A educação tem sofrido fortes golpes com a COVID-19, com impactos já considerados irreversíveis. Cerca de 1.5 bilhões de estudantes ficaram fora da escola em mais de 160 países, segundo relatório do Banco Mundial. No Brasil, desde março de 2020, cerca de 48 milhões de estudantes deixaram de frequentar as atividades presenciais nas mais de 180 mil escolas de ensino básico.
A maioria das soluções tecnológicas adotadas pelas instituições de ensino para suavizar o confinamento, embora já nos fosse uma tecnologia familiar (videoconferências, Moodle, EaD, entre outras), resultou numa mudança dolorosa da sala de aula física para a digital, tanto para os professores quanto para os alunos, mostrando o quanto o sistema educacional está despreparado para o futuro.
Como as escolas podem então promover o aprendizado diante da diversidade de contextos socioeconômicos da população e de dificuldade de acesso de alguns para a educação a distância?
A criatividade desempenha um papel decisivo no desenvolvimento de soluções para nossa situação atual, além do seu impacto nas novas economias emergentes que dependem dessas mudanças, como a Economia Criativa, mas a maioria das escolas e universidades não está preparando os alunos para serem criativos e inovadores. Conforme o relatório do Fórum Econômico Mundial, as tecnologias estão possibilitando novas formas de organizar como o valor é criado e, nesse cenário, a criatividade está entre os recursos mais importantes para a construção do futuro.
Neste sentido, a COVID-19 oferece uma oportunidade de ouro para repensarmos o que realmente importa na educação. Mesmo antes da pandemia, os sistemas escolares já estavam desconectados das realidades e necessidades dos alunos. Nos anos 70, Ivan Illich alertou (veja referências abaixo) como as escolas foram concebidas com uma estrutura fabril, onde os alunos são, em suas palavras, “recursos naturais a serem moldados pelas escolas para alimentar a máquina industrial“. Ainda hoje é possível ver evidências dessa estrutura, como mostra o relatório “Escolas do futuro: definindo novos modelos de educação para a Quarta Revolução Industrial” do Fórum Econômico Mundial (2020):
Muitos sistemas de ensino nas economias desenvolvidas e em desenvolvimento ainda dependem fortemente de formas passivas de aprendizado focadas na instrução e na memorização diretas, em vez de métodos interativos que promovem o pensamento crítico e individual necessário na economia atual impulsionada pela inovação.
Além disso, os principais problemas da educação de hoje também incluem: altos índices de segregação socioeconômica, abandono e insucesso escolar, má cultura de rede e colaboração, salas de aula superlotadas que dificultam a educação de qualidade, e um currículo obsoleto.
A pandemia é um alerta para a educação. Antes dessa crise, era comum ouvir sobre as mudanças educacionais necessárias para o século XXI, mas agora está evidente como essas mudanças são urgentes e já não há tempo a perder. Desse ponto de vista, o ensino deve ser construído de forma a atender às necessidades da nova geração, mas também, somado à maturidade de professores e instituições de ensino, trazer caminhos complementares para melhor preparar os alunos para o futuro.
Aprendemos com o distanciamento social que os meios digitais por si só não são suficientes, principalmente para a formação social do indivíduo. O ambiente escolar e universitário corresponde a um fator determinante na construção da personalidade e desenvolvimento de competências e habilidades sociais do aluno.
A experiência sem precedentes dessa crise nos leva a pensar e buscar entender o significado de viver globalmente interconectado, e que não existe questões e ações isoladas. Assim, o assunto mais importante a ensinar aos jovens é que este mundo não pertence apenas a nós, e enfatizar a conscientização sobre comunidade, coletivo e sociedade. A humanidade precisa ser capaz de pensar de maneira sistêmica, buscando antecipar o impacto de suas ações em múltiplos níveis e contextos, e a capacidade de prevenir riscos depende do acesso ao conhecimento, à educação e ao desenvolvimento da criatividade.
A marca deste tempo é a incerteza, agora mais do que nunca. Porém, este é um momento simbólico em que a COVID-19 anuncia o fim de uma educação amplamente obsoleta. A situação atual oferece a possibilidade de redesenhar uma educação melhor para todos, onde a equidade, a excelência e o bem-estar dos alunos serão os novos alicerces da educação. Entretanto, ainda há dúvidas se a educação pós-pandemia permitirá a chegada de um movimento de renovação pedagógica ou se simplesmente retornará exatamente como era antes.
Essa crise nos oferece uma excelente oportunidade para criar a motivação certa que influencia diretamente características como curiosidade, disposição para assumir riscos, tolerância, dedicação, energia, concentração e fascínio pela tarefa, fundamentais para o pensamento criativo. Segundo a UNESCO (2020), a resposta educacional à COVID-19 deve “priorizar a colaboração e trabalhar em parcerias; estimular a colaboração multissetorial (educação, saúde, social e comunitária, entre outros); facilitar o aprendizado entre pares (que inclui o compartilhamento de experiências, informações, desafios, ideias, soluções e lições aprendidas); e fortalecer comunidades de prática para professores”.
O bom professor sabe que deve trabalhar bem com o plano de estudos para ter sucesso com o aprendizado dos alunos. Para atingir o objetivo principal, não basta comunicar o conteúdo; é preciso também motivar e envolver cada aluno no processo de ensino-aprendizagem. Portanto, é necessário que o sistema educacional abrace formatos que envolvam mais grupos de colaboração, improvisação e processos criativos, possibilitando que o aluno responda melhor às necessidades e desafios do mundo atual.
