Há dezessete anos, li o instigante A Vida Secreta das Plantas (1976), em que Peter Tompkins e Christopher Bird compilam uma série de estudos realizados por cientistas e investigadores. O livro apresenta revelações de que as plantas podem se comunicar entre si e conosco, inclusive a longas distâncias; que elas podem sentir medo, ansiedade, prazer e alegria; e que demonstram afeto.
Essa semana, me deparei com duas matérias publicadas na The Guardian e na New Scientist, com descobertas recentes sobre elas. Novos experimentos sugerem que as plantas podem aprender e também podem tomar decisões.
O pesquisador Paco Calvo, da Universidade de Múrcia, na Espanha, e coautor de Planta Sapiens (não li o livro) está buscando entender essa possibilidade um tanto controversa: se as plantas são sencientes. Senciência é a capacidade dos seres de sentir sensações e sentimentos de forma consciente. Pra isso, ele está buscando entender a sua “neurobiologia”.
De acordo com as duas matérias, Paco apresenta evidências científicas que apoiam seus estudos, baseando-se também em argumentos filosóficos sobre a natureza da consciência. “Nós, humanos, tendemos a acreditar que o mundo gira ao nosso redor” e acrescenta que a inteligência “não é tão especial quanto gostamos de imaginar. É hora de aceitar que outros organismos também podem ser capazes”.
Há décadas existe uma percepção de que as plantas são inteligentes, ainda que de forma rudimentar. “Sabemos que elas são cientes de seu ambiente, de si mesmas e umas das outras”, diz Elizabeth Van Volkenburgh, professora de ciência de plantas da Universidade de Washington. Reagir e até enganar insetos fazem parte de seu comportamento. Esses eventos, no entanto, podem ser atribuídos a simples adaptações evolutivas – respostas passivas, em vez de escolhas feitas conscientemente.
As reportagens mostram que os experimentos de Paco levantam pontos interessantes, embora ainda conceituais. Ele e um grupo de pesquisadores desenvolveram um teste para medir se existe um senso de vontade – ou pelo menos cognição – no comportamento das plantas. Nesse teste, primeiro eles questionam se o comportamento é proativo e flexível; segundo, se esse comportamento é antecipatório; e terceiro, determinam se esse comportamento é orientado para um objetivo.
Com essa lista, Paco diz ter encontrado uma planta que se encaixa bem nesses atributos: o feijão. Quando a planta começa a subir, parece estar procurando um lugar mais acolhedor, se estendendo em movimentos de varredura enquanto “decide” onde se estabelecer e, quando se prende a uma nova trilha, apresenta um pico nos seus sinais elétricos – uma combinação de fatores que Paco acredita sinalizar a função cognitiva básica e até, muito mais sublimemente, como evidência de que as plantas têm experiências subjetivas.
Paco descreve vários experimentos que revelam o potencial notável das plantas, como por exemplo, a maneira como elas se comunicam com outras que estão próximas em uma “conversa química”, uma linguagem codificada em cerca de 1.700 compostos orgânicos voláteis.
Em várias de suas palestras, Paco coloca uma Mimosa pudica, conhecida como não-me-toques – ela dobra suas folhas quando são tocadas – em uma redoma de vidro com um algodão embebido em anestésico. Depois de uma hora, a planta não responde mais ao toque, como se tivesse sido colocada para dormir. Nesse momento, se forem colocados eletrodos na superfície das folhas, é possível notar que as ondas de atividade elétrica, que antes se espalhavam pelos tecidos da planta, foram suprimidas.
A pergunta é: se as plantas podem ser adormecidas, isso significa que elas também têm um estado de vigília? Significa que existe um estado de consciência que é desligado pelos anestésicos? Podemos considerar esse estado como uma espécie de senciência, uma experiência interna subjetiva? Se sim, as plantas têm alguma forma de consciência? Paco pensa que sim para essa questões, pois argumenta que as plantas não são apenas “máquinas fotossintéticas” e que é bem possível que tenham uma experiência particular do mundo: “Elas podem ter consciência”.
Outros estudos dele mostram que algumas plantas guardam uma memória de onde o sol nasce e viram suas folhas em direção aos primeiros raios. Elas armazenam esse conhecimento – um modelo interno do que o sol vai fazer – por vários dias, mesmo quando mantidas em total escuridão. A conclusão é de que elas constantemente coletam informações, as processam e as retêm para “fazer previsões, aprender e até se planejar com antecedência”.
Plantas não têm cérebro, mas Paco acredita que elas têm uma “matéria verde” única. Como não têm nervos, usam células em rede para se regularem. Seu sistema vascular consiste em tubos dispostos em camadas, como o córtex dos mamíferos, e que transmite sinais elétricos, como um “cabo que leva notícias por toda a planta”. Isso, Paco sugere, pode ser um sistema “fitonervoso”. Admite, no entanto, que ainda é cedo para dizer se, mesmo nas plantas mais complexas, equivaleria a um cérebro hierarquicamente organizado.
O livro de Paco parecer ser importante, pois busca mudar a nossa percepção sobre as plantas: são organismos complexos com uma variedade de comportamentos, respondendo e antecipando seus ambientes. “Sem elas a vida humana seria insustentável”, ressalta. Isso toca em outro ponto crucial: ao enfrentarmos a realidade da crise climática, precisamos aceitar as plantas como “co-habitantes do planeta”. Compreender essa realidade pode levar a uma mudança fundamental em nossa visão de nosso papel na biosfera e nos ajudar a trabalhar para reequilibrar nossos impactos destrutivos.
São ideias revolucionárias e, como ele mesmo admite, contestadas por muitos cientistas que estudam a fisiologia das plantas. Mas penso que suas pesquisas merecem ser consideradas.
Abraçar a alteridade de uma forma de vida fundamentalmente diferente da nossa pode transformar tanto a compreensão de nós mesmos quanto de nosso papel no planeta.
[…] Mas, a partir desse novo século, começamos ampliar essa perspectiva graças a avanços científicos. Livros e filmes foram produzidos sobre a comunicação inteligente dos fungos e da economia de partilha interespécies nas florestas. As abelhas reconhecem rostos, usam ferramentas, tomam decisões coletivas, dançam para se comunicar e parecem entender alguns conceitos. Estudos mostram que plantas aprendem, se comunicam e tomam decisões, escrevi sobre isso aqui. […]