Uma nova era para o tratamento da doença de Alzheimer está chegando. Em dados apresentados no congresso anual de Ensaios Clínicos na Doença de Alzheimer, em São Francisco, e publicados no New England Journal of Medicine, cientistas da empresa farmacêutica japonesa Eisai mostraram que seu medicamento levou a melhorias nas funções cognitivas.
O estudo é o mais abrangente e avançado sobre pacientes com Alzheimer até o momento. Em um estudo de fase 3, os pesquisadores da Eisai mostraram que pessoas que tomaram o medicamento lecanemab, que tem como alvo a proteína amilóide que se acumula no cérebro com essa doença, diminuíram em 27% a taxa de declínio cognitivo em uma escala de demência clínica durante um período de 18 meses (taxa essa comparada com a de pacientes que receberam placebo). Esses resultados significam que o lecanemab é um medicamento modificador, que pode afetar o curso da doença, em vez de simplesmente tratar seus sintomas, como outros medicamentos já aprovados.
Em junho de 2021, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou o primeiro medicamento para tratar a doença de Alzheimer, o aducanumabe (nome comercial: Aduhelm). Tal como ocorre com as pessoas que tomaram lecanemab, as que tomaram aducanumab mostraram melhorias nos testes cognitivos em comparação com aquelas que tomaram placebo. Mas os benefícios do aducanumabe – ao contrário do lecanemabe – foram relatados em um estudo anterior de fase 1 que envolveu um número menor de pacientes e foi projetado para testar a segurança, não a eficácia, da terapia. Esses benefícios não foram repetidos de forma robusta e consistente nos estudos de fase 3 da droga. A comunidade de pacientes e médicos relutou em correr o risco de testar a terapia – e apesar de ser o primeiro medicamento modificador da doença aprovado pelo FDA, o aducanumabe foi subutilizado.
A Eisai, que fez parceria com Biogen, empresa americana de biotecnologia, para desenvolver e testar o aducanumab, apresentou resultados mais robustos com o lecanemab para apoiar a relação entre redução de amiloide e os benefícios cerebrais mensuráveis para pacientes com Alzheimer. Amilóides formam placas de proteína que se acumulam e provocam a neurodegeneração que é a marca registrada da doença.
Na mesma conferência em que os dados do lecanemab foram apresentados, a Roche relatou seu tratamento anti-amilóide, mas com resultados mais modestos: seu composto, gantenerumab, não reduziu significativamente a amilóide e não ajudou os pacientes a melhorar suas pontuações em testes cognitivos.
“Nem todos os medicamentos anti-amilóides são iguais”, explica Dr. Pierre Tariot, diretor do Banner Alzheimer’s Institute. “Ainda estamos aprendendo o que significa mitigar a desregulação amilóide em termos de benefício a longo prazo. Mas agora temos uma série de resultados com alguns sinais encorajadores que mostram que alguns desses medicamentos interferem o processo da doença e que estão associados a algum benefício clínico mensurável para pessoas com sintomas leves”.
Os resultados positivos da Eisai demoraram a chegar. A pesquisa com o lecanemab começou em meados da década de 1990. Em 1996, a empresa lançou com sucesso o segundo medicamento para a doença, donepezil (nome comercial: Aricept), depois que o FDA o aprovou para pessoas com Alzheimer leve a moderado. O medicamento não altera a progressão da doença, mas pode melhorar alguns dos sintomas cognitivos.
Encorajados por esse sucesso, ao mesmo tempo em que percebiam que o donepezil não conseguia tratar a doença, os cientistas da Eisai focaram em combater o acúmulo de amilóide no cérebro que contribuía para a perda de memória e outros sintomas cognitivos do Alzheimer. Eles decidiram mapear e direcionar uma das formas mais nocivas das amilóides: as protofibrilas, que são particularmente tóxicas para as células nervosas do cérebro.
Mas isolar apenas a forma certa de amilóide e encontrar formas de removê-la sem causar outros efeitos colaterais foi um processo longo e árduo. “Quando nos reuníamos com familiares e médicos de pacientes, na maioria das vezes a primeira coisa que eu dizia era: ‘Desculpe’”, diz Ivan Cheung, presidente e CEO da Eisai Inc. “Eles queriam saber por que estava demorando tanto, e não estávamos nos esforçando o suficiente ou não éramos inteligentes o suficiente? Decepcionamos muitas famílias.”
