Cada pessoa hospeda consigo trilhões de vírus e bactérias, o que chamamos de microbioma. Agora, de acordo com um estudo, publicado no dia 26 de maio, no journal Cell, a mesma coisa vale para as cidades.

Cada cidade tem uma espécie de impressão digital microbiana exclusiva, de acordo com o estudo “Mapa metagenômico global de microbiomas urbanos e resistência antimicrobiana”.

Nesse projeto, liderado pela Weill Cornell Medicine, cientistas montaram um catálogo mundial de ecossistema microbiano urbano. Esses cientistas fazem parte do Consórcio Internacional Metagenômica e Metadesenho do Metrô e Biomas Urbanos (MetaSUB), que também conta com pesquisadores brasileiros da Fiocruz e da USP.

Assim, entre 2015 e 2017, foram coletadas em 60 cidades espalhadas nos seis continentes, 4.728 amostras de micro-organismos presentes em ambientes com grande circulação de pessoas, como sistemas de transporte de massa e em hospitais.

Só na América do Sul, foram recolhidas 331 amostras, 199 delas em três cidades brasileiras: Ribeirão Preto, Rio de Janeiro e São Paulo.

Nessa pesquisa, os cientistas usaram uma técnica chamada shotgun metagenomic sequencing para identificar 4.246 espécies conhecidas de microrganismos urbanos a partir de seu DNA. Também foram descobertos 10.928 vírus e 748 bactérias que eram desconhecidos da ciência.

Além disso, havia um conjunto “central” de 31 espécies que não são encontradas no corpo humano, mas surgiram em 97% de todas as amostras.

De qual cidade você é

Considerado o primeiro catálogo sistemático e mundial do ecossistema microbiano urbano, os cientistas explicam que todos os dias, bilhões de pessoas que vivem nas cidades entram em contato com superfícies em sistemas de transporte como metrôs e ônibus.

Cada pessoa traz consigo micróbios “comensais” inofensivos que vivem dentro e sobre seus corpos e entram em contato com os organismos que já estão no meio ambiente.

Se você me der seu sapato, poderia dizer com 90% de precisão a cidade no mundo de onde você veio.”Prof. Christopher Mason da Weill Cornell Medicine.

Autor principal do estudo, Prof. Christopher Mason desenvolveu um protocolo para padronizar a amostragem de forma que, por exemplo, cada pesquisa incluísse cotonetes de bancos, corrimãos e balcões de bilheteria – locais onde os viajantes sentam ou colocam as mãos.

Resistência antimicrobiana e network de monitoramento global

O estudo revelou que muitos dos genes bacterianos que conferem resistência a antibióticos comuns estão disseminados no ambiente urbano.

Os genes mais comuns de resistência possibilitam que as bactérias sobrevivam à exposição a duas classes principais de antibióticos, conhecidas como MLS e antibióticos beta-lactâmicos. Profissionais de saúde usam esses antimicrobianos para tratar doenças respiratórias, sexualmente transmissíveis e de pele, entre muitas outras infecções.

Prof. Mason e os coautores do estudo imaginam uma “rede global de monitoramento” para rastrear a resistência antimicrobiana e a propagação de organismos infecciosos. Isso incorporaria dados microbianos de gado e fazendas, por exemplo, e esgoto de cidades.

Eles escrevem:

[Um] atlas genético microbiano global continuamente atualizado tem o potencial de ajudar médicos, departamentos de saúde pública, governos e cientistas a rastrear, diagnosticar e prever riscos e tendências epidemiológicas”.

Eles acreditam que a pandemia da COVID-19 ampliou consideravelmente a necessidade de vigilância microbiana global, e Prof. Mason sinalizou que esse estudo fornece um caminho para que cidades e países enviem dados para a Organização Mundial da Saúde.

Uma limitação importante do estudo foi que apenas o DNA presente nas amostras foi sequenciado. Projetos futuros também sequenciarão o RNA, que é o material genético de muitos vírus importantes, como o SARS-CoV-2, que causa a COVID-19.

Do ponto de vista da saúde pública, os cientistas também consideram que o estudo trouxe conhecimentos importantes. Um deles é a disseminação de bactérias resistentes a antibióticos.

Outro aspecto relevante é o potencial de descoberta de moléculas produzidas por bactérias e fungos que podem dar origem a novos medicamentos.

Os cientistas estão agora estudando como a COVID-19 e os lockdowns e isolamentos das cidades afetaram a composição dos microbiomas.

Espera-se que, entre outras coisas, a pesquisa possa levar a uma melhor forma de detectar surtos em ambientes urbanos, além de auxiliar no desenvolvimento de novos medicamentos antimicrobianos. Presume-se também que esse estudo poderá impactar aplicações no campo da ciência forense.

Crédito da imagem da capa: FrankRamspott / Getty Images

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