Países estão sendo confrontados com a necessidade de conter a propagação do novo Coronavírus à custa de paralisar a sociedade e a economia. Emerge desse dilema um senso de moralidade. Inclusive, ferramentas de neurociência, de biologia evolutiva e da teoria dos jogos começam a desvendar o papel do senso moral na tomada de decisões.
Segundo Steven Pinker, esse senso humano de moralidade acaba sendo um instinto de considerável complexidade, com peculiaridades que refletem sua história evolutiva e seus fundamentos neurobiológicos. Pinker, que é professor de psicologia em Harvard, em seu artigo para o The New York Times, lembra que o filósofo e sociólogo Noam Chomsky diz que nascemos com uma “gramática universal” pois temos uma capacidade inata para falar, sem consciência das regras que estão em jogo, e o que prova isso são as semelhanças de sintaxe entre todas as línguas do mundo. Por analogia, Pinker diz que nascemos com uma “gramática moral universal” que nos permite analisar as ações humanas mesmo que com pouca consciência disso”.
A ideia de que o senso moral é uma parte inata da natureza humana não é exagerada e inclui muitos conceitos e emoções morais, incluindo a distinção entre certo e errado; empatia; justiça; admiração em relação à generosidade; direitos e deveres; proscrição de assassinato, de estupro e outras formas de violência; reparação de erros; sanções por erros contra a comunidade; vergonha; e tabus. E normalmente, as pessoas tendem a alinhar sua moralização com seus próprios estilos de vida.
Se precisávamos lembrar que vivemos em um mundo interconectado, a COVID-19 tornou isso mais claro do que nunca. Hoje, vivemos uma espécie de histeria global generalizada potencializada pelo medo e angústia. Esse medo é causado pela incerteza do que irá acontecer nos próximos dias, e uma angústia em relação a qual caminho devemos seguir, e quais decisões devemos tomar. A complexidade das decisões se relaciona com a certeza do impacto que elas têm em nossa vida pessoal, vida familiar, vida profissional e vida social, porém não conseguimos dimensionar o tamanho desse impacto e isso nos traz insegurança.
Um exemplo de como esses problemas têm sido abordados no setor privado pode ser observado em um relatório da McKinsey, que sugere um conjunto de decisões para nortear os empresários a se preparar para o futuro e atender os interesses imediatos de seus clientes.
São quatro ações recomendadas para se preparar para o futuro:
1. Foque no cuidado e na atenção aos seus clientes. Alcance e conquiste-os, não apenas com recursos do marketing, mas sim com base em suas reais necessidades.
2. Encontre seus clientes onde eles estão. Inove criando modelos digitais de atendimento.
3. Imagine como será o mundo Pós-COVID-19. Cortes orçamentários serão o novo normal, com isso será necessário migrar os consumidores para canais digitais que possam reduzir custos e melhorar a experiência deles.
4. Desenvolva uma gestão ágil, que se adapte a esses tempos voláteis e complexos.
Algumas empresas estão tomando ações com base nesses conceitos acima. Um exemplo são as campanhas da AMBEV “Apoie um restaurante” e “Ajude um boteco”. A UBER está criando um auxílio financeiro para seus motoristas do grupo de risco. O IFOOD está criando um fundo para ajudar seus entregadores que estão infectados pela COVID-19.
Talvez você possa pensar que essas ações sejam apenas uma jogada de marketing ou fique na dúvida sobre qual seria a verdadeira intenção por trás desses posicionamentos.
Confesso que também fico desconfiado, e que, pessoalmente, também acredito que essas campanhas façam parte de estratégias de marketing, porém não podemos negar que, independente da estratégia adotada, existe algo em comum a todas essas empresas: a mensagem do respeito e cuidado à vida de seus colaboradores, fornecedores e clientes. Aliás, esse respeito ao ser humano faz parte do primeiro dos 4 pilares defendidos pela McKinsey como posicionamento das empresas nesse momento de crise.
Nesse momento, não existe escolha de Sofia e nem um dilema moral entre saúde e economia. Aliás, essa dicotomia entre saúde e economia é considerada falsa por diversos cientistas, pensadores, médicos e economistas como Richard Baldwin, Armínio Fraga, Kristalina Georgieva e Dr Tedros Adhanom Ghebreyesus, apenas para citar alguns.
