Médicos da UCSF Health conseguiram com sucesso tratar uma paciente com depressão severa, acessando o circuito envolvido nos padrões depressivos do seu cérebro e os reconfigurando através de estímulos.
O estudo, publicado ontem na Nature Medicine, representa um marco após anos de tentativas para aplicar os avanços da neurociência ao tratamento de transtornos psiquiátricos.
O implante experimental de última geração monitora a atividade neural em busca de biomarcadores que sinalizam o início da depressão e atinge antecipadamente, e em tempo real, a região específica do cérebro para interromper o ciclo e melhorar os sintomas de humor.
“Este estudo mostra o caminho para um novo paradigma que é desesperadamente necessário na psiquiatria”, comemora Andrew Krystal, coautor sênior do estudo. “Desenvolvemos uma abordagem de medicina de precisão que tratou com sucesso a depressão resistente ao tratamento de nossa paciente, identificando e modulando o circuito em seu cérebro que estava exclusivamente associado aos sintomas.”
O estudo relata o primeiro paciente humano a ser tratado com o implante cerebral experimental. Sarah, de 36 anos, tinha depressão severa resistente a tratamentos, e já tinha tentando todas as terapias – de antidepressivos à eletroconvulsoterapia (ECT). “Eu não tinha mais esperança”, desabafou. “Estava tão deprimida, que não poderia mais continuar assim. Não era uma vida que valesse a pena”.
O início desse projeto na UCSF começou com um amplo esforço multicêntrico patrocinado pela iniciativa BRAIN (Brain Research through Advancing Innovative Neurotechnologies) do ex-presidente Obama, em 2014.
Por meio dessa iniciativa, Edward Chang, neurocirurgião da UCSF, e seus colegas, conduziram estudos para entender a depressão e a ansiedade em pacientes submetidos a tratamento cirúrgico para epilepsia, em que os transtornos de humor também são comuns. Eles descobriram padrões de atividade elétrica no cérebro que se correlacionam com estados de humor e identificaram novas regiões cerebrais que poderiam ser estimuladas para aliviar a depressão.
Com os resultados da pesquisa anterior como guia, Chang, Krystal e Katherine Scangos, MD, PhD, desenvolveram uma estratégia baseada em duas etapas que nunca haviam sido usadas na pesquisa psiquiátrica: mapear o circuito de depressão da paciente e caracterizar seu biomarcador neural.
“Este novo estudo reúne quase todas as descobertas críticas de nossa pesquisa anterior em um tratamento completo voltado para o alívio da depressão” – Edward Chang.
Abordagem personalizada
Ensaios clínicos anteriores tiveram sucesso limitado no tratamento da depressão com estimulação cerebral profunda (DBS), em parte porque a maioria dos dispositivos só oferece estimulação elétrica constante, geralmente apenas em uma área do cérebro. Um grande desafio é que a depressão pode envolver diferentes áreas do cérebro em diferentes pessoas.
O que tornou este estudo de prova de conceito bem-sucedido foi a descoberta de um biomarcador neural – um padrão específico de atividade cerebral que indica o início dos sintomas – e a capacidade da equipe de personalizar um novo dispositivo DBS para responder apenas quando reconhece esse padrão. O dispositivo então estimula uma área específica do circuito cerebral, criando uma terapia imediata e sob demanda tanto para o cérebro do paciente quanto para o circuito neural que causa a depressão.
Esta abordagem personalizada aliviou os sintomas da paciente quase imediatamente, comparado à demora de quatro a oito semanas do tratamento padrão e durou mais de 15 meses em que ela teve o dispositivo implantado. Para pacientes com depressão resistente ao tratamento de longo prazo, esse resultado pode ser transformador.
Para personalizar a terapia, Chang colocou um dos eletrodos do dispositivo na área do cérebro onde a equipe encontrou o biomarcador e o outro eletrodo na região do circuito de depressão de Sarah, onde a estimulação aliviou os sintomas de humor. O primeiro monitorava constantemente a atividade; ao detectar o biomarcador, o dispositivo sinaliza para o outro eletrodo fornecer uma pequena dose (1mA) de eletricidade por 6 segundos, o que causa a alteração da atividade neural.
“A eficácia desta terapia mostrou que não apenas identificamos o circuito cerebral correto e o biomarcador, mas fomos capazes de replicá-lo em uma fase posterior totalmente diferente do teste usando o dispositivo implantado”, explicou Scangos. “Esse sucesso em si é um avanço imenso em nosso conhecimento sobre a função cerebral que está por trás das doenças mentais.”
Para Sarah, foi uma oportunidade de progresso real após anos de terapias fracassadas. “Nos primeiros meses, a diminuição da depressão foi tão abrupta, que eu não tinha certeza se iria durar assim”, disse ela. “Mas durou”.
Poucos dias depois de o dispositivo personalizado ser implantado, a depressão de Sarah começou a diminuir. Antes do implante, ela pontuou 36 de 45 na Escala de Avaliação de Depressão de Montgomery – Åsberg (MADRS). Apenas 12 dias após o implante ter sido ativado, sua pontuação caiu para 14 e, vários meses depois, caiu ainda mais, chegando a 10, que é uma pontuação que significa remissão clínica.
“A ideia de estimular uma pessoa e apenas alguns segundos depois, ela dizer, ‘Minha depressão se foi’… é simplesmente impressionante”, disse Krystal ao StatNews. “Há uma sensação de alívio por sentir que não é culpa dela, porque é mutável pela modulação dos circuitos cerebrais.”
Estudo empolgante
Jonathan Roiser, neurocientista da University College London, considera o novo estudo “empolgante”, mas enfatiza que tratou apenas uma única paciente. Não está claro o quão personalizado um sistema como este precisará ser para funcionar em outros pacientes.
“Embora este tipo de procedimento cirúrgico invasivo só seja usado nos pacientes mais graves com sintomas intratáveis, é um passo incrível devido à natureza personalizada da estimulação”, diz Roiser. “É provável que, se testado em outros pacientes, sejam necessários diferentes locais de estimulação, já que o circuito cerebral preciso dos sintomas subjacentes provavelmente varia de pessoa a pessoa”.
Scangos concorda que há muito mais trabalho a ser feito antes que esse tipo de terapia chegue para uso clínico no mundo real. Sarah mostrou até agora uma melhora consistente ao longo dos 12 meses em que fez o implante, mas os efeitos a longo prazo da terapia ainda são desconhecidos.
Embora a abordagem pareça promissora, a equipe de pesquisadores avisa que este é apenas o primeiro paciente no primeiro ensaio. “Ainda há muito trabalho a ser feito”, pondera Scangos. “Precisamos observar como esses circuitos variam entre os pacientes e repetir esse trabalho diversas vezes. E precisamos ver se o biomarcador de uma pessoa ou o circuito do cérebro muda ao longo do tempo à medida que o tratamento continua”, informou
Desde o sucesso com Sarah, os pesquisadores recrutaram mais dois participantes. A meta é avaliar no total 12 participantes e o teste atual está programado para continuar até 2035. Portanto, isso não é algo que estará disponível tão cedo.
No entanto, essas descobertas são inovadoras. Demonstrar que um implante cerebral pode detectar uma atividade específica em tempo real, responder com estimulação elétrica direcionada que influenciará o humor de uma pessoa é indiscutivelmente um marco incrível, particularmente em relação ao futuro dos tratamentos de saúde mental.
Fonte: UCSF