Ao longo dos anos pesquisando e vivendo a aprendizagem autodirigida, eu percebi que existem diferentes caminhos para praticá-la.

Aprender de maneira autodirigida, em resumo, significa assumir a autoria do seu próprio processo de aprendizado, seja em ambientes formais, não-formais ou informais.

O mais comum, no entanto, é associar a aprendizagem autodirigida com o ambiente informal, pois é fora dos espaços formais – via de regra, bastante escolarizados – que a autodireção costuma encontrar mais respiros para se desenvolver.

Aprender no modo autodirigido e informal consiste, por exemplo, em pesquisar no Google quando ficamos curiosos com alguma coisa. Ou então perguntar a alguém sobre uma dúvida que temos no trabalho. Ou assistir a vídeos no Youtube quando estamos aprendendo um novo hobby ou habilidade.

O ato envolve vontade e intencionalidade, e o seu desenrolar pode incluir outras pessoas e redes ou não. A aprendizagem autodirigida não precisa ser solitária. Em um sentido mais profundo, ela sempre se dá em relação.

Além dos exemplos que mencionei acima, todos muito simples e corriqueiros, podemos adicionar camadas de estrutura, profundidade e significado ao aprendizado autodirigido a partir do que eu chamo de jornadas.

A jornada é um caminho que você pode criar para si mesmo e que consiste em aprofundar, concatenar e dar sentido a diversas experiências de aprendizagem autodirigida como conversas, cursos livres, viagens, mentorias, momentos de prática, desafios, leituras, vídeos, eventos, encontros, compartilhamentos etc, todas geralmente sobre um mesmo assunto ou assuntos correlatos.

Através dela, você consegue transformar o oceano de infinitas possibilidades de aprendizado em um rio navegável. Assim, é possível estruturar um percurso integrando diferentes momentos e sabores a partir de um fio condutor coerente e explicável.

Foi isso que eu fiz entre 2013 e 2016, em uma jornada de aprendizagem autodirigida que chamei de “doutorado informal” (meu amigo André Gravatá é o criador original desse termo). Durante esses anos, eu construí um percurso de investigação e criação que me permitiu aprofundar no universo que mais me interessava naquele momento: o aprendizado livre.

Neste texto, você vai entender como essas jornadas podem acontecer, e o que é necessário para que você também possa criar a sua dentro de qualquer tema ou área de conhecimento.

Os diferentes tamanhos das jornadas

Uma jornada de aprendizagem autodirigida pode durar de 1 a 2 semanas até 3 anos ou mais. Para diferenciar esses tamanhos e complexidades, eu proponho uma nomenclatura simples: jornadas P, M e G.

Jornada P: é um percurso de aprendizagem autodirigida cuja duração varia entre 1 ou 2 semanas até 3 meses. Costuma ser focada em um tema mais específico/menos abrangente – por exemplo, “técnicas de facilitação online” – e é ideal para aprendizes autodirigidos iniciantes.

Jornada M: percurso com duração de 3 a 6 meses. Uma recomendação importante para jornadas tamanho M é planejá-la em ciclos menores para manter a motivação alta – isto é, em vez de apenas uma “linha de chegada”, você começa a criar linhas de chegada intermediárias ao longo do caminho. Para jornadas tamanho M, o arquétipo de três fases (Exploração, Sprints e Entrega) já começa a ser mais perceptível – falarei sobre ele mais adiante.

Jornada G: ​percurso com duração de 6 meses até 1-3 anos. Requer uma dose de persistência maior, mas também pode gerar resultados e descobertas mais profundas. As fases de Exploração, Sprints e Entrega costumam se tornar bastante evidentes e é fundamental recortar o processo em ciclos menores com várias linhas de chegada parciais. O doutorado informal que realizei sobre aprendizado livre é um exemplo de jornada tamanho G.

