A humanidade sempre enfrentou situações difíceis como catástrofes, doenças e guerras. A sobrevivência da nossa espécie teve a ver com resiliência, tenacidade e adaptação. “Os humanos modernos sempre encontraram mais de uma maneira de fazer algo. E as soluções que imaginavam para um problema costumavam ser adaptadas para resolver outro”, explica o arqueólogo John Shea, da Universidade Stone Brook, em Nova York.

Embora o significado de adaptação, do ponto de vista biológico, esteja intimamente relacionado à sobrevivência, ser adaptável é mais do que apenas não morrer.

Adaptar-se é integrar-se, ambientar-se, tornar-se apto e ajustado. Anteriormente, apesar das muitas rupturas que precisavam ser suportadas, havia uma menor necessidade de reinvenção. Mudanças evolutivas levavam duas ou três gerações até se transformar em algo radicalmente novo.

Com a aceleração das mudanças, aprimoramos a nossa capacidade de integração, ambientação e ajustamento, nos tornando mais adaptáveis e menos resistentes ao novo.

Chegamos ao ponto em que a atual velocidade da evolução tecnológica ultrapassou a capacidade do ser humano médio e das estruturas sociais de se adaptarem às novidades e de  absorvê-las, como tinha previsto o cientista e escritor inglês Eric Teller, CEO do Laboratório X de pesquisa e desenvolvimento da Google (1).  A humanidade começa a sentir que está integralmente desadaptada.


Gráfico da adaptabilidade humana de Eric Teller. (Fonte: FRIEDMAN, Thomas L. Thank you for being late: An optimist’s guide to thriving in the age of accelerations. Farrar, Straus and Giroux, p.44, 2016)

Na geração do meus pais, concluir uma faculdade era sinônimo de estar preparado para exercer uma profissão durante a vida toda. O conhecimento era como uma piscina cheia de água, que precisa de constante tratamento para que não se deteriore. Mas, a água é sempre a mesma. Quando muito é necessário complementar aquela água que evaporou ou foi jogada fora durante o processo de limpeza.

Meu pai era contador. Concluiu a faculdade, fez uma especialização lato senso – o que já era um diferencial para a época – e depois disso sua atualização profissional consistia basicamente em ler informativos sobre as mudanças na legislação. Mesmo que a legislação mudasse constantemente, a metáfora da água na piscina se aplica bem a esse caso. As atualizações consistiam em manter seu conhecimento tratado, limpo e transparente para o uso.  

No caso dele, a informática passou a ser uma ferramenta de trabalho nos seus últimos 5 anos de trajetória profissional. Embora a disponibilidade do computador tenha proporcionado um ganho de eficiência, sua rotina de escrituração contábil, fiscal e trabalhista não se alterou muito, tendo sido suficiente uma rápida reorganização dos métodos e a contratação de um digitador para fazer a interface entre o método analógico e o digital.

A rápida defasagem

Hoje, o ensino superior, além de ser insuficiente para a consolidação em uma profissão, muitas vezes forma profissionais cujos pressupostos ensinados durante sua formação rapidamente já estão defasados.  

A piscina hoje é enchida com nitrogênio líquido. O conhecimento é altamente volátil  e possuí-lo deixou de significar necessariamente um desenvolvimento. Desenvolver significa crescer e  progredir e um conhecimento só promoverá desenvolvimento enquanto ainda tiver sua utilidade.

Explico melhor nessa equação:

[D = AC x U]

Onde, “D” representa o desenvolvimento profissional, “AC” aprimoramento de competências e “U” utilidade.

Assim, às mudanças aceleradas promovem a diminuição da utilidade das competências aprendidas e, por consequência, um menor desenvolvimento profissional, mesmo com um maior esforço de aprimoramento.  O esforço necessário a uma adaptação é maior e crescente.

Como escreveu o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, estamos vivendo uma “vida líquida” em uma “modernidade líquida”. Uma sociedade em que as condições mudam mais rapidamente do que o tempo necessário para a consolidação, nos hábitos e rotinas dos modos de agir.

Segundo Bauman, em uma sociedade líquida, vivemos uma vida líquida, depois que as realizações pessoais não podem se solidificar em posses permanentes, porque, rapidamente, os ativos são transformados em passivos e capacidades em deficiências (2).

Existem muitos indícios de que às estruturas da nossa sociedade não acompanharão o ritmo das mudanças  nos oferecendo apenas duas alternativas:

1- Desacelerar a tecnologia, o que parece não ser a melhor e nem a mais viável decisão; ou

2- Incrementar a capacidade de nos adaptarmos.

Para ativar a capacidade de adaptação de indivíduos na nossa sociedade, em particular a adaptação às mudanças profissionais, antes de tudo é premissa entender que essa capacidade pode ser treinada e desenvolvida.

A adaptabilidade de carreira é um resultado; um fenômeno originado pelo agrupamento de outras competências que são seus fatores causais. Entendendo esses fatores causais é que poderemos interferir intencionalmente para seu fortalecimento. Então vejamos:

Uma pessoa com boa adaptabilidade tem fortalecidas as seguintes dimensões globais (3)

Dimensão preocupação: tendência de considerar a vida a partir de uma perspectiva temporal ancorada na esperança e no otimismo. Ter um senso de direção em termos do futuro profissional leva você a atitudes de planejamento, antecipação e preparação. Pessoas com essa dimensão desenvolvida refletem sobre como será seu futuro profissional, cuidando de suas carreiras e se preparando, pois percebem que o futuro depende das escolhas de hoje.

