Profissionais apaixonadas da aprendizagem, nós nos conhecemos no início dos anos 2000, trabalhando no primeiro home broker e banco digital do Brasil. Desde então, passamos por fusões, aquisições, lay-offs e a chegada de novas tecnologias, sempre lidando com a incerteza no mercado e nas nossas carreiras.
Em meio a essas transformações, desenvolvemos, nossa forma de trabalhar juntas e lidar com tanta novidade, mantendo a curiosidade e o entusiasmo: unimos trabalho com aprendizagem, de modo orgânico, quase inseparável.
Aprender trabalhando e trabalhar aprendendo
Quando, por exemplo, percebemos precisar melhorar os cursos online que oferecíamos e nos empolgamos (Afeto) com uma palestra incrível sobre storytelling, aprofundamos o tema com livros e referências (Repertório), debatemos como adaptar ao nosso contexto (Reflexão) e fizemos testes (Realização). Então, reiniciamos o processo, buscando novas referências e fazendo novas reflexões, aprimorando o trabalho, até que realizássemos um bom roteiro.
Em outras palavras, criamos o hábito de trabalhar aprendendo e aprender trabalhando.
Por isso, decidimos compartilhar neste artigo um modelo, os 3 Rs da aprendizagem – Repertório, Reflexão e Realização, que busca explicitar como acontece o aprendizado do dia a dia.
Acreditamos que esse framework possa apoiar profissionais e empresas a navegar pelos desafios e incertezas do futuro do trabalho.
Os 3 Rs da aprendizagem
Recentemente, uma de nós, Nira, teve um insight, na busca por sintetizar sua visão sobre aprendizagem de adultos. Surgiu a seguinte proposta:
Aprender é um processo potencialmente infinito que se dá na interação dinâmica entre aquisição de Repertório, Reflexão individual ou coletiva e Realização experimental.
A partir dessa definição, imaginou os 3 Rs da aprendizagem, baseados em três pilares: Repertório, Reflexão e Realização.
Compartilhou, então, a ideia com a Vivi, alguém que, sem dúvidas, teria um olhar amoroso, construtivo, crítico e sincero, tudo isso ao mesmo tempo! (como sempre foi nossa parceria de trabalho.)
O retorno trouxe um outro insight precioso: os 3 Rs não são pilares, são engrenagens! E o que move essas engrenagens é a conexão afetiva. A energia que move a aprendizagem é o afeto!
Os 3 Rs e o lifelong learning
Imagine agora o seguinte: e se a gente traz esse motor para o nosso trabalho diário, o que acontece? Vamos trabalhar aprendendo e aprender trabalhando!
Você, como profissional, pode explorar o modelo dos 3 Rs para mobilizar positivamente a sua carreira nesse ambiente marcado pela incerteza.
Repertório, sem reflexão, discussão e realização, torna-se memória ou esquecimento. Não adianta fazer apenas aquele curso incrível, aquela trilha toda da universidade corporativa ou ler aquele best-seller do Vale do Silício. Para se tornar um aprendizado, seu conhecimento, o seu repertório precisa ser pensado, discutido, testado, transformado!
Reflexão, sem repertório e realização, pode levar a achismos e opiniões vazias. Sem pensamento crítico, dificilmente se cria algo, se avança. É a partir da reflexão que se gera conhecimento autônomo e boas práticas para se criar algo para o mundo. Mas não basta refletir sem uma boa base de referências e vivências.
Realização, sem repertório e reflexão, cai na repetição mecânica. O que é mecânico é facilmente executado por um robô. A oportunidade aqui é colocar em prática ideias que surgem de uma boa palestra ou conversa. É, de fato, testar e criar algo para o mundo!
Todo esse movimento é mobilizado pelo afeto. Então, procurar entender o que está capturando seus pensamentos e sentimentos num determinado momento, o que importa para você, ou o que está impedindo que você se mobilize para aprender algo importante é um bom exercício de autoconhecimento para aprendizagem.
Os 3Rs na prática
Vamos a um exemplo esquemático: você é um profissional de marketing e assiste a um vídeo incrível sobre o uso de Inteligência Artificial na sua área (Repertório). Empolgado com a ideia, você pensa (Reflexão individual) em um possível uso para melhorar o processo de envio de e-mails para clientes.
Em seguida, discute com um colega, avaliando usos e desafios (Reflexão coletiva). Talvez, nesse momento, vocês também sintam a necessidade de buscar novas referências, sejam conteúdos ou pessoas.
Finalmente, decidem experimentar (Realização) essa nova ideia para avaliar se funciona na prática. Esta realização pode acender a necessidade de novas reflexões e repertórios.
O aprender, desta forma, está incorporado ao cotidiano do trabalho. Deixa de ser uma tarefa à parte e desconectada e passa a ser um direcionamento intencional do afeto, a partir do qual não ter respostas e não saber o que fazer deixam de gerar medo e passam a gerar aprendizagem e novas formas de trabalho.
Os 3Rs e a cultura de aprendizagem
Para as empresas, os 3 Rs podem trazer insights relevantes para a estratégia de aprendizagem corporativa, apoiando o fomento de uma cultura de aprendizagem vibrante e incorporada ao dia a dia da organização.
