Pesquisadores do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva conseguiram, pela primeira vez, mapear informações sobre as estruturas sociais dos neandertais. O estudo foi publicado na Nature, em 19 de outubro.
Neandertais são uma espécie prima humana surgida há cerca de 400 mil anos na Europa e no Médio Oriente e, na Península Ibérica, e extinguiram-se há 40 mil anos. Conviveram e misturaram-se com humanos modernos e outros hominídeos como os denisovanos.
O primeiro esboço do genoma neandertal foi publicado em 2010. Desde então, pesquisadores do Instituto Max Planck sequenciaram mais 18 genomas de 14 sítios arqueológicos em toda a Eurásia. Embora esses genomas tenham revelado informações sobre traços abrangentes da história neandertal, ainda pouco se sabe sobre essas comunidades neandertais.
Buscando investigar a estrutura social deles, os pesquisadores focaram no sul da Sibéria, uma região alvo de pesquisas – lá foi descoberto restos de hominídeos denisovanos na famosa caverna Denisova. Sabe-se que neandertais e denisovanos estiveram presentes nesta região por centenas de milhares de anos, e que neandertais e denisovanos tiveram convivência e relações – foi descoberta uma criança “híbrida” com pai denisovano e mãe neandertal.
Nesse novo estudo, os pesquisadores se debruçaram em restos neandertais nas cavernas Chagyrskaya e Okladnikov, que ficam a 100 quilômetros da caverna Denisova. Os neandertais ocuparam por um curto período essas cavernas há cerca de 54.000 anos atrás. A equipe conseguiu recuperar com sucesso o DNA de 17 restos – o maior número já sequenciado em um único estudo.
A caverna Chagyrskaya foi escavada nos últimos 14 anos por pesquisadores do Instituto de Arqueologia e Etnografia da Academia Russa de Ciências. Além de várias centenas de milhares de ferramentas de pedra e ossos de animais, foram recuperados mais de 80 fragmentos de ossos e dentes de neandertais, um dos maiores conjuntos no mundo.
Os neandertais em Chagyrskaya e Okladnikov caçavam íbex, cavalos, bisões e outros animais que migravam pelos vales. Eles coletavam matérias-primas para suas ferramentas de pedra a dezenas de quilômetros de distância, e a presença da mesma matéria-prima nas cavernas Chagyrskaya e Okladnikov também corrobora os dados genéticos de que os grupos que habitavam essas localidades estavam intimamente ligados.
Estudos anteriores de um dedo fóssil da caverna Denisova mostraram que os neandertais habitavam as montanhas de Altai consideravelmente antes, cerca de 120.000 anos atrás. Dados genéticos mostram, porém, que os neandertais das cavernas Chagyrskaya e Okladnikov não são descendentes desses grupos anteriores, mas estão mais próximos dos neandertais europeus. Isso também é apoiado pelo material arqueológico: as ferramentas de pedra da caverna Chagyrskaya são mais semelhantes à chamada cultura micoquiana conhecida na Alemanha e na Europa Oriental.
Crédito: Tom Bjorklund
O estudo utilizou 17 restos de 13 indivíduos neandertais – 7 homens e 6 mulheres, dos quais 8 eram adultos e 5 crianças e adolescentes. No DNA mitocondrial, os pesquisadores encontraram várias heteroplasmias compartilhadas entre eles. As heteroplasmias são um tipo especial de variante genética que persiste por um pequeno número de gerações.
Entre esses restos estavam os de um pai neandertal e sua filha adolescente. Os pesquisadores também encontraram dois parentes de segundo grau: um menino (talvez um primo) e uma mulher adulta (talvez uma tia ou avó). A combinação de heteroplasmias e indivíduos parentes sugere fortemente que os neandertais na caverna Chagyrskaya devem ter vivido – e morrido – na mesma época.
“O fato de estarem vivendo ao mesmo tempo é emocionante. Isso significa que provavelmente vieram da mesma comunidade social. Pela primeira vez, podemos usar a genética para estudar a organização social de uma comunidade neandertal” – Laurits Skov, autor do estudo.
Outra descoberta impressionante é a diversidade genética extremamente baixa dentro dessa comunidade neandertal, consistente com um tamanho de grupo entre 10 a 20 pessoas. Isso é muito menor do que os registrados para qualquer comunidade humana antiga ou atual, e é semelhante ao tamanho de grupos de espécies ameaçadas ou à beira da extinção.
No entanto, os neandertais não viviam em comunidades completamente isoladas. Ao comparar a diversidade genética no cromossomo Y, que é herdado do pai para os filhos, com a diversidade do DNA mitocondrial, que é herdado das mães, os pesquisadores puderam responder à uma antiga pergunta: foram os homens ou as mulheres que migravam entre as comunidades?
Eles descobriram que a diversidade genética mitocondrial era muito maior do que a diversidade do cromossomo Y, o que sugere que as comunidades neandertais estavam ligadas principalmente pela migração feminina, onde encontravam novos parceiros. Apesar da proximidade com a Caverna Denisova, essas migrações não parecem ter envolvido denisovanos – os pesquisadores não encontraram evidências de fluxo gênico denisovano nos neandertais de Chagyrskaya nos últimos 20.000.
“Nosso estudo nos dá uma imagem real de como pode ter sido uma comunidade neandertal, diz Benjamin Peter, autor do estudo. “Isso faz os neandertais parecerem muito mais humanos para mim.”
Fonte: Max Planck
Crédito da imagem da capa: Elisabeth Daynès