Dimensão controle: sentir-se responsável por construir ativamente sua carreira, fazendo escolhas e influenciando seu futuro de forma assertiva, em vez de procrastinar. Baseia-se na convicção de que é vantajoso poder não apenas usar estratégias de autorregulação para ajustar-se às demandas de diferentes contextos, mas também exercer algum tipo de influência e controle sobre o contexto. Ter essa dimensão desenvolvida significa tomar decisões por si mesmo, assumindo a responsabilidade pelo que você faz e defendendo suas convicções. Você  age com autonomia, fazendo a coisa certa de acordo com seu ponto de vista.

Dimensão da curiosidade: realização de descobertas e a busca de aprendizado sobre oportunidades e atividades de trabalho. O indivíduo curioso do ponto de vista da adaptabilidade de carreira é aquele que explora o ambiente ao seu redor, procurando oportunidades para se desenvolver como pessoa. Ele é aquele que explora as alternativas antes de fazer suas escolhas, estando atento às diferentes formas de fazer as coisas e analisando em profundidade as questões que lhe dizem respeito.

Dimensão confiança: crença em sua competência para atingir seus objetivos, mesmo diante de obstáculos. Pessoas confiantes dão o melhor de si, realizando tarefas de forma eficiente, resolvendo problemas e desenvolvendo novas habilidades. (4)

Estas dimensões fornecem a base para tarefas de desenvolvimento adaptável, traumas profissionais e transições entre empregos, também ajudando a encontrar maneiras de realizar as suas expectativas através da participação em várias atividades (5).

Em 2008, um grupo de psicólogos profissionais reuniram esforços para desenvolver um instrumento internacional e obter evidências e confiabilidade em uma escala que pudesse medir o nível de adaptabilidade de carreira de uma pessoa.  Através de um projeto chamado Projeto Internacional de Adaptabilidade de Carreira, desenvolveram o instrumento Career Adapt-Abilities Scale (CAAS).

O CAAS – Internacional é então composto pelas seguintes questões:

Dimensão preocupação:

– Refletir sobre como será seu futuro

– Perceber que o seu futuro depende das escolhas de hoje

– Prepare-se para o futuro

– Tomar consciência das escolhas educacionais e profissionais que precisa que fazer

– Planejar como alcançar suas metas

– Preocupar-se com sua carreira

Dimensão de controle:

– Manter-se otimista

– Tomar decisões que favoreçam você

– Assumir a responsabilidade pelo que faz

– Defender suas minhas convicções

– Agir com autonomia

– Fazer o que é o melhor para você

Dimensão curiosidade:

– Explorar o ambiente ao seu redor

– Procurar oportunidades para se desenvolver como pessoa

– Explorar alternativas antes de fazer uma escolha

– Estar atento a diferentes maneiras de fazer as coisas

– Analisar em profundidade as questões que te preocupam

– Ser curioso sobre novas oportunidades

Dimensão da confiança:

– Executar tarefas eficientemente

– Ser responsável e fazer as coisas bem

– Desenvolver novas habilidades

– Sempre dar o melhor

– Superar obstáculos

– Resolver problemas

Uma vez que o CASS demonstra excelentes estimativas de consistência interna (6), você  pode usar às dimensões acima para avaliar o seu nível de adaptabilidade de carreira. Uma pessoa com maior pontuação nessa escala tende a apresentar melhor adaptabilidade na carreira. Também é possível identificar quais são as dimensões que mais favorecem a adaptabilidade de carreira e quais são as que devem ser desenvolvidas. 

Esse é um dos caminhos para você ter um diagnóstico mais preciso sobre os fatores causais de adaptabilidade de sua carreira ou a falta dela. 

* * *

FONTES:

(1) FRIEDMAN, Thomas L. Thank you for being late: An optimist’s guide to thriving in the age of accelerations. Farrar, Straus and Giroux, p.40-49, 2016.

(2) BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Zahar, 2007.

(3) SAVICKAS, Mark L. Career construction theory and practice. Career development and counseling: Putting theory and research to work, v. 2, 2013.

(4) AUDIBERT, Alyane; PEREIRA TEIXEIRA, Marco Antônio. Escala de adaptabilidade de carreira: evidências de validade em universitários brasileiros. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 16, n. 1, 2015.

(5) SAVICKAS, Mark L. et al. Life designing: A paradigm for career construction in the 21st century. Journal of vocational behavior, v. 75, n. 3, p. 239-250, 2009.

(6) FARSEN, Thaís Cristine; FIORINI, Milena Carolina; BARDAGI, Marúcia Patta. Análises psicométricas de instrumentos validados em diversos contextos: O caso da Escala de Adaptabilidade de Carreira. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, v. 10, n. 2, p. 162-175, 2017.

Cortesia da imagem da capa: Scifab Media Mit Edu

Marcus Ronsoni

Diretor Presidente da SBDC – Sociedade Brasileira de Desenvolvimento Comportamental, Doutorando em Psicologia Social – Universidade Kennidy / Arg. – Facilitador Líder do Programa de Educação Empreendedora Empretec –(PNUD / UNCTAD / SEBRAE / ABC ).

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