Dentre as várias crises que a COVID-19 deflagrou, a que venho me referir aqui nestas reflexões é a crise da liderança. Percebo diante deste cenário, que o mundo como um todo, está carente de líderes e que nas empresas, nos negócios e nas organizações, a arte de liderar terá mais do que nunca um papel essencial. Em tempos de crises ou catástrofes como guerras, furacões, ataques terroristas, a liderança assume um papel essencial: aceitação do inevitável por um lado e ações rápidas e conscientes, por outro.
A COVID-19 apenas tornou transparente aquilo que já existia: lideranças calcadas em modelos antigos e militaristas, focadas no econômico em detrimento do bem estar coletivo. Me chamou muito a atenção, por exemplo, que, ao redor do mundo, lideranças femininas estiveram a frente das melhores estratégias no combate ao vírus. Da Nova Zelândia à Alemanha, passando pela Islândia, Taiwan ou Noruega – alguns países liderados por mulheres vivenciaram menos mortes pela covid-19. Um artigo recente da colunista Avivah Wittenberg-Cox na revista Forbes confirma esses “exemplos de verdadeira liderança”: “As mulheres estão se colocando à frente para mostrar ao mundo como gerenciar um caminho confuso para a nossa família humana“, escreveu. Mas qual é a parcela do papel das lideranças femininas no relativo sucesso destes países no combate ao coronavírus? O que isso tem a ver com a necessidade de transformação da liderança tanto dentro quanto fora das organizações?
Me conecto com os valores ligados ao feminino e a tarefa de liderar em meio a crises. O feminino nos traz a capacidade de liderar a partir do cuidado, do olhar para o bem comum, para o próximo, da ação ligada intrinsecamente a valores humanos. Refletindo sobre essa experiência de liderança durante a pandemia, alguns questionamentos me parecem contundentes. Que estilo de liderança adotar? Como gerenciar equipes a distância? Como inspirar valores quando o acesso a todo tipo de informações parece ilimitado? Como conduzir a empresa quando praticamente todos os pilares foram postos abaixo? Como comandar a recuperação sob tamanha dose de incerteza, tanto em relação ao macro cenário político e econômico mundial e local, quanto sobre os novos desejos e necessidades dos consumidores?
Estas e outras questões me colocam diante de um pensamento: agora se faz necessário mais do que nunca um compromisso inabalável com os valores essenciais que regem uma empresa, uma instituição ou País. Isso traz segurança e facilita atitudes mais fluidas em relação às estratégia e táticas. Se, por exemplo, uma organização costuma dizer que as pessoas estão em primeiro lugar, essa é a hora para garantir que todas suas decisões reflitam verdadeiramente esse posicionamento. Liderar em tempos de pandemia requer que ideia e ação sejam uma coisa só, requer adaptabilidade, agilidade mas sobretudo acionar um valor essencialmente feminino (e aqui não me refiro a gênero), o cuidado com o próximo. O tão falado propósito só tem sentido agora se for de verdade.
Diante destas reflexões, percebo que muitas lideranças continuam apegadas a dogmas, princípios, ideias e práticas de uma realidade que já não existe mais. É precisamente por isso que, em muitos países, tais como EUA e Inglaterra, líderes erraram feio em suas estratégias para a população. O custo desta vez não foi apenas político ou econômico. O custo se reflete literalmente na vida ou morte de um ser humano. Conectada e tocada com esse tema da necessidade de resignificar a liderança, lembrei-me de uma matéria que li no final do ano passado na Harvard Business Review, que falava justamente de um novo tipo de liderança, os chamados Transformers CLOs. Me chamou a atenção a palavra transformers. Eis aí um conceito necessário: a transformação.
Eles são uma evolução dos CLOs, Chief Learning Officers, responsáveis até então pelo treinamento e desenvolvimento de habilidades e programas de liderança dentro das organizações. Esse novo cargo de Líder Transformador, abraça uma função mais poderosa nas empresas. Sua missão é ajudar as organizações e seus funcionários a prosperarem nesse ambiente de rápidas mudanças. Parece que agora mais do que nunca chegou a hora já que, desta vez, a mudança é global, avassaladora e requer de todos nós uma adaptabilidade sem precedentes.