O arquétipo Exploração, Sprints e Entrega

​Especialmente no que se refere às jornadas tamanho M ou G, ou seja, na medida em que elas vão se tornando mais complexas e profundas, é possível distinguir três etapas ou modos de funcionamento.

1. Fase de exploração

A fase de exploração é um período marcado por investigações amplas, por experimentações e por mais perguntas do que respostas, de modo que ainda não há tema central bem definido. Nessa fase, o aprendiz mapeia seus interesses e se questiona sobre o que realmente deseja aprender a partir de seus desafios, vontades de aprimoramento, curiosidades e propósitos.

Nessa etapa, é comum que a pessoa se sinta confusa e “impostora”, uma vez que muitas descobertas do percurso ainda estão… encobertas. Ao mesmo tempo, pode ser também um período de grande entusiasmo, pois o explorar é rico em novidades e surpresas.

A fase de exploração é um ótimo meio para que o aprendiz comece a descobrir (ou a fortalecer) seu Horizonte, isto é, a chama interna que o guiará ao longo de todo o seu aprendizado. E, em algum momento, ele deverá organizar/estruturar uma etapa mais focada que permitirá que ele desvende os Territórios iluminados pelo seu Horizonte.

Não há um tempo preestabelecido para a fase de exploração. Vai depender do tamanho da sua jornada (P, M ou G) e do quanto você entende que faz sentido explorar antes de se comprometer com um tema (ou uma confluência de temas). Em geral, o comprometimento com cada nova ideia ou tema de aprendizado nessa fase é efêmero, e é bom que seja assim, até que você encontre algo no qual realmente deseja se aprofundar.

No meu doutorado informal, minha fase de exploração durou por volta de 6 meses. E a transição para a próxima fase ocorreu por meio da construção de um projeto – no meu caso, um projeto de financiamento coletivo.

Algumas ações recomendadas ao longo da fase de exploração são conhecer e conversar com muitas pessoas diferentes, fazer entrevistas, voluntariar em grupos e projetos, viajar e viver experiências, participar de eventos e acessar diferentes fontes de conhecimento.

Além disso, durante a exploração, você também costuma descobrir muito sobre si mesmo – por isso, alguns momentos de silêncio, pausa e retiros também são recomendados.

2. Fase de sprints

Para avançar da fase de exploração para a fase de sprints – que são ciclos de aprendizado curtos e evolutivos –, é preciso solidificar uma intenção e se comprometer com uma direção mais focada.

Nesse sentido, pode ser interessante construir um projeto de aprendizagem, ainda que ele possa ser modificado ou até totalmente refeito mais tarde. Se durante a exploração você já garimpou várias fontes relevantes (Conteúdos, Experiências, Pessoas e Redes), agora é a hora de selecionar e filtrar os caminhos que você realmente deseja trilhar.​

Caso queira criar um projeto como uma forma de organizar/estruturar sua jornada, tenha em mente que ele não precisa ser complexo nem muito longo, mas deve refletir os principais “lugares” que você pretende “visitar” ao longo do seu percurso de aprendizado.​

Algumas perguntas úteis para criar um projeto são:​

– O que eu gostaria de descobrir/criar/fazer/aprofundar?

– Se minha jornada aparecesse na capa de um jornal, qual seria o título da manchete?

– Se essa jornada que estou trilhando fosse um livro, como seria o índice e quais seriam os nomes dos capítulos?

– Se minha jornada fosse um curso, quais seriam os nomes dos módulos, das aulas, dos professores e a bibliografia indicada?

– Quais os principais Conteúdos, Experiências, Pessoas e Redes (CEP+Rs) que eu irei acessar ou criar durante a jornada?

A partir da definição do foco da sua jornada – que se torna mais fácil e precisa com a construção de um projeto –, a fase de sprints começa de fato. E ela é caracterizada por pequenos avanços sustentados ao longo do tempo a partir de uma mentalidade ágil.

