Um novo aplicativo para smartphone, com base em algoritmo de aprendizagem profunda, pode identificar uma série de doenças genéticas raras, ao analisar fotos de rostos.
Chamado Face2Gene, esse app classifica características faciais de pessoas com desordens neurológicas congênitas. Usando padrões que infere das imagens, cria uma lista de possíveis diagnósticos.
Disponível gratuitamente para profissionais de saúde, eles têm usado o Face2Gene “como uma espécie de segunda opinião para diagnosticar distúrbios genéticos raramente vistos” diz Karen Gripp, coautora do estudo publicado ontem, dia 7 de Janeiro na Nature Medicine.
Gripp, médica geneticista do Nemours / Alfred I. duPont Hospital for Children, afirma que o app pode dar um ponto de partida nos casos em que o médico tem dificuldade em diagnosticar os sintomas do paciente. “É como uma pesquisa no Google”, compara. Ela, que também é diretora médica da FDNA, empresa de saúde digital que concebeu o Face2Gene, usou o algoritmo para ajudar a diagnosticar a Síndrome de Wiedemann-Steiner em uma menina de 4 anos que ela tratou em agosto passado.
Além do fato de ter perdido a maior parte dos dentes de leite e vários dentes adultos já estarem chegando, a garota não apresentava características físicas distintivas da síndrome. Mas, ao ler relatos de casos descrevendo o crescimento dentário prematuro em crianças com essa síndrome extremamente rara, causada por mutações em um gene chamado KMT2A, Gripp, para reforçar a sua confiança no diagnóstico, enviou uma foto da menina para o Face2Gene. A síndrome de Wiedemann-Steiner apareceu entre as principais opções.
Gripp confirmou posteriormente o diagnóstico de sua paciente com um teste direcionado de DNA, mas, ela considera que a abordagem da inteligência artificial ajudou a diminuir as possibilidades e evitou o custo do teste multigene, que é mais caro.
Treinos e precisão
Primeiramente, os pesquisadores da FDNA, liderados pelo diretor de tecnologia, Yaron Gurovich, treinaram o sistema para distinguir duas síndromes com características faciais distintas – a Síndrome de Cornelia de Lange e a Síndrome de Angelman. Também ensinaram o modelo a classificar diferentes formas genéticas de um terceiro distúrbio conhecido como Síndrome de Noonan.
Após esse treino, alimentaram o algoritmo com mais de 17.000 imagens de casos diagnosticados, abrangendo 216 síndromes distintas. Quando apresentaram novas imagens de rostos, o melhor diagnóstico do aplicativo acertou em aproximadamente 65% dos casos. E ao considerar várias previsões, a lista dos dez principais fez o diagnóstico correto em cerca de 90% das vezes.
A FDNA já pensa em desenvolver esta tecnologia para auxiliar outras empresas a filtrar e interpretar variantes genéticas de significado desconhecido durante a análise de DNA. Mas para treinar, é preciso dados.
A precisão do programa vem melhorando à medida que mais profissionais de saúde enviam fotos de pacientes para o aplicativo, diz Gurovich. Existem agora cerca de 150.000 imagens no banco de dados.
Em uma comparação não oficial realizada entre o Face2Gene e médicos em um workshop sobre defeitos congênitos, em agosto passado, o programa superou os profissionais. Charles Schwartz, geneticista do Greenwood Genetic Center, distribuiu imagens faciais de dez crianças com síndromes “bastante reconhecíveis” e pediu aos participantes que fizessem os diagnósticos corretos.
Em apenas dois casos, mais de 50% dos 49 geneticistas participantes escolheram a síndrome correta. Face2Gene fez o diagnóstico correto para sete das fotos.
“Nós falhamos miseravelmente”, diz Paul Kruszka, geneticista clínico do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, nos EUA. “Acho que em breve todo pediatra e geneticista terá um aplicativo como este”, complementa.
Riscos e viés
O algoritmo vai melhorando à medida que mais dados são alimentados. Mas, há um risco, especialmente no caso de raros transtornos que afetam apenas um pequeno número de pessoas no mundo. Empresas e pesquisadores começarão a silenciar e mercantilizar seus conjuntos de dados. “Isso ameaça o potencial dessa tecnologia”, diz Christoffer Nellåker, biólogo computacional da Universidade de Oxford, que liderou os esforços para facilitar o compartilhamento de dados nesse campo.
O viés étnico nos conjuntos de dados treinados que contêm principalmente rostos caucasianos é uma preocupação dos pesquisadores. Um estudo em 20.172 de crianças com deficiência cognitiva descobriu que, enquanto a taxa de reconhecimento do Face2Gene para a síndrome de Down era de 80% entre as crianças brancas belgas, foi de apenas 37% em crianças negras congolesas. Com um conjunto de dados mais diversificado, no entanto, a precisão do algoritmo para rostos africanos melhorou, mostrando que a representação mais equitativa de diversas populações é viável.
“Sabemos que esse problema precisa ser resolvido”, diz Gurovich, “e à medida que avançarmos, conseguiremos derrubar alguns preconceitos”.
Crédito da imagem da capa: Michael Ares/The Palm Beach Post via ZUMA