Vejamos do que se trata essa transformação. Esse novo líder seria responsável por remodelar as capacidades, a cultura, além de proporcionar o aprendizado não apenas aos poucos eleitos CEOs mas sim para todos os colaboradores, garantindo o aprendizado e o desenvolvimento geral como medida fundamental de sucesso no ambiente dinâmico e complexo de hoje. “Os Transformers CLOs estão transformando os objetivos de aprendizado de suas organizações, mudando o foco do desenvolvimento de habilidades para o desenvolvimento de mentalidades e capacidades que ajudarão os trabalhadores a se adaptarem ao futuro”, diz Abbie Lundberg e George Westerman, autores do artigo na Harvard. A real função é transformar os métodos de aprendizado, tornando-os mais experienciais e imediatos além dos departamentos de aprendizado das organizações, tornando-os mais enxutos, mais ágeis e mais estratégicos.
O que a recente mudança de cargo nos diz sobre esse futuro que se presentificou e se acelerou com a pandemia? Esta não é apenas uma mudança de nomenclatura. É, ou invés disso, uma mudança radical que começa a crescer nas empresas que assumem o papel de educadoras. O novo cargo nos antecipa os novos comportamentos necessários para enfrentar o trabalho do futuro: aprender sempre e crescer ativamente. Confinados em casa e experimentando o trabalho remoto, mais do que nunca, se faz necessário buscar ativamente novos conhecimentos e aprender novas formas de aprender. O compromisso com a aprendizagem constante e ao longo da vida, o famoso lifelong learning, agora parece que ficou mais necessário do que nunca. “O conceito de educação ao longo da vida é a chave que abre as portas do século XXI; ele elimina a distinção tradicional entre educação formal inicial e educação permanente”, afirma Jacques Delors, no relatório “Educação: um tesouro a descobrir”, da Unesco. Ana Maria Diniz, uma das fundadoras do movimento Todos Pela Educação, concorda com essa visão. Para ela, educar uma pessoa desde pequena, e por apenas parte da vida dela, para que a mesma exerça uma função específica durante o resto a sua existência não faz mais tanto sentido hoje quanto antigamente. “O modelo de ensino tecnicista do século 20 que predomina até hoje, definitivamente, não prepara ninguém para o trabalho e para a vida no século 21”, diz a especialista.
Essa cultura de aprendizado contínuo deve-se ao fato de que a vida útil de qualquer conjunto de habilidades está diminuindo. O impacto transformador da Quarta Revolução Industrial já nos mostrava que as habilidades caducavam muito mais rápido. Agora, com a pandemia, escancara-se a dura realidade de nossa inabilidade em adequar novos mindsets como a digitalização do trabalho e do ensino, a flexibilidade temporal, o work life balance, mas sobretudo nossa inabilidade em aprender a colaborar, estabelecer redes, sermos mais empáticos e criativos e resolvermos problemas complexos.
De acordo com o Future of Jobs Report, do Fórum Econômico Mundial, daqui a cinco anos, mais de um terço das habilidades que acreditamos serem essenciais para a força de trabalho de hoje terá mudado. Inovações tecnológicas em ritmo acelerado antecipam que a maioria de nós compartilhará em breve locais de trabalho com inteligências artificiais e bots. Então, como ficar à frente da curva? Segundo o renomado Sir Alan Tuckett, professor de educação da Universidade de Wolverhampton, membro honorário do Instituto de Lifelong Learning da UNESCO, precisamos ter hoje “pessoas que aprendam a aprender”.
Isso pontua o fato de que o próprio conceito de aprendizado está sendo resignificado, agora mais do que nunca. Nas empresas, portanto, os líderes transformadores são responsáveis por acessar outros tipos de aprendizados que levam em conta necessidades e níveis de entendimento específicos. Ou seja, a personalização e a digitalização, hoje, mais do que nunca se fazem necessários. Outra mudança é uma atenção não apenas em aprendizados específicos, mas em temas que não necessariamente estejam ligados a uma função na empresa. Também para acomodar as diferentes preferências dos funcionários em relação à maneira como consomem e absorvem as informações e por conta do confinamento e do trabalho remoto em massa, um número crescente de empresas podem disponibilizar treinamentos através de uma variedade de mídias – texto, áudio, vídeo.
Os Transformers CLOs estão introduzindo por exemplo, programas que reservam tempo de aprendizado nos calendários das pessoas além de aplicativos móveis que colocam questões de liderança para os gerentes durante o dia. Também há um incentivo a jogos e simulações que incentivam os especialistas da empresa a produzir vídeos instrutivos do tipo YouTube. Além do uso da inteligência artificial para desenvolver mecanismos de recomendação que, guiados pelo comportamento individual e de colegas, sugerem atividades de aprendizado personalizadas para os funcionários. Em resumo, nessa mudança de aprendizado há uma atenção em criar experiências atraentes e eficazes que atendam aos funcionários onde quer que estejam, geograficamente, temporalmente ou intelectualmente. Essa mudança vai de encontro com o momento histórico que estamos vivendo, nos apontando que a virtualidade e o aprendizado podem andar de mãos dadas.