Em vez de tentar aprender muito de uma vez, a ideia é “recortar” o processo em fases menores e contínuas. É mais fácil manter a motivação e a consistência ao longo da jornada quando você a subdivide em pequenos ciclos, pois isso te fornece várias “pequenas vitórias”.

Pense em um jogo de videogame, por exemplo: em geral, você não luta contra o chefão logo na primeira fase. Você passa por diferentes níveis até estar preparado para o confronto final. A lógica é a mesma.

Da forma como vejo, o ideal é cada ciclo ou sprint “desaguar” em uma pequena entrega específica, porque isso vai fazer com que você sinta que está progredindo continuamente. Essa entrega pode ser um pequeno desafio que você cria para si mesmo ou então um compartilhamento de suas descobertas com o mundo.

“De grão em grão, a galinha enche o papo”. É esse o espírito da fase de sprints.

3. Fase de entrega

​A fase de entrega é o momento de fazer transbordar suas descobertas e criações. A “entrega” de uma jornada de aprendizagem autodirigida pode assumir a forma tanto de um compartilhamento de conhecimento quanto de um desafio final, ou ambos.

Acredito muito em dois “mantras” em relação à entrega: “vale tudo, só não vale qualquer coisa” e “entrega é entregar-se”.

O primeiro se refere aos formatos de entrega de cada um, indicando ao mesmo tempo uma autonomia para que a pessoa possa definir livremente esses formatos (“vale tudo”) e uma expectativa de que seja algo feito de maneira consistente e caprichosa (“só não vale qualquer coisa”).

O segundo, “entrega é entregar-se”, é mais filosófico e remete ao fato de que a entrega, além de significar um transbordamento daquilo que foi vivido na jornada, significa também largar mão do controle, abrir espaço para o que quer emergir, confiar no processo.

Para compreender o conceito de entrega no contexto da autodireção, pode ser útil compararmos com o seu significado no modelo educacional tradicional. Minha amiga Isadora Martins explorou esse tema em um de seus textos para o livro “Se joga que aqui tem rede”, que escrevemos juntos em 2020.

“Anos na escola (que, em sua maioria, operam em um sistema heterodirigido de aprendizagem) nos levaram a vivenciar entregas como a destruição de um fardo. Ao final de um período de ensino formal (como o ano letivo, por exemplo), a entrega é uma exigência e suas condições são definidas por um outro que não o aprendiz (o mestre, a instituição, a figura de autoridade nessa relação). A autoridade verifica o que aprendemos; a entrega é o meio pelo qual ela o faz. Porém, mais do que isso: a entrega é, sobretudo, um rito de passagem forçado dentro do sistema.

A cada entrega realizada segundo as condições impostas, recebemos uma alcunha, uma medalha chamada permissão. Sim: permissão para seguir adiante. Com ela, finalmente sentimos que estamos prontos, aptos a dar o próximo passo. E então passamos da primeira para a segunda série e da segunda para a terceira, avançando na marcha do progresso acadêmico de acordo com nossas habilidades e, sobretudo, nossa sorte e nossos privilégios”.

Percebe a diferença?

Na aprendizagem autodirigida, a entrega é um convite, e não uma obrigação. Ela parte daquilo que está mais vivo e que se quer compartilhar ou viver, e não de uma imposição no sentido de provar algo para alguém.

Quanto mais você se acostumar com pequenas entregas ao longo da jornada em vez de apenas uma grande entrega no final, mais coragem você terá para criar uma entrega grandiosa quando chegar o momento. Para que essa lógica de pequenas entregas seja possível, outro mantra importante é: “feito é melhor que perfeito”.

O período de entrega também é uma oportunidade para contar a história da jornada – de certo modo, é como um rito de passagem.

Como foi viver esse percurso? Quais foram os principais desafios enfrentados? E as transformações? O que fazia sentido antes e, agora, deixou de fazer? Quem é a nova pessoa que você se tornou? Qual foi o “elixir” encontrado (na forma de novos conhecimentos e criações)?

