“Se você não sabe qual a identidade ou a singularidade da sua cidade, ela vai ser mais uma daquelas cidades sem alma, genéricas.” Essa afirmação é do arquiteto Caio Esteves, fundador Do Place For Us, primeira empresa brasileira totalmente dedicada à criação de marcas-lugar (Place Branding), e coordenador da pós-graduação em Branding Experience na Istituto Europeo di Design São Paulo (IED SP), uma rede internacional de alta formação em design, moda, comunicação visual e gestão de disciplinas criativas.
Caio acabou de participar em Londres do City Nation Place Awards, como um dos jurados para premiar as melhores práticas de place branding e marketing no mundo.
Nessa entrevista ao O Futuro das Coisas, ele conta o que viu lá e explica como o Place Branding é uma ferramenta que fortalece uma cidade, cria receita, e melhor, gera felicidade para as pessoas.
Qual a diferença entre PlaceMaking e Place Branding?
Em termos simples o Place branding pensa e o PlaceMaking faz.
Eu gosto de uma definição que uso no meu livro que é pensar no PlaceMaking como uma forma de brand experience, ou seja, na tangibilização da marca-lugar em espaços públicos vivos, alinhados com um conceito central e pensados de forma coordenada para comunicar diferentes aspectos de uma mesma mensagem, uma mesma identidade, localizada pelo place branding.
Place branding é a ideia guarda-chuva que alinha a identidade e singularidade do lugar, PlaceMaking cria lugares alinhados com esse conceito.
Existe um sem o outro? Claro! É a melhor forma? De jeito nenhum!
Podemos dizer que o Place Branding é uma ferramenta que ajuda a modelar as cidades do futuro?
Na verdade ele deveria ajudar a modelar as cidades do presente, e isso já acontece, só que não por aqui…
O Place Branding, é um conceito que, por ser bottom-up, gera um conjunto de informações riquíssimo para a realização de planos diretores, por exemplo.
Dessa forma, os projetos não se baseiam exclusivamente em uma expertise, como a arquitetura ou urbanismo, ou em pesquisas tradicionais encomendadas, mas numa visão multidisciplinar, colaborativa, inerente ao processo de construção de uma marca-lugar, e mais importante talvez, seja a própria co-criação dos envolvidos e interessados diretamente no assunto, as pessoas que vivem e usam o lugar.
Quais as vantagens para uma cidade ou um bairro que cria uma identidade própria, cria a sua singularidade e como seus habitantes são beneficiados?
O resultado mais óbvio e de quantificação mais simples é o vetor financeiro. Se o meu lugar é especial (e todos os lugares são) eu passo a ter um ativo estratégico que antes não era identificado como tal.
Se essa minha singularidade é interessante para outras pessoas (mais uma vez, toda a singularidade é interessante) eu agora posso me comunicar de forma que as outras pessoas que se identificam com essa minha característica se sintam convidadas a se relacionar com o meu lugar.
O benefício mais intangível é a própria felicidade, que agora saiu do campo da “turma de humanas” e ficou menos “miçanga” com recentes estudos de neurociência que conseguem criar métricas de medição da tal felicidade…
Já sabemos que a felicidade está diretamente ligada ao convívio, a qualidade das conexões humanas, ou seja, uma cidade vibrante tende a ser promotora de felicidade. Nesse ponto, singularidade é a âncora, que faz um lugar se tornar vibrante.
Quais são os desafios para que as cidades brasileiras possam utilizar o Place Branding? Qualquer cidade pode utilizar?
O desafio é enorme, começando pela dificuldade de se entender o que é place branding, que ainda é confundido com marketing, publicidade, design e por aí vai…
Depois de entendida a diferença é preciso entender que uma marca-lugar não é uma marca de governo, portanto não pode viver só por 4 ou 8 anos, é algo que pertence as pessoas daquela cidade e até as pessoas que visitam aquela cidade, não é algo que é propriedade de um político ou partido.
O capital do lugar para a política está justamente no protagonismo, na inovação, no poder-público como facilitador e promotor e não como proprietário.
Qualquer cidade pode e deve utilizar o place branding, quem não quer ser único, ou ainda, quem não precisa ser único? As cidades também sofrem concorrência o tempo todo, por investimentos, por talentos, por turistas, etc…
Como envolver as comunidades no processo de criação do Place Branding?
Todos queremos uma vida melhor, todos queremos ser mais felizes. O segredo está na colaboração, colaboração de fato, não algo “pro-forma”.
Muitas vezes se confunde informar com colaborar. Informar é só comunicar o que está se fazendo, colaborar é ter a certeza que o que você está dizendo será levado em consideração, que você faz parte da mudança, e portanto faz também parte da solução.
Isso se dá através da participação das pessoas que vivem e utilizam o lugar no processo de construção dessa marca-lugar. Se a identidade é a base do processo, os espaços públicos resultantes serão mais qualificados e assertivos, potencializando os desejos, anseios e características das pessoas que o utilizam.
