Você já parou para pensar o que faz uma pessoa se apaixonar, um cientista inventar uma nova tecnologia, sentir empatia pelo outro ou até as pessoas protestarem contra um governo? Enfim o que nos torna seres humanos únicos e conscientes?
A neurociência, em pauta nos principais diálogos da comunidade cientifica, nos dá agora um caminho para responder todas essas questões que os cientistas, filósofos e teólogos sempre quiseram saber.
Assim como o mapa do Google Earth que fornece todas as coordenadas indicando qual caminho seguir, o cérebro também tem um mapa. Esse mapa é o nosso conectoma. Cientistas acreditam que dentro dele está um imenso mapa de conexões que é a totalidade da nossa personalidade, pensamentos, memórias, etc.
Como funcionam estas conexões?
Até certo ponto, as conexões são moldadas pelos nossos genes e se alteram com o passar do tempo. O que quer dizer que as mesmas conexões que temos hoje na vida adulta vão ser diferentes na velhice.
Um processo chamado atividade neural – onde há sinais elétricos e químicos – estimulam os nossos neurônios e formam novas conexões. Este processo é onde se acredita que possa habitar nossa consciência.
Para ilustrar isso vamos supor que você vive em um ambiente estressante e suas atitudes acabam sendo negativas, isso pode afetar o seu cérebro e tornar você mais ansioso e estressado. Portanto a sua experiência e o ambiente podem influenciar nas suas conexões.
Soubemos que os conectomas de um verme com 300 neurônios e um rato com 75 milhões neurônios foram mapeados. Apenas como comparação, o cérebro humano tem 100 bilhões de neurônios e trilhões de sinapses o que levaria milhares de anos para ser completamente mapeado com as atuais tecnologias de escaneamento (fMRI).
Um grupo de pesquisadores já está se dedicando com a criação de projetos colaborativos para mapear todo o conectoma humano nos próximos anos.
Estes projetos podem ser executados em menos tempo se houver mais gente envolvida, assim como tecnologias com maior processamento de imagem e a participação da Inteligência Artificial. Talvez, em 25 anos, teríamos pleno conhecimento de todas as conexões que formam o sistema nervoso. E aí, você saberia o que torna alguém um cantor, professor, esportista, etc.
O sequenciamento do DNA foi impactante para a ciência. Hoje podemos ter conhecimento de uma doença, traços da sua personalidade, etc. Mas, quando a neurociência muda a abordagem de compreensão do cérebro – focada no estudo individual dos neurônios – e passa a focar no estudo dos conjunto de conexões dos neurônios, isso pode ter um impacto bem maior do que o genoma.
Podemos encontrar aquilo que forma a nossa identidade, hábitos, memórias, enfim o que nos torna seres conscientes.
Imagina você ter um mapa da sua consciência, ser capaz de entender tudo o que diz respeito a você. Este é um dos objetivos dos neurocientistas com o mapeamento do conectoma.
Estaríamos caminhando para um mundo em que o ser humano poderia influenciar diretamente o seu processo evolutivo natural.
A seguir, falo sobre algumas iniciativas que estão contribuindo para acelerar este processo de mapeamento do conectoma.
Jogo Colaborativo de Mapeamento do Conectoma
Não são somente os neurocientistas que podem mapear o conectoma humano! Na verdade, você também pode ajudar!
Bastaria jogar o EyeWire, um jogo desenvolvido por uma equipe de cientistas do MIT. Nele, as pessoas precisam apenas colorir imagens de partes do conectoma da retina humana com a ajuda da inteligência artificial, e assim, ao jogarem, acabam contribuindo com o mapeamento do conectoma
Há um grande objetivo que se espera com essa iniciativa:
Usar a diversão que proporciona o jogo para engajar as pessoas nesta causa e ajudar a melhorar o algoritmo do computador a cada partida. Com isso, no futuro, pode ser reduzida a intervenção humana no mapeamento do conectoma
Embora o progresso ainda seja mais lento do que se espera (70.000 jogadores em 100 países), acredita-se que quanto mais pesquisadores implantarem este método, o número pode crescer exponencialmente, pois se considerarmos o planeta, passamos 3 bilhões de horas jogando por semana.
O Projeto Conectoma Humano (The Human Connectome Project)
Uma iniciativa pioneira encabeçada por 101 pesquisadores de 9 universidades diferentes, entre elas Universidade de Washington, Minnesota e Oxford estão trabalhando no primeiro diagrama interativo do cérebro humano vivo, em funcionamento.
Esse projeto busca fornecer informações sobre a relação entre o funcionamento do cérebro e suas conexões e responder questões relevantes sobre a nossa natureza.
São questões como:
O que nos torna únicos como espécie e indivíduos?
Por que nos comportamos de forma tão diferente um do outro?
Quais aspectos do seu cérebro são hereditários ou moldados pelas experiências?
Como esses dados ajudariam no combate de doenças neurológicas (Mal de Parkinson, Autismo, etc) ?
Como este projeto está sendo feito e quais seus resultados até agora?
Com o auxílio de um aparelho de ressonância magnética funcional (fMRI), os pesquisadores estão realizando uma série de testes que vai desde escutar histórias até memorizar uma série de imagens. A partir destas tarefas eles identificam quais áreas do cérebro são ativadas e quais conexões são criadas.
A primeira fase deste projeto vai ser realizada com 1.200 adultos saudáveis. Porém, a expectativa é que sejam mapeados outros tipos de conectoma, como o de bebês, idosos e pessoas doentes no futuro.