Sob a ótica deste framework, não basta apoiar a formação de Repertório dos colaboradores (com cursos e conteúdos), é preciso criar e incentivar momentos de Reflexão (com grupos e rituais de troca) e espaços para Realização (ambientes seguros para eventuais erros e alguma liberdade de experimentação).
Outro insight importante: para fazer a engrenagem girar, é preciso mobilizar o afeto das pessoas. Quais são as possíveis formas de se criar vínculos com o aprendizado, as transformações de compreensão, mentalidade, comportamento ou prática desejadas pela empresa? Esta é uma pergunta que lideranças poderiam estar se fazendo.
Um convite
Desde a bolha da internet, até os dias de hoje, nós, autoras deste artigo, enfrentamos inúmeras mudanças na nossa vida profissional. Essa trajetória nos inspirou a explorar o modelo dos 3 Rs: Repertório, Reflexão e Realização.
Escrever este artigo foi em si uma jornada de aprendizado. Reunimos nossas diferentes referências, refletimos sobre experiências e realizamos este texto para compartilhar nossas visões e práticas. A partir daí, chegamos a novos entendimentos e ideias a serem exploradas.
Acreditamos que a aprendizagem é uma força essencial para sobreviver e prosperar no mundo VUCA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo) e BANI (Frágil, Ansioso, Não-linear e Incompreensível).
O convite aqui é buscar encarar os desafios do futuro do trabalho a partir desse framework, entendendo que a incerteza e a volatilidade podem ser combustíveis para reflexões e busca de repertórios que levam a novas realizações e novas maneiras de resolver problemas. Ou, ainda, repertórios que levam a novas formas de trabalho, e a reflexões e realizações… é um processo infinito, inacabado e que bom! Isso abre um espaço imenso para a possibilidade de erro, para a aprendizagem e para a inovação. E não seriam essas as características-chave das novas formas de trabalho?
Quadro: Os 3Rs definidos
Aprender é um processo potencialmente infinito, movido pelo afeto, que se dá na interação dinâmica entre aquisição de Repertório, Reflexão individual ou coletiva e Realização experimental.
As engrenagens que representam os 3 Rs interagem dinamicamente. Não há uma ordem específica, nem atuação isolada. Em outras palavras, Repertório, Reflexão e Realização estão interligados de maneira codependente, influenciando-se mutuamente para gerar aprendizados, em um processo potencialmente infinito, movido pelo seu afeto.
O que sai desta engrenagem? Qualquer um dos Rs transformado, potencialmente movendo os outros Rs e gerando uma nova engrenagem modificada. E assim a coisa segue até que sua energia, seu afeto, não esteja mais direcionado para aquele aprendizado.
Repertório: Representa as sementes geradas pelos conhecimentos, habilidades e vivências, a partir da exposição a novas informações e experiências. Talvez seja o mais fácil de compreender, porque é para onde a educação escolar nos remete. Repertório, sem reflexão, discussão e realização, torna-se memória ou esquecimento.
Reflexão: Pode ser individual ou a partir de trocas. Consiste na análise crítica e avaliação das experiências e conhecimentos. A reflexão permite que os indivíduos processem e internalizem conhecimentos, identifiquem padrões, entendam as próprias experiências e façam conexões significativas entre teoria e prática. Reflexão, sem repertório e realização, pode levar a achismos e opiniões vazias.
Realização: Refere-se à prática. É através da realização que os aprendizes testam suas compreensões teóricas, enfrentam desafios reais e experimentam os resultados de suas ações. Ao contrário do que tradicionalmente se pensa, pode-se começar o processo de aprendizagem pela experimentação, que leva a reflexões e curiosidade por referências. Realização, sem repertório e reflexão, cai na repetição mecânica.
Interdependência das Engrenagens:
Repertório e Reflexão: Sem um repertório diversificado, a reflexão pode ser limitada. Por exemplo, sem exposição a diferentes perspectivas ou teorias, a reflexão pode cair na opinião sem embasamento. Por outro lado, a reflexão aprofunda e enriquece o repertório ao tornar o conhecimento mais significativo e aplicável às situações reais.
Reflexão e Realização: A reflexão crítica após a realização é crucial para aprender com os sucessos e fracassos. Ajuda a identificar o que funcionou bem, o que poderia ser melhorado e por quê. Sem reflexão, a realização pode se tornar repetitiva e não resultar em aprendizado significativo ou melhoria contínua.
Realização e Repertório: A aplicação prática do conhecimento, muitas vezes, gera dúvidas, causa incômodos, revela lacunas no repertório ou na própria capacidade de realização. Ao enfrentar desafios reais, os indivíduos podem perceber a necessidade de adquirir novos conhecimentos ou habilidades específicas para alcançar melhores resultados na prática. Novos repertórios também podem gerar o desejo de realizar as ideias na prática.
Para saber mais
Sobre incerteza e futuro do trabalho
Sobre aprendizagem e afeto
Sobre os 3Rs
- Experiential Learning in the Workplace
- Learning through reflection
- Your Brain Predicts (Almost) Everything You Do