A amilóide, uma proteína produzida no cérebro e em outras partes do corpo, só se torna problemática quando se une e forma placas que estrangulam os neurônios e suas delicadas conexões. Uma forma, beta-amilóide, pode se tornar pegajosa molecularmente, unindo-se para formar oligômeros e protofibrilas – e eventualmente se agrupar em placas. Depois de um longo e árduo trabalho, testando composto após composto, os cientistas da Eisai descobriram que o lecanemab se liga às protofibrilas com uma afinidade 1.000 vezes maior do que à beta-amilóide, o que significa que pode reduzir drasticamente as formas mais perigosas da proteína.
Enquanto a Eisai estava colaborando com a Biogen tanto no aducanumab quanto no lecanemab, cada uma das duas empresas assumiu a responsabilidade de desenvolvê-los e testá-los. A Biogen reivindicou o aducanumab e a Eisai assumiu a responsabilidade pelo lecanemab.
Depois de resultados promissores da fase 1, que mostraram que o uso de protofibrilas era seguro para os pacientes, a Eisai embarcou em 2012 em um estudo de fase 2 que levaria 18 meses. Liderada pelo vice-presidente sênior de pesquisa clínica da empresa, Dr. Michael Irizarry, a equipe desenvolveu um novo estudo que ajustava quais doses as pessoas receberiam com base em leituras iniciais e modelagem de resultados dos primeiros pacientes. A ideia era garantir que tempo e recursos não fossem desperdiçados; os cientistas testaram cada uma das cinco doses de cada vez e esperaram meses para ver se a droga tinha algum efeito ou causava alguma reação adversa. Os pacientes que se inscreveram posteriormente no estudo se beneficiaram do que a equipe estava aprendendo com os participantes que vieram antes. “Durante o estudo, um algoritmo analisou os resultados cognitivos e previu qual dose era eficaz, e começou a ponderar a randomização futura dos voluntários para as doses com maior probabilidade de serem eficazes e reduzindo o tamanho das amostras das doses menos eficazes”, explicou Irizarry.
A Eisai anunciou o lançamento de sua trilha de fase 3 de lecanemab apenas algumas semanas depois que a Biogen encerrou seu teste de aducanumab. Cheung argumenta que, em vez de desistir do lecanemab após os problemas do aducanumab – embora ambos tenham como alvo o amiloide –, era racional seguir em frente com base nos fortes dados da fase 2 que mostraram sinais de que o medicamento seria eficaz .
O que esses resultados significam para pacientes com Alzheimer
A Eisai continuou seu estudo de fase 3, desta vez em um formato muito mais simples, confiante com o estudo detalhado de fase 2 e de que os resultados provavelmente mostrariam que o lecanemab melhorava a função cognitiva dos pacientes.
Para complicar o estudo, a covid-19 criou desafios para os participantes, que tiveram que ir à clínicas ou hospitais para receber o medicamento por infusão intravenosa durante cerca de uma hora, duas vezes por mês. Mesmo assim, menos de 20% dos voluntários desistiram.
Em setembro de 2022, a Eisai anunciou que o lecanemab seria o primeiro medicamento anti-amilóide a ajudar os pacientes a retardar o declínio cognitivo em um estudo de fase 3. “Os resultados da fase 2 acabaram sendo bastante preditivos dos resultados da fase 3, e esperávamos isso”, comemorou Irizarry.
Embora o estudo tenha acompanhado os participantes ao longo de 18 meses, Cheung especula que as melhorias só continuarão quanto mais tempo as pessoas tomarem o medicamento. Embora isso não signifique que os pacientes devam esperar ser curados do Alzheimer, pode significar vários anos a mais vivendo de forma mais independente. “Com base em nossos resultados da fase 2, nossa projeção é que o lecanemab pode atrasar a evolução desde o início do Alzheimer até o moderado em cerca de três anos”, calcula Cheung.