Imagine o quanto isso ajudaria a melhorar os tratamentos e diagnósticos de doenças cerebrais que causam tanto sofrimento e custos econômicos exorbitantes.
Por que o Conectoma é importante para o futuro do ser humano?
Imagino que você deva estar se perguntando sobre qual a real importância de se estudar e conhecer mais sobre este tema.
Se você tem curiosidade em entender um pouquinho como o cérebro toma suas decisões, esse assunto pode explicar algumas coisas.
O conectoma humano – que abriga estruturas fundamentais para o cérebro como neurônios, dendritos, axônios e sinapses – corresponde a qualquer coisa que diz respeito ao ser humano. Isso implica dizer que com esse mapa de informações, talvez no futuro possamos modificar essas conexões, ou seja, se você não tem aptidão para música – pois existe uma conexão que diz isso – você poderia modificá-la e aumentar as suas habilidades musicais. Outro motivo importante seria identificar as mudanças das conexões do cérebro que conduzem para doenças mentais.
Quando uma pessoa é afetada pela doença de Alzheimer, por exemplo, os exames mostram que há um problema no cérebro. No entanto, não foi comprovado como isso acontece pois, os pesquisadores supõem que o neurônio individual é saudável. Aí pode estar o equivoco: estes neurônios estão conectados com outros – e um pode ser saudável, mas, o outro pode não ser.
Para entender isso, imagine como seria estudar doenças infecciosas antes do microscópio ser inventado. Você poderia observar os sintomas, mas, não os micróbios que causaram a doença. De forma similar, nossas doenças mentais ainda são definidas apenas pelos seus sintomas. Precisamos descobrir suas causas no cérebro e compreender o nosso conectoma pode ser fundamental para isso.
Atualmente os diagnósticos e tratamentos para as doenças mentais são com informações generalizadas, por isso a eficiência é baixa. Com o mapeamento do conectoma, e com uma base rica de dados sobre nossas conexões, os médicos poderão receitar tratamentos customizados para o paciente, o que pode aumentar a eficiência. No futuro, com as tecnologias avançadas, poderemos eliminar qualquer possibilidade de sermos afetados por essas anomalias.
Vamos fazer um exercício de imaginação:
Tente imaginar em um momento no futuro a possibilidade de você descobrir através da sua saliva com o sequenciamento do seu genoma, que você corre riscos de desenvolver a doença de Alzheimer.
Ao invés de se desesperar, você com o auxílio do seu Watson médico (assistente médico artificial), pede para que ele identifique qual conexão está danificada através do mapeamento das conexões dentro do seu cérebro. Você poderia modificar o seu código genético ou obter um diagnóstico mais personalizado, o que significa que reduziria bastante as suas chances de ser afetado pela doença (lembrando que as conexões são moldadas tanto pela genética quanto pelo ambiente, o que não eliminaria todas as chances de ter a doença).
Sebastian Seung no TED Global sobre Conectoma.
O Conectoma pode ter um papel importante na imortalidade humana?
Finalizo este texto de forma diferente, ligando o tema principal com um assunto polêmico, a imortalidade. Para ilustrar isso vou contar uma historia real, de Kim e Josh.
Kim, uma garota cheia de planos, que tinha acabado de ser aceita em um estágio em um Laboratório de Neurociência em Missouri, descobriu que tinha um tipo de câncer cerebral com chances remotas de cura. Como várias pessoas que são afetadas por essa doença, ela lutou, tentou várias drogas experimentais, porém, nada adiantou.
Ela era uma adepta da preservação do corpo e da mente através da criogenia (método de preservação dos órgãos dentro de containers refrigerados) com a esperança de que, no futuro, surjam tecnologias capazes de gerar uma simulação do corpo com a sua própria mente ou em um robô, um avatar virtual ou até uma reconstrução digital do seu corpo no futuro.
Kim conseguiu com ajuda de seu namorado Josh, 80.000 dólares para criar uma campanha no Reddit para arcar com os custos da preservação. O caso de Kim ganhou repercussão e levantou uma questão polêmica:
É possível manter a consciência viva depois da morte?
O neurocientista Sebastian Seung acredita que para ter alguma possibilidade de imortalidade seja fisicamente ou digitalmente a questão páira na sustentação do nosso conectoma pois, ele acredita que pode representar tudo aquilo que somos.
“Se as conexões do cérebro permanecerem intactas no processo de criogenia, ou ser possível reconstruí-las, então não podemos descartar a possibilidade de ressuscitar as memorias e restaurar nossa identidade”
Até agora sabe-se de métodos que preservaram o conectoma do cérebro de um rato e um porco mas, ainda não se tem noticias da preservação do conectoma humano.
Se a ideia de uma simulação da mente parece algo surreal, coisa de ficção científica, o neurocientista e pesquisador do conectoma na Universidade de Harvard, Dr. Kenetth Hayworth, vê a imortalidade como algo plausível.
“Existem pessoas que aceitam a morte como uma coisa natural. Eu não sou uma destas pessoas. Acredito que com o crescimento do campo do conectoma, da preservação do cérebro e das simulações digitais das redes neurais, será possível replicar a consciência humana.”
Por mais que este tema sobre a imortalidade atice a curiosidade e possa despertar certa esperança para as pessoas no futuro, ainda há muito a ser explorado e principalmente comprovado sobre este tema. Pode ser que o conectoma seja o ponto da virada para obtermos a resposta sobre a essência da consciência humana e até mesmo, a possibilidade de replicá-la.