A realidade de quem precisa conciliar vida profissional e cuidados infantis e/ou com idosos foi muito mais exposta, discutida e analisada durante a pandemia. Essa pressão é sentida há décadas, desde que a participação feminina no mercado de trabalho começou a ascender e a economia a depender da força de trabalho delas. Mas não quero me restringir às mulheres, e sim incluir todas as pessoas que precisam conciliar cuidados familiares com o trabalho.
Chegamos a um ponto em que não podemos pensar em futuro do trabalho sem colocar as famílias – filhos, pais, avós, enteados ou qualquer ente que dependa de assistência e de cuidado – no centro da conversa.
Não podemos pensar em futuro do trabalho sem discutir medidas para apoio à parentalidade na primeira infância; para flexibilização do regime de trabalho; para apoio ao retorno ao trabalho das mulheres após o término da licença-maternidade…
Não podemos pensar em futuro do trabalho sem falar em burnout, estresse e insegurança psicológica…
Não podemos pensar em futuro do trabalho sem falar em desigualdade salarial entre gêneros, desigualdade de desenvolvimento e desigualdade de oportunidades de ascensão na carreira…
Não podemos falar em estratégias para aumentar a produtividade, a eficiência e a inovação – por meio de novas tecnologias, investimentos, viagens à Marte etc – sem olhar para esse núcleo que é a família; sem olhar para as novas demandas e novas expectativas dos trabalhadores e de seus contextos pessoais.
Essa semana, eu li na Época Negócios um texto de uma CEO de um unicórnio de US$ 3,7 bilhões que acredita que o romantismo sobre o futuro do trabalho acabou e que é preciso recuperar a cultura de trabalho que prioriza o crescimento com produtividade: “Do ponto de vista da produtividade e da eficiência, essa narrativa de que todo mundo pode trabalhar de qualquer lugar simplesmente não funciona, diz. “Definitivamente deixamos os tempos de Grande Renúncia. Agora entramos na era dos Grandes Cortes”, profetiza.
Mas será que a cultura de trabalho que prioriza apenas o crescimento e a produtividade – que, a meu ver, é uma cultura fincada no passado – terá chance de sobreviver no futuro, sem priorizar o ser humano?
Não é romantismo falar em flexibilidade no trabalho. Não é romantismo falar em trabalho remoto ou híbrido. Não é romantismo falar em segurança psicológica e em senso de pertencimento. Não é romantismo falar em trabalho & vida-fora-do-trabalho.
Essa desconexão tem consequências profundas. A dificuldade das empresas em lidar com as pressões do dueto “trabalho & família” restringe milhões de mulheres, não apenas de ascender profissionalmente e conquistar posições mais estratégicas e de liderança, mas também de criar uma conjunção saudável entre carreira e maternidade.
A independência financeira delas – fundamental para sua igualdade – está em jogo. E acreditar que o mundo do trabalho limita-se à produtividade & eficiência, amparado por aquele “trabalhador ideal” de outrora – livre e desimpedido de obrigações domésticas e familiares – é um ledo engano.
As empresas perdem porque a produtividade, a inovação e o lucro são impactados quando homens, mulheres e pessoas de qualquer orientação ficam esgotados e exaustos porque além da demanda profissional precisam também se dedicar ao cuidado infantil e/ou ao cuidado com idosos. As famílias perdem porque a nossa infraestrutura social e econômica não condiz com a realidade.
A família – convencional ou não convencional – é uma fonte preciosa de apoio e afeto, mas cuidar dela também pode ser uma fonte de estresse. Muitos jovens, preocupados em como vão lidar com tudo isso, estão optando por não ter filhos.
Nas conversas que tenho com times de RH e lideranças, observo que muitos começam a entender a magnitude desse problema e que é preciso buscar novos caminhos.
O papel fundamental de uma liderança é abrir caminhos e moldar futuros, não apenas reagir ao presente – e ajudar as pessoas a lidar com o desconforto das mudanças e fazê-las evoluir.
Os possíveis caminhos voltam novamente para como pensamos sobre o “futuro do trabalho” e de como iremos criar esse futuro.
Ilustração: Jason Adam Katzenstein
Concordo com você na maioria dos pontos. Acho que a Grande Renúncia pode ter estar passando, mas em seu lugar está entrando o Quiet Quitting. Penso que os efeitos da pandemia nas pessoas e seu reflexo no trabalho está longe de ser totalmente entendido. No entanto, há um aspecto que me deixa um pouco desconfortável: se por um lado há uma parcela da população que realmente pode melhorar sua relação com o trabalho ficando remoto, há uma outra que não tem esse tipo de obstáculo é se beneficiava com as relações mais próximas com as pessoas fora de casa, numa abertura de horizontes com conversas diretas com colegas, num outro nível de proximidade. Essas pessoas estão se sentindo sozinhas, diminuídas e não podem se manifestar sem que alguém desqualifique seus sentimentos como ultrapassamos. Pra mim, termos muito que aprender ainda e estamos longe de poder tomar decisões para um longo futuro,
Concordo também com os pontos levantados no artigo, mas penso que poderíamos estudar mais profundamente o impacto da pandemia sobre as diversas formas de trabalho que experimentamos e traçar possíveis futuros. O modelo hibrido pode ser um excelente caminho para pesquisa e validação, considerando que não se perde totalmente o momento do encontro presencial, do fazer em grupo, e ao mesmo tempo garante uma possibilidade de ” combinados” para quem precisa ficar em casa, seja por conta de cuidados com alguma criança ou idoso, ou também para minimizar os impactos (deslocamentos, etc)