As cidades turísticas no Brasil tem uma característica que ilustra bem a necessidade de envolvimento. Muitas vezes os turistas são vistos como alguém indesejado, que aproveitam o que a cidade tem de melhor, justamente esse melhor que não é apreciado pelos moradores.
Esse pensamento cria uma cidade segregada, nós moradores, contra eles turistas. Claro, que essa sensação impacta na experiência do turista, que claro, tem uma impressão negativa. O acúmulo de impressões negativas cria cidades turísticas vazias, e cidades turísticas vazias são cidades pobres, e cidades pobres têm menos recursos para promover a qualidade de vida dos seus moradores, que claro, são menos felizes.
É preciso explicar para os moradores o papel estratégico do turismo.Isso não acontece através de campanhas publicitárias, ou por decreto, só acontece por colaboração, por vontade própria. Sem um grande pacto entre todos os interessados é muito difícil uma marca-lugar ser bem sucedida.
Quais os seus principais insights desde que fundou a Place for Us?
Talvez o mais relevante seja a diferença entre o branding “tradicional” de produtos de consumo e o place branding. Levou tempo pra entender isso…
No branding é possível ser mais solto… tem a máxima de que o cliente tem sempre razão (óbvio que não concordo, até porque se ele tivesse sempre razão ele não precisaria nunca de agência alguma). No place branding o cliente nunca tem razão, aliás, quem é o cliente? o poder público? a cidade? as pessoas?
Se o cliente é quem paga a conta, talvez seja realmente o poder-público, mas gosto de pensar nos beneficiários diretos, que não é o poder-público que aumenta suas reservas, e sim as pessoas do lugar, e é pra elas que trabalhamos, e isso muda tudo.
Foram 3 anos até entender um pouco melhor essa dinâmica e decidirmos separar a parte de place branding em uma outra consultoria, que se tornaria a primeira brasileira no segmento e ainda uma das primeiras com certificação de impacto social BCORP| PENDING.
Como pensar PlaceMaking ou Place Branding sem acabar gentrificando?
Essa questão é corriqueira. É comum imaginar que a qualificação dos lugares empurre moradores para fora. Muitas vezes é isso mesmo que acontece com a especulação imobiliária por exemplo, ou ainda com a maldita hipesterização.
O que é preciso entender são 3 pontos centrais:
1- Não se fala de place branding isolado, é preciso envolver um sistema, uma visão de cidade holística, uma vez que o próprio place branding é uma abordagem tanto sistêmica quanto abrangente, que preveja esse tipo de movimento e crie mecanismos pra contê-lo na melhor forma possível.
2- Tudo parte da identidade. Claro que a identidade não é hermética e se transforma ao longo do tempo, mas grande parte dela está diretamente ligada a autenticidade. Essa autenticidade por sua vez, está ligada com as pessoas que habitam aquele lugar. Logo se elas não estiverem mais lá, essa autenticidade desaparece, e fica tudo parecendo cenário do Projac. Portanto a própria matriz do place branding já é um mecanismo contra a gentrificação como conhecemos.
3- É preciso se desassociar da ideia que relaciona qualidade urbana a riqueza, ou ainda, que marca é coisa de rico. Esse pensamento, bastante ultrapassado no meu ponto de vista impede muitas vezes o desenvolvimento de projetos de impacto social considerável com medo da tal gentrificação. Place Branding é identidade, se a qualidade nasce dessa identidade e o lugar prospera, é preciso entender que o morador também pode prosperar, e nesse momento acontece uma qualificação sem gentrificação.
Quais as principais novidades do City Nation Place Awards, conferência que você participou em Londres?
Esse ano eu tive o privilégio de fazer parte do juri e fiquei particularmente feliz com a vitória de Edmonton como melhor expressão de identidade de uma marca-lugar. Isso prova o que venho falando desde o começo, que qualquer cidade pode ser uma marca, que a singularidade está sempre presente.
Mas os assuntos-chave que destaco são:
1- Compreensão da necessidade do envolvimento popular como premissa para uma marca-lugar legítima e bem sucedida.
2- É preciso garantir que os lugares, especialmente as cidades, terão capacidade de atender as demandas de turistas de marcas-lugar muito bem sucedidas, algo que já tira o sono de Amsterdã e Nova Iorque.
3- Realmente ainda existe muita confusão sobre o que é place branding.
4- Grandes marcas-lugar são fruto de um trabalho exaustivo de intersetorialidade e interdisciplinaridade.
5- Por mais que ainda se tente, o discurso de valores genéricos ainda não se sustenta. Place branding é sobre singularidade e identidade, algo avesso aos discursos vazios e genéricos.
6- Ainda existe um campo enorme para o avanço das métricas de sucesso de uma marca- lugar. As métricas atuais são inúmeras e ao mesmo tempo limitadas a dados muito específicos.
7- Talvez a melhor parte seja a que encontrei um outro maluco que acha que a identidade está presente e não deve ser “criada” e sim “encontrada”. Foi bom saber que não estava falando sozinho esse tempo todo.