O título desse texto foi uma das provocações que mais me impactaram no South by Southwest 2022, o maior evento de criatividade e inovação do mundo, que acontece anualmente em Austin, Texas. Em um dos painéis que eu assisti, a pioneira futurista Faith Popcorn soltou essa pergunta, que me fez refletir sobre qual era a essência da inovação esse ano.

A conclusão que chego é: mais do que futuro, a grande virada é a ação no presente. Mais do que tendência, agora é sobre emergência.

O Futuro é Pra Já! Como pensar o futuro a longo prazo em um momento em que a emergência climática arromba nossa porta? Como pensar no futuro a longo prazo em meio a uma guerra na Ucrânia que escancara o sofrimento humano em larga escala, impondo destruição e também danos para a economia mundial?

Todos os principais temas e debates já estão à mesa: desigualdades sociais, emergência climática, polarização, fake news, desinformação, a ética na tecnologia, a degradação ambiental, a necessidade de mais diversidade e inclusão, os direitos humanos etc. A questão que se põe agora é a urgência por agir e atuar no presente para que possamos ter um futuro. Um futuro mais justo, mais próspero e mais equânime.

Como disse Pryia Parker, mediadora de conflitos, autora do livro “The Art of Gathering” e palestrante que abriu o evento esse ano, “engajamento significa que, quando há pessoas sob ameaça, nós precisamos nos unir para entender e pressionar uma saída. E não é apenas sobre a Ucrânia. Todos precisam olhar suas próprias comunidades e injustiças e propor, coletivamente, soluções”.

Quem nos ajuda nessa mudança de perspectiva para solucionarmos o presente é a futurista Amy Webb, que durante a palestra de lançamento de seu último relatório 2022 Tech Trends produzido pelo Future Today Institute nos presenteou com um conceito chamado Repercepção. O termo fala dessa “capacidade de ver, ouvir ou tomar consciência de algo novo em um cenário ou a partir de uma informação existente, percebendo algo que os outros não percebem”.

A repercepção tem a ver com podermos olhar de novo, explorar espaços vazios, questionar as suposições e as verdades absolutas, encontrar o não óbvio e repercebermos a realidade. Já é passada a hora de repercebermos os nossos sistemas econômicos, sociais, ambientais.

Segundo Amy, a repercepção pode nos ajudar a tomar melhores decisões no presente para explorar novos caminhos e rotas de futuro. “O ato de ‘repercepção’ desperta para a possibilidade de um futuro diferente das nossas expectativas atuais”. “Não é sobre prever o futuro, mas sobre lidar com a ambiguidade e incerteza para tomarmos melhores decisões hoje”, diz Amy.

Quando me deparo com essa urgência de “repercebermos” nosso atual momento como humanidade, me pergunto o que que está faltando para passarmos da linguagem para a ação. Para acessarmos o futuro prá já me parece que o elemento fundamental é a mudança. E mudar, vamos combinar não é nada fácil. Segundo John Maeda, professor do MIT e CTO da Everbridge Technologies, o impacto de uma mudança na vida de uma pessoa é comparável a um momento de luto.

Por ocasião do lançamento de seu “Tech Report”, no SXSW, Maeda discorreu sobre essa resistência do homem à mudança. Para mudar, “nós passamos pelas mesmas fases para lidar com ambos: choque, negação, raiva, catarse, entendimento e aceitação”. Se mudar individualmente requer tanta força e coragem, imaginem quando pensamos na mudança coletiva. Mas, como escutei recentemente em um evento de download dos principais festivais de inovação do mundo, “se você acha que é muito pequeno para fazer a diferença, tente dormir com um mosquito no quarto”.

A resposta da mudança, portanto, recai inevitavelmente sobre as pessoas. É tudo sobre pessoas. Somos ao mesmo tempo o vírus e a vacina. Rohit Bhargava, fundador da empresa Non-Obvious, em sua palestra no SXSW disse sabiamente: “As pessoas que entendem de pessoas são aquelas que vencem”. A solução está no engajamento do ser humano nas principais pautas globais.

Não há mais para onde fugir. A ativista Greta Thunberg, ativista ambiental, selecionada pela ONU ano passado como embaixadora da juventude para elaborar o documento contra o aquecimento global para o preparo da COP26, já havia nos alertado no seu brilhante discurso: “Não existe um planeta B, não existe um planeta blá-blá-blá, economia verde blá-blá-blá, neutralidade do carbono para 2050 blá-blá-blá”. É passado o momento de sairmos do “storytelling” e acessarmos o ”storydoing”. Não é só sobre comunicar, é sobre agir. Pautas como diversidade, inclusão, redução de emissões, ESG, desigualdades sociais, e tantas outras não podem mais ficar só no discurso ou na estratégia de marketing.

As urgências são cada vez mais urgentes. Sobre a equidade salarial, por exemplo, segundo o relatório Global Gender Gap Report 2021, mulheres só ganharão o mesmo que os homens em 267 anos. Inacreditável não é mesmo?

Outra urgência: a questão climática. A humanidade tem apenas três anos para frear as emissões de poluentes do efeito estufa e impedir consequências irreversíveis ao planeta desencadeadas pelo aquecimento global, segundo relatório recente produzido por especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), um documento considerado referência nas discussões sobre mudanças climáticas.

Estamos também fracassando em todas as chamadas dimensões sociais segundo a economista Kate Raworth: voz política, equidade social, igualdade de gênero, habitação, redes, energia, água, alimento, saúde, educação, renda e trabalho, paz e justiça. Este é um retrato devastador da humanidade no século XXI.

Para acessarmos o futuro prá já e repercebermos o presente, será necessário voltarmos à pergunta inicial do texto: E se você soubesse tudo sobre o amanhã, o que você faria de diferente hoje? Serei ousada e gostaria de mudar a pergunta para que possamos entender que a questão não é mais quando. Portanto meu caro leitor e cara leitora: E se você soubesse que o amanhã será distópico, o que faria de diferente hoje? Se você soubesse que ao olhar pela janela do amanhã o mundo estivesse inabitável, como você poderia re-perceber o hoje?

Roman Kznarick, em seu livro Como Ser Um Bom Ancestral, cita o sobrevivente de Auschwitz, fundador da psicologia existencial, Viktor Frankl, que nos dá uma ótima dica para responder essa questão. Ele acreditava que nós encontramos significado nos dedicando ao que ele chamava de “tarefa concreta”, um projeto ou ideal futuro que transcende o self. Ou seja, o recado é temos que transcender o eu e o individualismo e acessarmos nossa “tarefa concreta” como humanidade de mudarmos nosso futuro pra já!

Ilustração: Nick Burton

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Sabina Deweik

Sabina é caçadora de tendências, futurista, pesquisadora, consultora e educadora. Atualmente atua rastreando, digerindo e interpretando sinais de futuro, com palestras, cursos, mentorias e conteúdos para marcas, organizações e empreendedores. Formada em jornalismo pela PUC-SP, tem mestrado em Comunicação e Semiótica também pela PUC e Mestrado em Comunicação de Moda pela Domus Academy, de Milão. É também coach ontológica certificada pela Newfield Network do Chile, atuando em processos de desenvolvimento humano.

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