Um medicamento que produz uma melhora de 27% no desempenho em testes cognitivos, faz com que os especialistas vejam isso como uma nova era de tratamentos para o Alzheimer: aqueles que podem eliminar o acúmulo de amilóide no cérebro e, eventualmente, retardar ou prevenir o dano às células nervosas que ocorre mais tarde no curso da doença.
Até agora, o lecanemab parece ter menos efeitos colaterais do que o aducanumab. Eisai relata que 12,6% das pessoas tiveram inflamação cerebral conhecida como ARIA-E que pode ser potencialmente letal, mas que é tratável se o medicamento for interrompido ou a dose reduzida. A maioria deles foi detectada em exames cerebrais e os pacientes não relataram sintomas do efeito colateral. (Em comparação, cerca de um terço das pessoas que tomaram aducanumabe desenvolveram ARIA-E no estudo de fase 3 do medicamento). “Se outras [terapias] levam de oito a nove meses para atingir a dose ideal, os pacientes estão perdendo o cérebro durante esse processo. Com o lecanemab, os pacientes começam desde o primeiro dia com a dose terapêutica ideal, e isso economiza tempo e cérebro”, diz a Dra. Sharon Cohen, diretora médica do Programa de Memória de Toronto, que supervisionou o estudo.
Os dados revelaram que o lecanemab é seguro na dose testada de 10 mg/kg a cada duas semanas durante 18 meses; enquanto 13 pessoas morreram durante o teste, elas foram distribuídas quase igualmente entre os grupos de tratamento e placebo, com sete mortes entre os que tomaram o medicamento e seis no grupo placebo.
A FDA provavelmente irá considerar essas mortes, bem como os dados do estudo mostrando que as pessoas que tomam medicamentos anticoagulantes podem ter um risco ligeiramente maior de eventos hemorrágicos, antes de determinar se o lecanemab é seguro, ou se deve haver um aviso adicional no rótulo sobre o risco de hemorragia. A agência também comparará o risco de ARIA-E entre pessoas que tomam lecanumab com o risco associado a outros medicamentos redutores de amiloide.
Mas com base nos resultados positivos, a porta agora está aberta para investigar como essas terapias anti-amilóides podem ser usadas para retardar o declínio cognitivo. Irizarry já estuda como o lecanemab pode ser combinado com outras terapias promissoras. Especialistas acreditam que a deposição de placas amiloides leva à estrutura desorganizada de outra proteína, a tau, que cria emaranhados que interrompem as conexões críticas que os neurônios têm entre si. A combinação de um medicamento anti-amilóide como o lecanemab com um composto anti-tau pode ajudar a travar a neurodegeneração associada à doença de Alzheimer.
A Eisai já iniciou um processo de aprovação com o lecanemab com base nos resultados positivos da fase 2, e espera-se que a FDA tome uma decisão até 6 de janeiro de 2023. Depois que a agência tomar essa decisão, Cheung diz que a empresa planeja arquivar os dados da fase 3 para buscar total aprovação.
Dr. Michael Weiner, professor de medicina radiológica, neurologia e psiquiatria da Universidade da Califórnia, San Francisco diz que o próximo desafio para a comunidade científica será encontrar maneiras de impedir que a doença de Alzheimer danifique os neurônios cerebrais, e os testes em andamento de outros compostos, bem como os testes planejados usando lecanemab e donanemab ainda mais precocemente em pacientes de alto risco, irão revelar o quão viável isso pode ser.
Os exames de sangue para a doença de Alzheimer serão críticos para conseguir isso, e os pesquisadores estão trabalhando ativamente para desenvolver testes para detectar amiloide no sangue. Desde 2021, os médicos podem solicitar o primeiro teste desse tipo nos EUA, chamado PreclivityAD, da C2N Diagnostics, que foi aprovado para uso por alguns laboratórios. “Os exames de sangue para Alzheimer chegarão rapidamente à área clínica”, diz Weiner, “e isso será acelerado se o lecanemab for aprovado, o que todos esperam, e se Eisai puder mostrar que um exame de sangue é suficiente para o tratamento. Estamos apenas começando. Atualmente, o campo de pesquisa da doença de Alzheimer é um dos mais interessantes em toda a medicina”.
Imagem da capa: Science Photo Library