Não é a primeira vez que enfrentamos uma situação de pandemia, mas mesmo assim não conseguimos lidar adequadamente com os problemas e agirmos com rapidez para resolvê-los. A principal razão não é porque não somos capazes de pensar criativamente, mas porque não somos ensinados a pensar dessa maneira. Na verdade, às vezes é exatamente o oposto: a pior coisa que você pode fazer na escola é pensar ou agir de forma criativa.
Assim, devemos ter atenção em três principais mudanças necessárias nos sistemas educacionais:
1- A resposta a essa atual pandemia deve ter uma perspectiva de longo prazo, uma vez que as situações semelhantes já ocorreram antes e podem ocorrer novamente;
2- Refazer o objetivo da educação e ir além dos exames, concentrando-se na aprendizagem do aluno e não apenas garantir que todos os tópicos do currículo sejam abordados;
3- A educação precisa abordar a realidade em que os alunos estão vivendo e vivenciando.
Para isso, as instituições de ensino devem incentivar o questionamento, oferecendo um espaço seguro para compartilhar ideias, construir confiança e amizade, abandonando a necessidade de controle e estabilidade para dar espaço para a experimentação, a empatia, a colaboração e a comunicação.
Cabe a nós professores preparar os alunos para o futuro, lembrando que as mudanças, mesmo que radicais, trazem novos começos. Vamos provocar os alunos a formular boas perguntas, ao invés de restringi-los à “resposta certa”. Vamos (re)construir uma educação que inspire os estudantes de hoje e de amanhã a criar novas visões e paradigmas para tornar este mundo um lugar melhor.
Com criatividade, um futuro incerto se torna um futuro “e se…?“.
Referências
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Imagem da capa: Isabella & Louisa Fischer
Infelizmente fala-se muito da educação, porém vive-se pouco a educação. Que temos um sistema ultrapassado, não há menor dúvida, porém, estão tratando o pós-pandemia como se fosse um portal, onde ultrapassaremos para uma outra dimensão. Triste aceitar, mas não será assim. A educação depende muito pouco dos professores, e muitos mais dos mandantes de plantão. Nunca foi prioridade, em quase nenhum dos governos aos quais tenho conhecimento e lembrança. A “EDUCAÇÃO” (a letra maiúscula não de de grito, mas para ressaltar a verdadeira educação) depende de política educacional, onde os professores são os menos ouvidos, será que eles não tem capacidade para opinar? Se têm a responsabilidade de ensinar, não serão capazes de se expressar sobre o seu métier? Agora mesmo, no volta e não volta das aulas, ouviram médicos, especialistas das mais diversas áreas, alunos e pais de alunos, mas não me lembro de ter visto nenhum professor, sabe aquele professor raiz, que está em sala de aula, com quarenta alunos, que tem que comprar giz, ou tinta para suas canetas de quadro branco (esses ainda são minoria), que gastam parte de seus proventos comprando materiais pedagógicos. É isso é que precisa mudar, falar menos da ação dos professores e mirar no que realmente faz a diferença no processo de ensino-aprendizagem, que é como nossos gestores vão fazer para mudar essa realidade que já perdura séculos (já passamos por três). Não é o professor sozinho que vai mudar a educação, existem um oceano de situações a serem observadas, e convido aos interessados a ajudarem a fazermos essa “renovação” juntos, mas não só nos discursos, mas com a mão na massa, enfrentando as tristes realidades sócio-econômicas que estão inseridos a maioria das crianças e jovens de nosso país. A visão que nossos jovens são tecnológicos e extremamente equivocada, eles gamelógicos, redessocialógicos, vídeológicos, mas quando se trata de algo fora desse universos, a grande maioria não tem conhecimento nem interesse nos recursos tecnológicos. Os poucos que tem, ainda enfrentam a falta de equipamentos necessários, seja nas escolas públicas, ou nas suas residências. Dou aula em uma escola estadual de ensino integral, no interior de São Paulo (este detalhe é importante, não é Piauí, ou Amapá, é São Paulo), nossos alunos são, em sua maioria, de classes D e E. Nesse período de quarentena, vi o grupo de professores se reinventando de diversas maneiras, usando os mais diversos recursos tecnológicos disponíveis, usando novas técnicas, metodologias e didática, trabalhando com jogos interativos, dando aulas por videoconferências, usando aplicativos diversos, e se isso não é se reinventar, preciso de esclarecimento sobre o conceito. Porém, em grande parte seu trabalho foi infrutífero, pois grande maioria dos alunos da escola não possuem recursos tecnológicos para acompanhar as tentativas dos professores, estou falando de um celular que rode aplicativos básicos para as alternativas surgidas, mesmo com a franquia de dados que o governo do Estado ofereceu através de um aplicativo próprio. Assim, deixo a reflexão, o que mais os professores, e aqui coloco os das redes privadas, que não enfrentam realidades muito diferentes dos da pública, isoladamente devem fazer? Estamos em período eleitoral, novos gestores municipais assumirão, e outros prosseguirão, e o que irão fazer no pós-pandemia? Será que direcionarão para uma política educacional renovada? Que tragam, principalmente aqueles alunos que estão em condições de exclusão educacional de qualidade, novas alternativas para disponibilizar as professores, que deverão ser cobrados a dar novos rumos ao processo que se disponibilizaram seguir. Finalizando, com pandemia ou sem pandemia, o processo educacional que já era moribundo, assim continuará se não houver uma soma de esforços para que algo diferente ocorra.