Uma geração de pessoas foi criada na expectativa de que o bom trabalho é aquele associado a um salário digno e à possibilidade de ter carteira de trabalho assinada na qual conste a descrição do seu emprego, o valor da hora/trabalho e todos os direitos e garantias vigentes. Nesse “salário” estão envolvidas as férias de 30 dias, auxílio-doença, plano de saúde e seguro-desemprego.
Já faz algum tempo em que, boa parte das pessoas economicamente ativas, sabia bem o que estava acontecendo e sendo discutido nos seus respectivos sindicatos. Trabalhadoras e trabalhadores tinham um maior engajamento político nas questões do seu interesse. Não acredito que esse interesse desapareceu, mas parece ter se diluído diante das incontáveis informações que processamos diariamente. Há pessoas cada vez mais longe de se aposentar e as leis trabalhistas estão em constantes ajustes (ou desajustes).
Qual o modelo de trabalho ideal?
Uma condição ainda presente nos dias atuais e que pode ser economicamente interessante para alguns é prestar concurso público e usufruir de atrativos como estabilidade, baixíssimo risco de demissão e possibilidades de uma boa renda para quando aposentar (benefícios cada vez menos frequentes e ausentes na maioria dos novos concursos públicos). Neste caso, é frequente que se trabalhe por décadas de forma ininterrupta, desde ainda jovem e, muitas vezes, aposentando-se na chegada à sua velhice, momento em que as pessoas ficam mais entendedoras da sua vontade e do que o mundo pode lhes oferecer.
Há ainda quem trabalhe em um local pela manhã, com carteira assinada (celetista), e depois do almoço na condição de estatutária (servidora pública), por exemplo. O empreendedorismo também cresce no Brasil. São milhões de pessoas em busca de serem donas do próprio negócio ou que não encontraram possibilidades ou motivação em trabalhar em uma única instituição.
E o mundo mudou muito e rapidamente. Atualmente, muitas condições de trabalho antigas e atuais são criticadas e, até o momento, não sabemos bem qual o modelo ideal. Por décadas houve “certo orgulho” de quem trabalhava quarenta ou mais horas por dia e era considerado como workaholic. Até a família se sentia orgulhosa disso. Uma série norte-americana amplamente vista no Brasil retratava bem isso, mostrando uma personagem que se orgulhava em dizer que seu marido tinha “dois empregos” e que por isso muitos privilégios estavam presentes na vida dessa família. Na perspectiva do dinheiro que pode pagar as contas, proporcionar viagens anuais, trocar regularmente de carro e até guardar um pouco para a aquisição de um novo imóvel, esses dois ou três empregos eram sempre um bom negócio, um bom plano.
Trabalhar quarenta ou mais horas por semana, nos dias atuais, já pode ser visto como excesso ou um descuido de quem não se preocupa com o próprio bem-estar, em ter mais tempo para uma participação mais ativa e presente junto à família e também pelo não planejamento da sua longevidade e chegada à velhice. Hoje, adicione-se também mais outras tantas horas com o uso das redes sociais e respostas sempre necessárias ou urgentes via celular e e-mail.
Maior imediatismo e vulnerabilidade
Mas aí vêm as novas gerações e as novas “flexibilidades trabalhistas” que, a meu ver, deixaram muitos trabalhadores e trabalhadoras em maior risco de vulnerabilidade e mudaram radicalmente a forma de estar empregado no Brasil e também em outros países. Parece existir um maior imediatismo nos resultados de uma carreira, seja no reconhecimento dos resultados, projetos realizados e, principalmente, na remuneração. Assim, pessoas que aprenderam a trabalhar sem essa velocidade, ficam perdidas e achando que as relações entre empregadores e empregados, ainda que se pareçam mais horizontalizadas, também parecem mais superficiais, sem grandes vínculos de propósitos e, constantemente, desrespeitando os ritmos de vida, como as rotinas de família e momentos pessoais.
Uma professora que se dedica meses para aprimorar um conteúdo, agora precisa se dividir entre trabalhar ou procurar oportunidades nos cursos on-line. Pode ser também um profissional de saúde ou de alguma outra área que agora precisa vencer sua timidez para divulgar, vender ou continuar a existir a partir das redes sociais. Até hoje não sei o que dizer quando vejo algum profissional “precisando dançar” em alguma rede social para chamar a atenção do seu público-alvo, quando o seu currículo profissional parece que tem menor peso e valor, dando vez a quem é mais extrovertido e quem fica mais à vontade diante das câmeras. E aqui não há qualquer julgamento, são mudanças que definem uma nova era.
