A origem da música é muito mais antiga do que se imagina. Homens e mulheres pré-históricos, imitando os sons da natureza – pássaros, rios, ventos, folhas e tantos outros –, já faziam suas criações. Arqueólogos encontraram instrumentos rudimentares, como flautas, que datam de 35.000 anos atrás. Alguns pesquisadores fizeram achados arqueológicos que datam do período dos neandertais (400.000 a 40.000 anos atrás), provando que a humanidade descobriu a música há bastante tempo.
A música resistiu ao teste do tempo, desde a pré-histórica até hoje, e é um assunto fascinante para a teoria evolucionária: ela é altamente valorizada por todas as culturas conhecidas e continua permeando muitos aspectos da vida cotidiana e desempenhando papéis. Permanece um importante fator cultural e social ao longo da história humana.
Considerada “linguagem universal” – a música pode despertar diversas emoções: uma pessoa pode se sentir profundamente tocada, enquanto outra, que escuta a mesma música, não sente nada; uma pode se sentir mais feliz e encorajada, enquanto outra, sente-se mais entediada.
Será que essas diferenças de emoções têm a ver com gosto musical?
Pode ser que sim, mas talvez seja mais do que isso: a motivação para ouvir e apreciar uma música pode estar relacionada à nossa empatia com os outros.
Há muito tempo, estudiosos especulam que a música e a empatia têm uma função na evolução social humana e que podem ter surgido por meio de uma arquitetura neurocognitiva semelhante (se não a mesma) que evoluiu para unir as pessoas. De fato, a música é considerada uma forma de comunicação social, evidenciada por sua presença em todas as culturas humanas ao longo da nossa história. Entender a relação entre empatia e experiência musical pode clarificar a função da música em nosso mundo e em nossa vida. Se a empatia social (sentir ou inferir emoções em interações interpessoais) está intimamente relacionada à empatia musical (sentir ou inferir emoções por meio da música), então a modulação deliberada de uma pode afetar a outra.
Pesquisas sobre a relação entre música e empatia já nos dão alguns insights: estudos indicam que pessoas que relatam se importar fortemente com os sentimentos dos outros – também tendem a experimentar maior reação emocional à música, especialmente se ela for triste. Em um estudo com ressonância magnética (fMRI), descobriram que pessoas altamente empáticas, ao ouvir uma música familiar, ativam áreas corticais do cérebro envolvidas no processamento social em maior grau do que aquelas com baixa empatia. Isso sugere que os processos de escuta de uma música e empatia auto-relatada podem compartilhar circuitos semelhantes no cérebro.
Mas como a precisão empática pode se relacionar com a experiência musical? Para compositores e intérpretes, um dos principais objetivos de se criar e interpretar uma música é transmitir mensagens específicas ao público. Se um intérprete busca ativar emoções de rebeldia ou de tristeza, por exemplo, e você começa a rir ao ouvir, sem dúvida houve uma falha no objetivo da música. A codificação e decodificação precisas da expressão são essenciais para o poder da música, assim como também a capacidade de inferir com precisão as emoções de outras pessoas é essencial para nossa capacidade cognitiva social.
Recentemente, pesquisadores buscaram compreender se a precisão empática avaliada comportamentalmente no sentido clássico estava correlacionada à precisão empática da música. Ou seja, eles queriam saber se aquelas pessoas que compreendiam melhor como os outros se sentem também captavam melhor as emoções que os compositores/intérpretes buscavam transmitir através de sua música. O estudo foi publicado na revista Emotion.
Neste estudo, compositores-pianistas improvisaram músicas no piano expressando emoções como alegria/felicidade, tristeza, raiva. As músicas foram gravadas e, em seguida, os pianistas classificaram suas intenções em cada performance, numa escala de ‘muito negativa’ a ‘muito positiva’. Em seguida, foi solicitado a mais de 200 participantes presentes (nos EUA) e cerca de 600 participantes online para que avaliassem as gravações de piano e dissessem o que achavam que o músico pretendia expressar.
Os pesquisadores também queriam saber se as pessoas que tendiam a sentir as mesmas emoções que outros também tendiam a sentir as mesmas emoções transmitidas pela música. Isso demonstraria uma conexão entre o que muitas vezes é chamado de empatia emocional, ou compartilhamento de afeto, pelas pessoas e pela música.
O estudo descobriu que as pessoas que compreendiam com maior precisão os estados emocionais dos outros ao vê-los falar, e aquelas que se sentiam mais em sintonia com eles, também tendiam a mostrar maior precisão empática (compreender as emoções que a música quer transmitir) e compartilhamento de afeto, respectivamente, quando ouviam apresentações musicais. Esta evidência inicial de uma conexão moderadamente forte entre empatia comportamentalmente avaliada pelas pessoas e pela música fornece uma corroboração adicional do papel da música na cognição social e no comportamento.
Pessoas que são relativamente empáticas com outras na vida cotidiana, sugerem os resultados, também tendem a ter uma compreensão mais aprimorada das emoções comunicadas pelos compositores/intérpretes na música. No embalo dessas descobertas, os pesquisadores estão investigando se há sobreposição de ativação neural em regiões cerebrais que estão envolvidas na empatia com as pessoas e com a música. Se encontrarem essa evidência, isso apontaria para a possibilidade de que os mesmos mecanismos no cérebro facilitam a compreensão emocional nos dois domínios.
Futuras pesquisas são necessárias para entender se a escuta ativa de músicas pode realmente melhorar a capacidade cognitiva social. Se isso acontecer, isso pode representar uma oportunidade para ajudar pessoas com deficiência cognitiva social por meio da música. Por exemplo, podemos imaginar a escuta guiada de uma música socioemocional como complemento terapêutico ao desenvolvimento de habilidades sociais para aqueles com distúrbios e que têm dificuldades em entender e responder aos sentimentos dos outros.
Os poderes da música sobre as pessoas e suas emoções são óbvios. Mesmo assim, os cientistas ainda buscam entender porque, de fato, a música existe, uma vez que aparentemente não confere nenhuma vantagem evolutiva que esteja clara. Este mistério começa a ser desvendado. Pesquisas recentes sugerem que uma função evolutiva chave da música está na capacidade de unir as pessoas em experiências e afetos compartilhados.
Estamos apenas começando a entender as implicações das funções sociais da música. Esperamos que novas pesquisas se aprofundem e descubram como uma das mais antigas atividades humanas pode impactar a nossa cognição social, o que poderia tornar as pessoas mais empáticas.
Ilustração da capa: Marie Assénat
Que incrível! A música é entidade.