Talvez, nunca na história da humanidade, o mundo se viu diante de uma trama tão desafiadora para a nossa capacidade de compreensão quanto à crise desencadeada pela COVID-19.
Além das questões que ainda desafiam os especialistas a respeito do próprio vírus e da sua capacidade de atuação no corpo humano, essa situação se apresenta dentro de um cenário que prova, por A + B, a estreita interligação entre todas as pontas que caracterizam uma sociedade complexa. Ficou ainda mais evidente que vivemos em um mundo interconectado.
“O eu e o outro somos um”, um princípio da vida espiritual que se materializa na vida material, prática. Se você ficar doente, posso também adoecer, ainda que eu tenha um bom plano de saúde. E se muitas pessoas ficarem doentes, como garantir a manutenção das atividades sociais, necessárias para a sobrevivência de todos?
Economia, saúde, educação, tecnologia, meio ambiente, questões de gênero… esses são alguns pontos de um grande nó que sempre existiu, mas que agora torna-se ainda mais evidente.
Se não houver recursos naturais, como ter uma Economia girando e comida na mesa? Se a Educação do meu país tem problemas, minha segurança e a segurança da minha família podem estar em risco, e o desenvolvimento tecnológico e em pesquisas fica comprometido, reverberando em todo desenvolvimento econômico e social. E essa conta chega, mais cedo ou mais tarde, direta ou indiretamente, para todos nós.
Se você, eu, e todos nós, não soubermos discernir entre uma informação digna de confiança e de outra com possíveis vieses, pontos importantes não relacionados ou que, por qualquer motivo, mereça um sinal de alerta, todo o sistema pode ficar comprometido. Uma “simples” fake news é capaz de gerar imensuráveis consequências negativas.
Estabelecer relações entre as coisas é uma habilidade essencialmente humana. Nenhuma outra espécie animal é capaz de fazer. Porém, não nascemos com essa habilidade, a desenvolvemos com o tempo. Mais especificamente, a partir dos 11, 12 anos, quando iniciamos o período chamado de “Operações formais” do desenvolvimento cognitivo humano de Jean Piaget. A partir daí, dadas as oportunidades proporcionadas pelo meio, somos capazes de desenvolver plenamente a capacidade de relacionar pontos que, em princípio, não têm ligação nenhuma.
É um fenômeno sensacional que nos possibilita o desenvolvimento de soluções para os mais complexos desafios. Unindo identificação de fatos isolados, analisando-os, relacionando-os e somando à eles as perguntas corretas – com uma dose de criatividade –, somos capazes de alcançar as maiores realizações.
Essas potencialidades, intrinsecamente humanas, são apresentadas pelo Fórum Econômico Mundial como as “Top 10 Skills of 2025”, as 10 habilidades essenciais para o trabalho até 2025.
Fonte: These are the top 10 job skills of tomorrow. (Fórum Econômico Mundial)
No Brasil, uma das estratégias frente aos movimentos que vem se desenhando no mundo do trabalho e dos desafios sociais cada vez mais complexos é a formulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que estabelece as aprendizagens essenciais para os alunos da Educação Infantil ao Ensino Médio.
Uma das principais características de sua proposta é o estabelecimento de “áreas do conhecimento” para o desenvolvimento das chamadas “Competências gerais”. Agora, as disciplinas que, até então eram trabalhadas separadamente são unidas, com o objetivo de englobar diferentes perspectivas sobre conteúdos intimamente relacionados.
Pensamento científico, crítico, criativo, e comunicação e cultura digital são algumas das competências a serem desenvolvidas para uma compreensão mais ampla sobre os fenômenos do mundo natural e social com um modo de operar pautado por mudanças aceleradas, pela conectividade e pelo consumo, e em especial, pela informação.
Público e privado. Individual e coletivo. Homem e natureza. Fronteiras que, em essência, jamais existiram. Uma visão disciplinar para desafios transdisciplinares, ou seja, segundo à UNESCO: “[…] que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina”.
Sociedade civil, academia, Estado, iniciativa privada. Somente a partir de uma cultura de cooperação, que compreenda situações complexas dentro de uma perspectiva ao mesmo tempo especializada e contextualizada, nos possibilitará identificar pontos não percebidos quando vistos de forma fragmentada e criar soluções eficientes e eficazes para desafios particulares, nacionais e globais.
Ilustração: Liza Rusalskaya