O feeddback, nos estudos de Fela Moscovici, foi apresentado como uma ferramenta propositiva de mudanças comportamentais por meio da comunicação, fosse para uma pessoa ou para um grupo, no sentido de apontar como o desempenho e a performance podem ser afetados. Via-se neste processo uma solução sob medida para muitas das dificuldades emergentes do ambiente corporativo.
Mas, sempre que olhamos para um artefato, qualquer que seja, como salvação, completa e certeira, ao invés de resolver os problemas visíveis, criamos outros que estavam submersos.
Foram tantos os desdobramentos em torno do feedback que a comunicação genuína trazida em sua definição foi esgarçada e é neste aspecto que escolho dar atenção.
Chamarei de CONVERSA para registrar que a inovação pode ser algo que já conhecemos. Mas adianto que: primeiro, não é uma simplificação conceitual, pelo contrário, há muitas complexidades implicadas nas nossas conversas e segundo renomear não promete e nem presume a resolução; é apenas uma maneira de rever significados e papeis.
As conversas são possíveis designs das nossas relações e tanto mais afetivas (no sentido de impacto e de inspiração sobre o outro), maiores as chances de acentuar o caráter humano nos ambientes de trabalho, afinal, as interações são entre pessoas.
No entanto, a obviedade aparente esbarra num sistema preconcebido de poder (hierárquico) que não se configura como agradável para a convivência na grande maioria das organizações.
Este é o contexto de expectativa sobre o feedback para modificar os padrões de comportamento em nome da produtividade, da rentabilidade, da estabilidade e de tantas outras conformidades desejadas. Só que, muitas vezes, as pessoas se ferem e são feridas e os índices esperados continuam a naufragar.
O que pede mudanças?
Há um pensamento de Viktor Frankl que demonstra que o homem vê sua dignidade atacada quando é percebido como mero instrumento no processo de trabalho. Ou seja, quando sua história, experiência, motivações e emoções são desprezadas ou ignoradas em face a um resultado bruto.
Portanto, não é o método ou o artefato que precisa da nossa lealdade, são as pessoas.
Se de fato queremos mudar os resultados precisamos olhar e nos reconhecer como pessoas (individualmente) e como times (coletivamente) e para isto precisamos cuidar das nossas relações profissionais.
“No cerne da existência humana está o diálogo”, como afirma Martin Buber, e eu tomo a liberdade de generalizar como conversa, abrigando não apenas duas pessoas e enfatizando o desejo de contribuir para maior fluência de colaboração e conexões interpessoais.
Para Buber, quando as pessoas estão diante uma da outra, surgem oportunidades de aprimorar as relações e dar significado à vida, porque nesta experiência há o instante de escutar atentamente e responder apropriadamente. Exatamente como as conversas acontecem, podendo proporcionar aprendizado e aceitação quando as pessoas, em ações recíprocas, se expressam e se posicionam.
A potência identitária emerge e se reflete em momentos de conversas
Neste fluxo, dentro do ambiente profissional a possibilidade de desenvolver conversas abertas e contínuas tem ainda mais relevância se imaginarmos que as habilidades relacionais enriquecem nossa experiência e nos conferem maior gramatura para outras situações.
As conversas nos retroalimentam, pois fomentam a curiosidade, a humildade intelectual, a autorregulação emocional, a autonomia, a congruência, também a empatia e a coragem. Todo o nosso desenvolvimento acontece em relações, nunca sozinhos.
Por essa razão, as conversas são processos que exigem envolvimento ativo na aprendizagem sobre nós e os outros. Gosto de lembrar que as habilidades relacionais não são consideradas inatas, desde Aristóteles há indicativos de que nossa evolução acontece durante a vida de acordo com a qualidade das nossas relações.
Contudo, há um ponto importante: renomear e ampliar o olhar não significa retirar seriedade, o comprometimento é essencial para que as conversas promovam perspectivas de acordos e aprimoramentos.
Humanizar não é extrair limites, não é suavizar ou informalizar. Algumas conversas são difíceis, tensas. Considerar a alternância de turnos, a forma de dizer, a postura construtiva, propositiva e empática é determinante para que saibamos agir com gentileza e sem violência.
Desse modo, é perceptível que as conversas podem modificar as métricas, sendo um processo dialógico, longitudinal e principalmente, intencional, focadas na reflexão crítica sobre os movimentos fluentes, sobre os movimentos fixados ou inexistentes e sobre os movimentos possíveis que permitem o desenvolvimento do conjunto (pessoas, processos, negócios, projetos, etc).
Finalizo dando crédito às conversas que podem levar a transformações significativas, com reconhecimento de que a linguagem utilizada molda (incentiva ou reprime) o comportamento profissional, merecendo um lugar de cuidado dentro das organizações.
Referências Teóricas
BEHLAU, Mara e BARBARA, Marisa. Comunicação Consciente: O Que Comunico Quando me Comunico. Ed. Revinter, 2022.
BUBER, Martin. The Writings of Martin Buber. Ed. Herberg, 1963.
BUCKINGHAM, Marcus e GOODALL, Ashley. The Feedback Fallacy, publicado em Harvard Business Review.
FRANKL, Viktor. O médico e a alma: da psicoterapia à logopedia. Vintege Books, 1986.
HUSTON, Therese – PhD. Universidade de Seattle.
MOSCOVICI, Felá. Desenvolvimento Interpessoal: Treinamento em Grupo. 7 Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.
PAIVA BRAGA, Flávia Beatriz. MARTIN BUBER E A PSICOTERAPIA DIALÓGICA: o Eu-Tu da psicoterapia, publicado em Diálogos Humanistas.
SOUZA DE ARAÚJO, Maria Eduarda. O feedback como ferramenta motivacional nas organizações: como este instrumento pode influenciar as relações de trabalho, publicado em Núcleo do Conhecimento.
Williams, Richard. Preciso saber se estou indo bem. Ed. Sextante, 2005.
“As conversas são possíveis designs das nossas relações e tanto mais afetivas (no sentido de impacto e de inspiração sobre o outro), maiores as chances de acentuar o caráter humano nos ambientes de trabalho, afinal, as interações são entre pessoas.”
É por isso que admiro tanto essa minina!
Quando a gente entende o valor do storytelling (não inventar, mas se importar com a história real do outro), e se propõe a usar isso como fertilizante de melhores relações, e catalizador da única inovação que faz sentido, a emocional, todo e qualquer tipo de revolução é possível.
O mundo precisa disso… o futuro não sobreviverá sem isso!
Brigado Dani! 🙂