Certa vez, em uma das aulas de Mídia e Poder da pós-graduação, meu Professor disse: “toda notícia é somente um ponto de vista sobre um acontecimento”. Caminhando de uma ponta a outra na sala, ele explicitou: “de onde eu estiver nessa sala, minha visão sobre o todo será diferente, embora esse todo não mude”. Nesse instante, compreendi que todo fato contado passa pelo filtro de um ponto de vista.
Além das notícias, há uma imensa quantidade de dizeres e informações que chegam até nós todos os dias. Todos eles são apenas um “recorte” de algo que é (ou ao menos pode ser) muito mais amplo, editado para atender interesses específicos (propositalmente ou não).
Isso não é de hoje. Desde que os seres humanos passaram a se comunicar verbalmente, seus discursos são elaborados para atingir certos objetivos e não outros. Essa “seleção da informação”, por meio da escolha deliberada das palavras e de como construir uma narrativa, faz parte da natureza da comunicação simbólica entre as pessoas.
Todo texto e toda fala que seja compreensível e que “faça sentido” para um determinado público passa a ser um discurso, seja ele uma conversa informal, um debate, uma palestra, uma peça publicitária, um artigo ou uma notícia na TV. E todo discurso é construído a partir do repertório cultural de quem escreve ou fala: sua história de vida, crenças, visões de mundo e valores. Portanto, podemos dizer que Comunicação não é, nunca foi e provavelmente jamais será neutra.
Esses discursos também passam pelos mesmos filtros do repertório cultural de quem interpreta a mensagem. Assim, os sentidos produzidos também sofrem influências e são reconstruídos.
Com o advento da Internet e em especial das redes sociais, as “vozes” que propagam seus discursos deixaram de ser somente as agências comunicadoras por natureza: escola, mídia, governos, empresas e líderes. Em uma comunicação multilateral – ou seja, de muitos para muitos – característico dos processos interativos nas redes sociais, as mensagens são construídas e reconstruídas por diferentes atores, mesclando fatos, entretenimento, opiniões pessoais e publicidade, produzindo novos discursos e significados.
Nesse sentido, na Sociedade da Informação em que vivemos, é essencial que desenvolvamos habilidades para “ler o que está dito nas entrelinhas” e estabelecer uma relação dialógica – e não de passividade (e nem de agressividade!) – com o que se ouve, lê ou vê, muito mais ainda quando entram em jogo as notícias falsas, ou fake news.
Essa é uma preocupação antiga que vem se fortalecendo nos últimos anos no meio educacional em nível global. Em 2016, a UNESCO publicou um documento intitulado “Alfabetização Midiática e Informacional – Diretrizes para a formulação e Políticas e Estratégias” que tem como um dos objetivos principais apresentar caminhos a tomadores de decisão para capacitar pessoas a conhecerem as principais funções dos provedores de informações – tradicionais, desde as tradições orais, até os digitais – e identificar, selecionar, avaliar e utilizar adequadamente essas informações, desenvolvendo seu senso crítico e seu pleno exercício da cidadania.
Alfabetização midiática e informacional: uma proposta de matriz conceitualO círculo central da matriz, denominado “informação, mídia e outros provedores de informação, incluindo aqueles na internet”, representa as fontes de informação e os meios pelos quais a informação é transmitida, bem como a mídia como uma instituição (por exemplo, rádio, televisão, jornais, bibliotecas, acervos, museus, dispositivos móveis etc.). A disponibilidade e o acesso à informação, à mídia e a outros provedores de informação, incluindo aqueles na internet, são aspectos importantes de um ambiente favorável para a expansão da AMI. Fonte: UNESCO)
Embora Alfabetização Informacional e Alfabetização Midiática sejam conceitos diferentes, a junção de ambos, nesse estudo, teve como objetivo apresentar uma visão integral de Educação para as Mídias. Alfabetização Informacional tem como foco desenvolver habilidades para estar bem informado e fazer o uso ético e assertivo dessa informação – seja ela proveniente de qual meio for: um livro, um programa de rádio, um jornal impresso ou digital ou um vídeo no Youtube.
A Alfabetização Midiática vai além. É conhecer as condições de produção dessa informação, suas funções de acordo com os interesses em questão e a avaliação crítica dessa informação.
Informação como direito
O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que “todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de opinar livremente e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente das fronteiras”.
Em sociedades baseadas na Informação e no Conhecimento, onde as fronteiras entre produtores e consumidores de informação tornaram-se praticamente inexistentes, especialmente no ambiente digital, a garantia desse direito humano básico pressupõe educar pessoas para fazer uso ético e consciente sobre ele.
As potencialidades que as novas tecnologias comunicacionais proporcionam são imensuráveis e inegáveis, porém os riscos e desafios atrelados a elas também.
Assim, é essencial e urgente uma Educação que desenvolva o senso crítico das populações, capacitando pessoas para que conheçam os bastidores, os processos e as finalidades na construção de um discurso, tornando-as, ao mesmo tempo, leitoras (e espectadoras) críticas e produtoras com senso de responsabilidade sobre os seus próprios discursos, seja no ambiente online ou offline.
Numa era em que o acesso à informação está garantido (embora longe de ser democratizado e universalizado), o desafio agora é que sejamos capazes de ir além do “o que é dito” para “por que é dito?”, refletindo sobre as intenções e as possíveis consequências desse dizer.
É desenvolver uma postura questionadora e crítica não somente sobre as mídias e os discursos que nela circulam, mas sobre tudo ao nosso redor. É nos tornar conscientes que, independentemente do que é dito, esse é somente um recorte, moldado pelo ponto da sala que quem fala está, exatamente naquele tempo e espaço.
Crédito da imagem da capa: Cottonbro