobre or que compramos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

Caio Esteves

Caio Esteves é Global managing partner of placemaking na Bloom Consulting. Fundou em 2015 a Place For Us, a primeira consultoria especializada em Place Branding do Brasil que, em 2020, se juntou a Bloom Consulting. É também autor do livro Place Branding e co-autor da versão brasileira do livro Imaginative Communities.

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