A necessidade das organizações se tornarem mais adaptáveis, significa mudar os objetivos do aprendizado corporativo. Ao invés de focar estritamente no treinamento relacionado ao trabalho, as organizações precisam urgentemente cultivar a capacidade de todos de explorar, aprender e crescer. O objetivo nessa mudança é concentrar-se nos recursos e não em competências. Isso requer obviamente uma transformação profunda.
Outo ponto importante é a ênfase no pensamento digital. Até recentemente, fornecer treinamento a todos os colaboradores era muito caro e não havia treinadores suficientes. Os funcionários quase sempre tinham que estar fisicamente presentes nas sessões de treinamento, o que geralmente significava viajar, sair do local do trabalho, sem falar nos custos para a empresa. Isso, naturalmente, acabou limitando a quantidade de participantes em um treinamento, tornando o aprendizado uma oportunidade exclusiva e não democrática. Hoje, com a pandemia, houve uma aceleração rumo a instrução digital, permitindo acessar o aprendizado quando e onde necessário, expandindo as chances de tocar um número maior de pessoas.
Em seus programas de mudança, os Transformers CLOs procuram se concentrar mais no desenvolvimento de mentalidades e comportamentos do que no desenvolvimento de habilidades. “Realmente não sabemos o suficiente sobre como será o mundo nos próximos anos para prever exatamente quais habilidades precisaremos“, disse Amelie Villeneuve, diretora da universidade corporativa da UBS, multinacional financeira. “Se nos concentrarmos na construção de micro habilidades individuais, podemos estar perdendo o quadro geral“, diz ela.
Como atuar acessando o modus operandi Líder Transformador:
– Reformular os objetivos de aprendizagem
– remodelar o desenvolvimento da liderança
– concentrar em capacidades, não em competências
– enfatizar o pensamento digital
– cultivar a curiosidade e a mentalidade de crescimento
– otimizar o inventário dos recursos de aprendizagem
– equilibrar a aprendizagem presencial e digital
– repensar a aprendizagem presencial
– ir além da instrução
– atuar como curadores e co-criadores
– fomentar a aprendizagem dos pares
– medir o impacto
As palavras de Villeneuve nos convidam a refletir sobre voltar a atenção para o desenvolvimento integral do ser humano. Habilidades caducam. Saberes permanecem. Transformar, aprender, crescer, abrir, explorar, desenvolver, personalizar, digitalizar e ressignificar o aprendizado nunca estiveram tão em alta.
Crédito da imagem da capa: Lee Kyutae, aka Kokooma.
Muito interessante e bem colocado o seu artigo e tema que nos desafia agora!
Seu artigo me fez lembrar de uma tese de Antropologia que falava das primeiras sociedades primitivas, era Paleolítica, que eram “matri-descendentes” e tinam a deudade na figura feminina, porque as mulheres geravam vidas. Eram sociedades com liderança feminina sem hierarquia, no entanto, com mais colaboração. Essa tese também não se refere à “gênero”, mas ao posicionamento de aspecto feminino no quesito “cuidado”.
Excelente estudo sobre o futuro da humanidade. Pois, não podemos esquecer que o mundo sempre será comandado por decisões de homens e mulheres em cargos públicos. Principalmente pela máquina que faz o mundo girar chamada de “economia globalizada”.
Infelizmente ainda hoje o mundo machista, super valoriza os políticos e líderes do sexo masculino. A grande prova disso ainda são as diferenças salariais em torno de – 40% para o sexo feminino.
Mas as mudanças que já vinham ocorrendo de uma forma lenta e gradual, a partir da pandemia, será mais rápida e urgente para a política e economia mundial.
Os líderes do sexo feminino, sejam da área pública e privada, se destacam pela ética, moral, nível de concentração, foco, fé, caráter e principalmente pelo sentimento humano, sentimento de filha, de irmã e de mãe. Esse sentimento humanitário, poderá transformar as empresas públicas e privadas a valorizarem antes de qualquer outra coisa a humanização denteis das instituições. Possibilitando, a melhoria na qualidade de vida de seus funcionários ou da população em geral…
Com a redução do nível de corrupção mundial, principalmente no terceiro mundo, o crescimento da economia mundial será uma realidade, transformando o mundo!