Por tudo isso, o momento de entrega merece ser celebrado junto a pessoas queridas que estiveram com você ao longo da jornada. No meu doutorado informal, por exemplo, eu criei dois eventos para isso, um para cada livro que escrevi. Em ambos, eu utilizei espaços cedidos por amigos e não gastei um centavo para realizá-los.

Como você poderia criar um momento especial para celebrar a(s) entrega(s) da sua jornada? E quem poderia te ajudar nisso?

Recapitulando e baú de histórias

Ao longo dos anos testemunhando jornadas de aprendizagem autodirigida e criando algumas para mim mesmo, eu entendi que as três fases descritas acima costumam aparecer com bastante frequência.

É por isso que estou usando aqui a palavra “arquétipo”, pois acredito que essas fases juntas formam um padrão que se repete em diferentes experiências e circunstâncias.

Ainda assim, não quero dizer com isso que todas as jornadas precisam seguir esse modelo. O processo, justamente por ser autodirigido, tende a ser bastante singular, o que significa que você pode e deve recriá-lo para atender às suas necessidades, preferências e contextos.

É possível que você identifique algumas semelhanças entre o arquétipo Exploração, Sprints e Entrega e abordagens como Design Thinking, Jornada do Herói e outras. Isso ocorre porque, ao meu ver, elas também refletem percursos de aprendizagem autodirigida, ainda que em linguagens e com objetivos diferentes.

De maneira prática – e resumindo o que detalhei acima –, o que eu recomendo que você faça para criar a sua própria jornada de aprendizagem autodirigida é:

Explore, explore, explore: é a melhor forma de decidir com quais temas de aprendizado você realmente deseja se comprometer na sua jornada

Estabeleça um foco/crie um projeto: encontrou algo que te fascina a ponto de valer a pena estruturar uma jornada? Então defina o tamanho dela e crie seu projeto de aprendizagem (ainda que isso possa mudar depois)

“Recorte” o percurso em fases menores: a partir de pequenas sprints com entregas visíveis, você mantém sua motivação em alta e ainda gera valor a partir de compartilhamentos contínuos

Crie a sua entrega (compartilhamento ou desafio final): em vez de um TCC maçante, você constrói algo significativo com o potencial de beneficiar outras pessoas – eu escrevi dois livros gratuitos, por exemplo –, ou então define para si mesmo um desafio para testar seus aprendizados na prática (a fase do “chefão” no videogame)

A criação intencional de jornadas de aprendizagem autodirigida é um dos principais caminhos para quem deseja assumir o protagonismo pelo próprio desenvolvimento.

Você pode usar essa abordagem a qualquer momento e em qualquer área da sua vida, seja pessoal ou profissional.

Abaixo estão vários links com histórias reais de pessoas que já fizeram isso, inclusive a minha:

Jornadas são uma forma de sair da fôrma educacional – mas criando um fluxo de aprendizagem estruturado de acordo com a intenção e as experiências que você deseja vivenciar.

Com essa ferramenta em mãos, você será capaz de aprofundar em qualquer tema ou habilidade, de modo a criar um percurso inconfundível a partir dos “o quês” e dos “comos” que realmente fazem sentido pra você.

Obs.: se o caminho da aprendizagem autodirigida faz sentido pra você, inscreva-se gratuitamente para a estreia do documentário AUTODIREÇÃO – A Revolução no Aprendizado. Link de inscrições aqui.

Ilustração da capa: Ryan Gillett

Alex Bretas

Alex Bretas é escritor, palestrante e especialista em aprendizado autodirigido e lifelong learning. É o idealizador do MoL, uma comunidade de aprendizagem autodirigida, e coautor do livro Core Skills: 10 habilidades essenciais para um mundo em transformação. Colabora com as empresas na redefinição da sua cultura de aprendizagem e com os indivíduos na sua capacidade de aprender a aprender. Saiba mais em www.alexbretas.com

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