Nosso mundo está se tornando um lugar “menor” e o telefone tem uma imensa parcela de contribuição. Será que poderia ser mais usado em tratamentos médicos e psiquiátricos?
Dr. Eric Topol há tempos defende que o smartphone irá mudar radicalmente a saúde, democratizando o acesso a diagnósticos e tratamentos para qualquer pessoa, da rica à pobre, daquela que vive em centros urbanos à que vive em áreas remotas.
Mas foi somente com a atual pandemia, que muitos profissionais de saúde tiveram que vivenciar na prática o que é atender remotamente, seja em chamada de vídeo, celular ou mensagem instantânea, como o Whatsapp. Nesse meio tempo, no Brasil, a Telemedicina que até antes da eclosão da COVID-19, só podia ser praticada depois de uma primeira consulta presencial, com um médico, teve abolida essa exigência, pelo menos enquanto durar a pandemia, e passou a ser amplamente usada.
O fato é que o processo de consulta pode ser exaustivo; pode ocupar uma manhã ou uma tarde inteira, e não apenas pelo tempo do atendimento em si, mas contabilizando o deslocamento de ida e volta – imagine se você mora do outro lado da cidade – e o tempo de espera até entrar no consultório.
Existem outros obstáculos, como aquela mãe ou pai que precisa encontrar alguém que fique com as crianças para poder ir à consulta. Há também condições físicas ou psicológicas que podem dificultar a saída de casa. Seria muito mais fácil usar uma tecnologia à mão: o telefone.
Dean McMillan, Penny Bee, Nicky Lidbetter e Beatrice Lukoseviciute, escreveram hoje um artigo para a Psyche sobre o uso do telefone nas terapias. Eles lembram que, na época em que o psiquiatra Aaron Beck desenvolveu a terapia cognitivo-comportamental (TCC), na década de 1960, o telefone já era onipresente em casas e escritórios. Mas quase não houve sugestão de que a TCC pudesse ser conduzida de outra forma que não presencial. Hoje, o uso já é consagrado em tratamentos mais curtos. Mas para a maioria das terapias, o telefone é usado apenas se o deslocamento for muito difícil, como é o caso de pessoas que moram em áreas rurais.
Mas, a terapia por telefone provou que funciona. Para adultos com depressão, a TCC conduzida por telefone é tão eficaz na redução dos sintomas quanto a TCC realizada pessoalmente. Dois estudos que analisaram a TCC para o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) – um realizado em adultos e outro em adolescentes – não encontraram diferenças na eficácia do tratamento. Há ainda outra vantagem: a melhoria na qualidade de vida representa uma boa relação custo-benefício, amplamente comparável à terapia face a face.
Pessoas que passaram por terapia via telefone estão satisfeitas e felizes com o tratamento realizado dessa forma. Um estudo que investigou a depressão e a ansiedade, por exemplo, descobriu que a maioria das pessoas ficava amplamente satisfeita, particularmente dizendo como o telefone era mais conveniente.
A terapia por telefone funciona bem e os pacientes a consideram eficaz e conveniente. Então por que continua sendo rara sua utilização?
Um dos motivos, segundo McMillan, Bee, Lidbetter e Lukoseviciute, pode ser a preocupação em relação ao laço terapêutico – o relacionamento de confiança que se desenvolve entre o terapeuta e o paciente. “Isso é importante, porque sabemos que a qualidade da relação terapêutica prediz o quanto as pessoas se beneficiam com a terapia. Uma preocupação expressa pelos terapeutas é que pode ser muito mais difícil desenvolver um relacionamento afetivo com alguém que eles nunca conheceram pessoalmente. Mas essa preocupação não foi confirmada por evidências. Se a relação terapêutica foi dificultada ou mesmo inviabilizada pelo uso do telefone, o tratamento por telefone levaria a resultados piores – mas não é o caso”, afirmam os autores.
