Se você assistiu ao filme Ratatouille (2007) deve lembrar do ratinho Remy que sonhava (e imaginava) ser um grande chef de cuisine em Paris. Ele alcança seu objetivo e transforma o mundo da culinária parisiense com a ajuda do atrapalhado Linguini, que não sabe cozinhar, mas os dois formam uma grande parceria.
Os roedores podem ser tão imaginativos e inteligentes quanto os dos filmes de Hollywood. Esta foi a constatação de um estudo publicado essa semana na Science que observou ratos imaginando lugares onde não estavam e objetos que não estavam à vista.
O estudo realizado por especialistas do Howard Hughes Medical Institute, nos EUA, revela a sofisticação mental desses animais e promete impulsionar ainda mais o desenvolvimento das neuropróteses e uso de funções cerebrais para controlar dispositivos como membros artificiais, braços robóticos ou implantes auditivos.
“Imaginar é uma das coisas mais notáveis que os humanos podem fazer. Descobrimos que os ratos também podem fazer isso.” – Albert K. Lee, um dos autores do estudo.
A equipe de pesquisadores utilizou experimentos elaborados pelo principal autor do estudo, Chongxi Lai, focando no hipocampo, área do cérebro ligada à memória espacial, imaginação e aprendizagem.
Usando a interface cérebro-máquina, a equipe mediu a atividade elétrica do hipocampo enquanto os ratos se moviam em uma esteira esférica em direção a uma recompensa. A esteira foi desligada para observar se os roedores repetiam os padrões cerebrais registrados anteriormente (em movimento) enquanto permaneciam parados.
Um teste – chamado de Jumper em homenagem a um filme de 2008 que mostra o principal personagem se teletransportando – conectou os ratos a uma tela de realidade virtual para mostrá-los pensando em como se moveriam em direção à recompensa. A análise da atividade cerebral mostrou que eles imaginavam ir a locais previamente visitados e mover objetos que reconheciam de um local para outro.
Um segundo teste – chamado Jedi (Star Wars) em homenagem aos cavaleiros que dominavam a mente – investigou padrões cerebrais que correspondiam aos roedores imaginando mover um objeto que não estava à vista.
Os ratos foram capazes de imaginar ações necessárias para atingir os seus objetivos. Eles provaram ser capazes de fixar os seus pensamentos num determinado local durante vários segundos, da mesma forma que os humanos fazem quando recordam uma experiência anterior ou imaginam um evento futuro.
As descobertas sobre a atividade do hipocampo oferecem pistas sobre a “riqueza da nossa vida interior”, escreveram os pesquisadores.
“A pesquisa com ratos representa um “emocionante avanço” no uso de interfaces cérebro-máquina, para Michael Coulter, da Universidade da Califórnia, e Caleb Kemere, da Universidade Rice, no Texas. Ambos não fizeram parte da pesquisa, mas em um artigo publicado também na Science, disseram que os experimentos deram uma nova ferramenta para investigar “mecanismos de navegação mental e imaginação espacial em nível de circuito”.
“Os ratos são bastante complexos – e têm basicamente as mesmas áreas cerebrais que os humanos têm”, observa Lee.
Embora os poderes imaginativos dos ratos sejam menos sofisticados do que os de Remy (Ratatouille) que imagina se tornar um dos melhores chefs de Paris, as descobertas ajudarão a desenvolver aplicações práticas relacionadas à mente humana.
Abstract
“O hipocampo é fundamental para relembrar e imaginar experiências. Acredita-se que isso envolva um modo voluntário, a partir da memória do hipocampo, de representações de pessoas, eventos e lugares, inclusive representações semelhantes a mapas de ambientes familiares. No entanto, não se sabe se as representações em tais “mapas cognitivos” podem ser acessadas voluntariamente. Desenvolvemos uma interface cérebro-máquina para testar se os ratos podem fazer isso, controlando sua atividade hipocampal de maneira flexível, direcionada a objetivos e baseada em modelos. Descobrimos que os ratos podem navegar ou direcionar objetos com eficiência para locais arbitrários dentro de uma arena de realidade virtual apenas ativando e sustentando representações hipocampais apropriadas de lugares remotos. Isso nos dá informações sobre os mecanismos subjacentes à recuperação da memória episódica, simulação e planejamento mental e imaginação, bem como abre possibilidades para próteses neurais sofisticadas que usam representações do hipocampo.”
Fonte: Science
Imagem da capa
Stéphane Paccolat em uma adaptação do estudo de iluminação feito por Dominique Louis para “Ratatouille” da Disney Pixar.