Uma noite mal dormida pode fazer com que fiquemos um pouco mal-humorados no dia seguinte, mas um novo estudo sugere que o egoísmo, a retração social e a falta de generosidade podem estar diretamente relacionados se estamos bem descansados ou não.

Essa nova pesquisa oferece evidências, tanto em nível individual quanto social, demonstrando que poucas horas de sono podem impactar nossa disposição em ajudar e ser gentil com os outros, com consequências no mundo real e na sociedade. O estudo foi realizado por cientistas da Universidade da Califórnia, em Berkeley e publicado ontem, dia 23, na PLOS Biology.

Sabe-se que a falta de sono está associada a um risco aumentado de doenças cardiovasculares, depressão, diabetes, hipertensão e mortalidade. No entanto, descobertas dessa pesquisa mostram que a falta de sono também prejudica nossa consciência social, fazendo com que não tenhamos mais desejo e vontade de ajudar outras pessoas.

O estudo liderado pelo pesquisador Eti Ben Simon, da UC Berkeley, e por Matthew Walker, professor de psicologia da UC Berkeley, soma-se a um crescente corpo de evidências que demonstram que poucas horas de sono não apenas prejudicam o nosso bem-estar físico e mental, mas também comprometem os laços entre as pessoas – e até mesmo o sentimento altruísta de uma nação.

“Nos últimos 20 anos, descobrimos uma ligação muito estreita entre a saúde do sono e a nossa saúde mental. Mas este novo trabalho demonstra que a falta de sono não apenas prejudica a saúde, mas degrada as interações sociais e, além disso, degrada o próprio tecido da sociedade humana”, pontuou Walker.

“Estamos começando a ver mais e mais estudos, como este, onde os impactos da insuficiência de sono reverbera naqueles ao nosso redor”, acrescenta Ben Simon. “Se você não está dormindo o suficiente, isso não prejudica apenas seu próprio bem-estar, mas prejudica o bem-estar de todo o seu círculo social, até mesmo com estranhos.”

O novo relatório descreve três estudos separados que avaliaram o impacto da perda de sono na vontade de ajudar as pessoas.

No primeiro estudo, os cientistas colocaram 24 voluntários saudáveis ​​em um equipamento de ressonância magnética funcional (fMRI) para escanear seus cérebros após oito horas de sono e também após uma noite sem dormir. Eles descobriram que as áreas do cérebro que ficam ativadas quando as pessoas sentem empatia ou tentam entender os desejos e necessidades dos outros, ficavam menos ativas depois de uma noite sem dormir. “É como se essas partes do cérebro não respondessem quando tentamos interagir com outras pessoas depois de não dormirmos bem”, explica Bem Simon.

O novo estudo mostra como a perda de sono reduz drasticamente o desejo de ajudar os outros, desencadeada por um colapso na atividade das principais redes pró-sociais do cérebro. (Crédito da imagem: Eti Ben Simon e Matthew Walker, UC Berkeley)

Em um segundo estudo, os pesquisadores rastrearam mais de 100 pessoas online durante três a quatro noites. Eles mensuraram a qualidade do sono – quanto tempo dormiram, quantas vezes acordaram – e avaliaram seu desejo de ajudar os outros, como segurar a porta do elevador para outra pessoa, se voluntariar em algo ou ajudar um ferido ou estranho na rua. “Aqueles que dormiram mal na noite anterior foram os que relataram estar menos dispostos a ajudar os outros no dia seguinte”, compara Ben Simon

A terceira parte do estudo envolveu a mineração de um banco de dados de 3 milhões de doações de caridade realizadas nos Estados Unidos entre 2001 e 2016. O número de doações diminuiu na transição para o horário de verão, com a perda de uma hora de sono. Eles observaram uma queda de 10% nas doações na semana de transição. Esse mesmo impacto na doação não foi visto em regiões do país que não mudaram seus relógios.

“Mesmo uma ‘dose’ muito pequena de privação de sono – aqui, a perda de apenas uma única hora de sono pelo horário de verão – tem um impacto muito real e mensurável na generosidade das pessoas e, portanto, em como funcionamos como uma sociedade conectada”, disse Walker. “Quando perdemos uma hora de sono, há um impacto claro na nossa bondade inata e na nossa motivação para ajudar outras pessoas que precisam.”

Um estudo anterior de Walker e Ben Simon mostrou que a privação do sono levou as pessoas a se retraírem socialmente e a se tornarem mais isoladas. A falta de sono também aumentou sentimentos de solidão. “O pior é que, quando essas pessoas privadas de sono interagiram com outras, “transmitiram” sua solidão para elas, quase como um vírus”, disse Walker.

“Estamos começando a ver que a falta de sono leva uma pessoa a ser bastante antissocial e, menos generosa, o que tem múltiplas consequências para a forma como vivemos juntos como espécie social”, disse Walker. “A falta de sono torna as pessoas menos empáticas, menos generosas, mais retraídas socialmente e é contagiosa – há o contágio da solidão”.

Segundo Walter, a percepção de que a quantidade e a qualidade do sono podem afetar toda a sociedade, causada por uma deficiência no comportamento pró-social, nos oferece uma nova abordagem para melhorar aspectos específicos da nossa própria sociedade. “Promover o sono, em vez de envergonhar as pessoas por dormirem mais tempo, pode ajudar a moldar os laços sociais”, esclarece Ben Simon.

“O sono é um incrível lubrificante para o comportamento humano pró-social, conectado, empático, gentil e generoso. Se alguma vez houve necessidade de um lubrificante assim para permitir a melhor versão de nós mesmos, agora parece ser isso”, aponta Walker, também autor do best-seller Why We Sleep.

“O sono é essencial para todos os aspectos físicos, mentais e emocionais de nossas vidas”, reforça Ben Simon. “Quando o sono é desvalorizado na sociedade, não só temos médicos, enfermeiros e estudantes privados de sono, mas também sofremos diariamente com interações indelicadas e menos empáticas.”

Nos países desenvolvidos, mais da metade das pessoas relatam dormir pouco durante a semana de trabalho. “É hora de a sociedade deixar de lado a ideia de que dormir é um desperdício, e começarmos a dormir o quanto precisamos, sem sentir vergonha por isso”, acrescentou. “É a melhor forma de demonstrar bondade a nós mesmos, assim como às pessoas ao nosso redor.”

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