Mas a expectativa de vida aumentada da população brasileira vem exigindo mudanças na forma como as populações adulta e idosa se relacionam com o trabalho. É cada vez mais frequente o número de pessoas que perceberam que não dá para ficar no mesmo emprego por tanto tempo, às vezes décadas, realizando atividades laborais que não as estimulem intelectualmente ou que não garantam uma maior visibilidade da sua competência. A escolha para qual lado ir, qual ramo escolher ou se vale persistir, deixa pessoas acima de quarenta anos inseguras quanto ao seu futuro.
E tudo isso acontece de forma tão rápida que observamos muitos adoecimentos. É crescente o número de pessoas que estão trabalhando em condições de sofrimento mental, com sintomas de ansiedade, stress e toda a repercussão no organismo, seja gastrite, dores cervicais e lombares, tontura, cefaleia e até queda de cabelo. Muitas empresas já estão incluindo no seu pacote de benefícios o manejo dessas condições, que pode demandar tratamentos prolongados, com atuação de diversos profissionais, não apenas da área da saúde, e gerando incertezas quanto a data exata para o retorno ao trabalho de pessoas em tratamento.
Uma relação “menos umbilical”
As relações atuais de trabalho geram mais instabilidade quanto ao tempo de permanência em um determinado emprego. Pessoas saem de uma empresa porque a chefia não as agradou, ou outra oportunidade surgiu, ou a aprovação em um curso tão esperado ocorreu, ou a vontade em ser mãe ou pai “chegou forte”, ou filhos demandam mais atenção ou o cansaço em viver um grandes áreas urbanas. Esses são alguns contextos que a relação “menos umbilical” com os empregos gerou para as novas gerações. E, aquelas pessoas citadas no início do texto, ainda estão aprendendo como lidar, como ficar bem, sem medo, sem angústia ou estresse quando se percebem envolvidas nesse novo cenário do mercado de trabalho.
As atuais modalidades de trabalho são ainda permeadas por discriminações a quem é velho, seja pela idade cronológica ou para o exercício de uma determinada atividade ocupacional. E é aí que tudo pode se complicar. Sem ações efetivas, como programas de capacitação ou de aprimoramento, que incluam as pessoas competentes ou com capacidade para desenvolvê-las, essas possíveis vantagens nas novas relações de trabalho poderão impactar os mais jovens, mas um pouco menos as pessoas adultas. Pessoas idosas ou velhas para as suas funções ficam descobertas e sem usufruírem dos benefícios das inovações tecnológicas que poderiam mantê-las inseridas nos espaços de trabalho que desejam!
A foto de felicidade e bem-estar
Num mundo globalizado e que busca incessantemente maior produtividade, lucratividade, informatização e consumo, preocupa-me o lugar dos trabalhadores e das trabalhadoras. Preocupa-me a condição de “descarte ou de reposição imediata” de pessoas com suas histórias de vida atreladas às atividades ocupacionais ou carreiras que exercem. Não é o valor das ações da empresa na Bolsa de Valores que deveria ser a métrica mais importante para expressar a qualidade de uma empresa!
Não temos exibido nos preços finais de produtos e serviços o bem-estar de trabalhadoras e trabalhadores envolvidos na sua produção. Faltam indicadores de satisfação e de orgulho de colaboradores da linha de produção ou do pessoal administrativo nas embalagens ou nas portas das instituições. Além das placas que exibem os dias sem acidentes de trabalho, falta também a placa indicando a quantidade de funcionários que se sentem felizes, reconhecidos, permanentemente desenvolvidos e adequadamente remunerados pelas atividades laborais que executam. Falta aquela foto real que mostra um ambiente intergeracional e com as diversidades de gênero e cor da pele apontando seus ótimos resultados.
Até lá, ainda vamos conviver com muitas frustrações, adoecimentos, desistências e o aumento crescente de pessoas desalentadas, que são tristes indicadores de um modelo de trabalho não adequado para um Brasil que ainda precisa aprender a ser mais justo e capaz de usufruir do valor da diversidade do seu povo. É preciso entender o nosso jeito de produzir alegria, bem-estar e boa renda para a população!
Ilustração: Jorge Colombo
Interessantíssimo seu artigo, Alexandre. Não poderia estar mais de acordo.
A porção final abre margem para uma discussão interessante, e ainda incipiente. Se falta indicadores de satisfação e de orgulho de colaboradores nos preços, nas embalagens, e nas portas das instituições, quais alternativas temos para além das que vemos por aí, e que sabemos que não funcionam ou não são suficientes (selo GPTW, etc)?