Os estudos que examinam a relação terapêutica no tratamento por telefone também são otimistas. Um review analisou seis aspectos das sessões de terapia, como o quão atencioso e empático o terapeuta era e o quanto os pacientes compartilhavam sobre si mesmos. Das seis diferentes características da interação, a única diferença consistente era a duração das sessões: elas eram um pouco mais curtas por telefone. Nenhum aspecto da aliança terapêutica foi afetado negativamente.
Alguns terapeutas relatam achar mais difícil ter empatia com os pacientes pelo telefone, mas avaliadores independentes que ouviram as ligações descobriram que os níveis de empatia demonstrados eram semelhantes aos tratamentos presenciais. No geral, a qualidade do relacionamento que se desenvolve na terapia não diferiu.
McMillan, Bee, Lidbetter e Lukoseviciute acreditam que seja preciso apenas disseminar essas descobertas um pouco melhor, tanto para pacientes quanto para terapeutas: “eles podem estar preocupados em não poder desenvolver um relacionamento afetivo e eficaz pelo telefone, mas dados sugerem que isso não é verdade. Na realidade, o fato de não poderem se ver pode até ser uma vantagem: em um estudo, os pacientes relataram que gostam do anonimato que uma ligação – sem aparecer o rosto – pode proporcionar”.
Mas esse anonimato também traz preocupações para os terapeutas, segundo os quatro autores, principalmente por não existir informações não verbais, já que um terapeuta deve avaliar e gerenciar uma variedade de riscos, como automutilação, suicídio, negligência física e violência contra outras pessoas. “Para a maioria dos terapeutas, uma avaliação de risco é predominantemente verbal – perguntas simples como: “Você tem pensamentos sobre querer tirar sua própria vida?” Em teoria (embora não tenhamos certeza), essas avaliações de risco deveriam ser tão precisas quanto por telefone”, deduzem.
Os autores concordam que uma pessoa pode não ser sincera ao telefone. Se não querem admitir pensamentos sobre suicídio, por exemplo, um terapeuta pode precisar confiar em pistas visuais para detectar riscos. “Mas um grande volume de trabalho sobre comunicação não verbal sugere que os humanos são ruins em detectar mentiras. Estar com alguém frente a frente seria útil para detectar negligência física – como saber se uma pessoa está usando roupas sujas. O mesmo se aplica à violência doméstica. Mas, fora esses exemplos específicos, estar com alguém fisicamente pode não oferecer aos terapeutas mais informações do que teriam por telefone. Tudo isso para dizer que, salvo algumas preocupações específicas sobre riscos, há poucos argumentos claros contra a terapia por telefone”, justificam.
McMillan, Bee, Lidbetter e Lukoseviciute deixam claro que não estão sugerindo que toda terapia deva ser administrada por telefone. A maior parte do que sabem sobre o tratamento por telefone é relacionado à TCC. “Não conhecemos bem sobre a eficácia de outros tipos de tratamentos psicológicos, como a psicoterapia psicodinâmica, realizada por telefone. Também não sabemos bem sobre como o telefone se compara a outras formas de entrega remota, especialmente chamadas de vídeo. Isso é importante porque, junto com o telefone, a terapia baseada em vídeo se tornou popular durante a pandemia da COVID-19. Embora possa haver vantagens nas vídeochamadas, como a capacidade de avaliar negligência física, o anonimato que o telefone proporciona não acontece. No momento, é muito cedo ainda para dizer como esses prós e contras irã se equilibrar.”
Há evidências (pelo menos para a TCC) de que a terapia por telefone funciona tão bem quanto presencial, com uma boa relação custo-benefício. Se considerarmos que essa forma dará mais acesso e eliminará barreiras para as pessoas, – não apenas para aquelas que podem se dar ao luxo de tirar meio dia de folga do trabalho para fazer terapia – então talvez seja hora de considerar esta possibilidade.
Fonte: Telephone therapy is convenient and it works. Let’s use it more. Psyche.
Crédito da imagem da capa: engin akyurt