A dicotomia também pode ter uma lógica genocida. Recentemente, foi divulgado um estudo de economistas do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e do FED (o banco central americano) sobre a pandemia da gripe espanhola em 1918. A conclusão é a de que as cidades que tomaram medidas drásticas mais cedo, como o isolamento total, além de reduzirem o número de mortos, tiveram suas economias menos prejudicadas em comparação com as que não tomaram. Há também outras evidências científicas que mostram que esta dicotomia é falsa.
“Não há evidências de que intervenções sejam piores para a economia. Uma pandemia é tão destrutiva, que em última análise, qualquer política para mitigá-la será boa para a economia”. – Emil Verner, coautor do estudo Pandemics Depress the Economy, Public Health Interventions Do Not: Evidence from the 1918 Flu.
David Rotman, editor do MIT Technology Review, em seu artigo Stop covid or save the Economy. We can do both, defende que a melhor maneira de limitar os danos econômicos será salvar o maior número de vidas possível.
Nessa matéria, Rotman diz acreditar que estamos vivendo um momento completamente diferentes de todas as recessões que passamos. Se no passado a principal forma de se enfrentar um recessão era estimular o trabalho e enviar os trabalhadores para seus postos de trabalho, nessa pandemia estamos fazendo exatamente o oposto, ou seja, deliberadamente estamos evitando que as pessoas trabalhem da forma como vinham trabalhando, sugerindo que o pensamento padrão antes da pandemia não serve como base para desenharmos uma solução para esse momento.
Rotman também cita Michael Greenstone, economista da Universidade de Chicago, que realizou um estudo que demonstrou que o distanciamento social, mesmo que moderado, será capaz de salvar 1,7 milhão de vidas nos EUA, isso se for realizado entre os dias 01 de março e 01 de outubro, de acordo com modelos de disseminação de doenças feitos no Imperial College London. Salvar essas vidas pode beneficiar a economia americana em mais de 8 trilhões de dólares. Esses cálculos possibilitaram a criação de um termo chamado de “valor estatístico da vida”.
As duas prioridades – saúde e economia – acabam aproximando a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo Monetário Internacional (FMI): “A OMS está lá para proteger a saúde das pessoas e está bem posicionada para aconselhar sobre as prioridades da saúde; o FMI existe para proteger a saúde da economia mundial – aconselha sobre prioridades econômicas e também ajuda nos financiamento. Nosso apelo conjunto aos formuladores de políticas, especialmente nos mercados emergentes e nas economias em desenvolvimento, é reconhecer que a proteção da saúde pública e o retorno das pessoas ao trabalho andam de mãos dadas” clamam Kristalina Georgieva, diretora geral do FMI e Dr Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da OMS.
O que deve existir é um pensamento complexo de que saúde e economia são partes de um mesmo sistema não linear e adaptativo, onde as decisões tomadas precisam estar estrategicamente conectadas. Existem novas tecnologias e ferramentas que aumentam a capacidade humana de analisar dados não estruturados e ajudam na tomada de decisões complexas em cenários de incertezas. São essas tecnologias e ferramentas que devem auxiliar gestores no design e na formulação de políticas e ações que promovam a saúde e o desenvolvimento humano.
Na área da saúde, a utilização responsável e eficiente das novas tecnologias irá gerar informações e insights para uma melhora continua da experiência do paciente. A agilidade nas aplicações das mudanças necessárias na jornada do paciente, unindo o físico e o digital será o grande diferencial competitivo entre todos os profissionais de saúde.
A experiência aqui é do cliente, não só do paciente. E esse cliente é um ser humano que precisa ser colocado no centro dos cuidados e da excelência na prestação de serviço. Com a mobilidade afetada pelo distanciamento social, as pessoas são obrigadas a alterar sua jornada de utilização de produtos e serviços e portanto, precisam percorrer uma jornada híbrida entre o mundo físico e digital contanto que esta jornada seja segura, efetiva e humanizada. A questão é saber se você e sua empresa estão preparados para esse novo normal.
Coautores: Lília Porto e Raphael Souza Aguiar, cocriadores do Saúde na Era Pós-Digital.
Crédito da imagem acima: Lee Kyutae, aka Kokooma.
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Nós, do time da Saúde na Era Pós-Digital, temos o cuidado de observar cenários, tendências e habilidades necessárias para fazer frente a essa nova realidade, e também tivemos o cuidado de preparar um novo curso que irá abordar esse assunto. Para fazer sua Aplicação, clique na imagem abaixo.